Folha de S. Paulo, 14/8/2011
Moçambique oferece terra à soja brasileira
Agricultor do Brasil poderá usar por 50 anos área equivalente a 'três Sergipes', pagando R$ 21 por hectare ao ano
País africano mira expertise brasileira no cerrado, região similar; 40 brasileiros visitarão as áreas em setembro
Patrícia Campos Mello
O governo de Moçambique está oferecendo uma área de 6 milhões de hectares -equivalente a três Sergipes - para que agricultores brasileiros plantem soja, algodão e milho no norte do país.
A primeira leva de 40 agricultores parte de Mato Grosso rumo a Moçambique -a próxima fronteira agrícola do Brasil- no mês que vem. As terras são oferecidas em regime de concessão -os brasileiros podem usá-las por 50 anos, renováveis por outros 50, mediante um imposto módico de 37,50 meticais (R$ 21) por hectare, por ano.
"Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terra de graça, sem tanto impedimento ambiental e frete muito mais barato para a China", diz Carlos Ernesto Augustin, presidente da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampa). "Hoje, além de a terra ser caríssima em Mato Grosso, é impossível obter licença de desmate e limpeza de área."
Augustin organizou a missão de agricultores para ir ao país em setembro ver as terras. Um consultor da Ampa já está no país contatando autoridades e preparando a viagem. "Quem vai tomar conta da África? Chinês, europeu ou americano? O brasileiro, que tem conhecimento do cerrado", diz Augustin.
"Os agricultores brasileiros têm experiência acumulada que é muito bem-vinda. Queremos repetir em Moçambique o que eles fizeram no cerrado 30 anos atrás", afirma o ministro da Agricultura de Moçambique, José Pacheco. "A grande condição para os agricultores é ter disposição de investir em terras moçambicanas", diz Pacheco. É preciso empregar 90% de mão de obra moçambicana.
CONCESSÃO
A terra em Moçambique é propriedade do Estado e pode ser usada em regime de concessão, que está aberto a estrangeiros. O governo busca agricultores brasileiros por causa da experiência no cerrado, que tem características climáticas e de solo muito semelhantes à área oferecida.
As terras oferecidas aos brasileiros estão em quatro províncias da região Norte:
Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia. A região é superior a toda área cultivada de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (cerca de 5 milhões de hectares).
Os produtores vão a reboque da Embrapa, que mantém na área o projeto Pro-Savana, com a Agência Brasileira de Cooperação e a Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão).
O projeto de cooperação técnica em Moçambique é o maior da Embrapa fora do Brasil - terá 15 pessoas a partir de outubro. Em duas estações no norte do país, eles estão testando sementes de algodão, soja, milho, sorgo, feijão do cerrado brasileiro, para adaptá-las ao norte moçambicano.
"Nessa região, metade da área é povoada por pequenos agricultores, mas a outra metade é despovoada, como existia no oeste da Bahia e em Mato Grosso nos anos 80", diz Francisco Basílio, chefe da Secretaria de Relações Internacionais da Embrapa.
O governo vai dar isenção fiscal para importar equipamentos agrícolas.
CONSULTORIA VAI FAZER TURNÊ PRÓ-ÁFRICA
Empresa pesquisa planos de plantio e logística mais adequados e irá apresentá-los a investidores no início de 2012
Regime de concessão de terra, comum no continente, alavanca projetos, afirma diretor da GV Agro
A GV Agro vai iniciar no ano que vem um "road show" para atrair agricultores para produzir em países como Moçambique, Senegal, Libéria, Zâmbia, Guiné Conacri e Guiné Bissau.
A consultoria está fazendo levantamentos em países com grande potencial de produção agrícola na África e na América Central, no chamado "Cinturão Tropical".
Os consultores estão pesquisando quais plantios são mais adequados, pontos de escoamento e logística. Com esses dados, vão fazer um "road show" para investidores privados, especialmente brasileiros, no início de 2012.
"Queremos atrair agricultores para produzir nesses países, que são as novas fronteiras agrícolas", diz Cléber Guarani, coordenador de projetos da GV Agro, braço de projetos agroindustriais da GV Projetos.
Em muitos desses países da África, há regime de concessão de terras. "As concessões alavancam o projeto, porque eliminam a necessidade de um investimento inicial grande em compra de terra", afirma Guarani.
Segundo ele, essa é uma forma de expandir as vendas do pacote tecnológico brasileiro. Governos locais dão benefícios fiscais para importar máquinas e equipamentos. "E é natural que o BNDES financie a compra de equipamentos brasileiros", diz.
Em Moçambique, por exemplo, a GV atua com o projeto Pro-Savana para atrair os investidores privados. A Embrapa treina técnicos moçambicanos e adapta sementes brasileiras. E a Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão) está financiando melhorias de infraestrutura na região.
"Interessa-nos ter brasileiros em Moçambique produzindo, porque temos grande deficit de alimentos", diz o embaixador de Moçambique no Brasil, Murade Murargy.
A inspiração é o Prodecer (Programa de Cooperação Japão-Brasil para o Desenvolvimento dos Cerrados), que nos anos 70 ajudou o cerrado a se tornar uma das regiões agrícolas mais produtivas.
"Antes disso, se dizia: 'o cerrado, nem dado, nem herdado', lembra o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp.
"Moçambique pretende ser uma réplica do Prodecer", diz Marco Farani, diretor da ABC (Agência Brasileira de Cooperação). "Queremos estimular os produtores brasileiros a ir para lá e aproveitar a tecnologia que estamos desenvolvendo."
Rodrigues ressalta a dimensão geoestratégica da expansão do agronegócio brasileiro na África. "A China está lá, mas para extrair riquezas; nós podemos transferir tecnologia agrícola, dentro de uma estratégia para sermos líderes em economia verde."
PREÇO DA TERRA BRASILEIRA SUBIU MAIS DE 15%
O preço das terras no Brasil subiu mais de 15% em termos nominais nos últimos 12 meses, segundo levantamento da Informa Economics FNP.
A elevação é superior à alta dos últimos anos, em que os preços subiram entre 5% e 6%, em média.
Segundo Jacqueline Bierhals, gerente de agroenergia da Informa Economics FNP, nem as medidas de restrição ao capital estrangeiro na compra de terras, adotadas em agosto do ano passado, e as novas propostas de restrição em estudo no Congresso, frearam a alta dos preços.
"As última três safras tiveram resultados muito bons. O produtor brasileiro está bastante capitalizado --então, mesmo sem estrangeiros, o mercado continua muito líquido [quando há facilidade para vender]", afirma Jacqueline.
"Além disso, o cenário para grãos está muito aquecido, por causa da escassez nos Estados Unidos, que são formadores de estoque."
ÚLTIMA FRONTEIRA
Mato Grosso é o sexto Estado com maior valorização nas terras. "As terras no Brasil têm ficado muito caras --na comparação com Argentina e Europa, a terra no Brasil ainda é mais barata, mas com a África não dá para competir. A migração é um movimento que começa a ganhar força. A África é a última fronteira agrícola do mundo", diz Jacqueline.
Mas ela ressalta que há grandes dificuldades logísticas na África e não se pode subestimar o desafio de escoar a produção lá.
No Brasil, ainda há terras para abrir no oeste baiano, no Nordeste e no Tocantins. "Mas, tirando isso, não tem mais nada; e nos vizinhos, também tem pouca coisa." (PCM)
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