O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO COMPLEXO DO ALEMÃO?
Há alguns dias atrás o jornalista Patrick Granja publicou aqui na Agência de Notícias das Favelas um vídeo, onde mostra um homem sendo espancado por oito militares do exército, no Largo da Vivi, localidade do Complexo do Alemão. Fomos até lá para entrevistar o trabalhador, que se mostrou extremamente nervoso e preocupado com sua segurança. Notei, com a experiência de vinte anos trabalhando em favelas, que o exército estava fazendo o mesmo que outras forças já fizeram, marcando residências, impondo fim de festas e se impondo, demonstrando claramente que as armas só tinham mudado de mãos, porém as imposições continuavam. O pior é que podemos até esperar tal imposição por parte do tráfico, já que são marginais, porém jamais podemos e devemos aceitar quando é uma imposição do estado, principalmente se esse estado se diz democrático.
Pois bem, disse para nossa equipe que iríamos então ouvir o comando da Força de Pacificação. No meio do caminho, disse para o jornalista Patrick Granja para fazermos umas imagens da tropa, na entrada da favela, na Rua Itararé. Patrick foi fazer as imagens e eu liguei a câmera do meu celular. Fiquei surpreso ao perceber que os militares do exército dissessem para nosso cinegrafista que não poderíamos filmá-los. Me aproximei, devidamente identificado com um crachá de imprensa e comecei a questionar o militar do exército que estava nos proibindo de filmar. Como conheço bem a hierarquia militar, as leis constitucionais e de imprensa, perguntei de onde veio a tal ordem. Outro militar se aproximou e disse que deveríamos apagar essas imagens. Os militares não sabiam muito bem o que fazer, demonstrando total despreparo para o trato com a população. Pensei: Se fazem isso conosco, com uma câmera na mão, o que não devem fazer nas madrugadas do Complexo? Desliguei a câmera do meu celular só quando um oficial chegou. Fiquei ainda mais surpreso, pois ele chegou com um outro militar filmando tudo o que estava acontecendo. Perguntei: Então eu sou jornalista, estamos aqui identificados e não podemos filmar e vocês podem nos filmar? E questionei: Isso é uma ditadura? O tenente me pediu a identificação e eu apresentei minha carteira da FENAJ -- Federação Nacional dos Jornalistas, assim como o colega que me acompanhava. De repente o oficial puxou uma câmera e queria fotografar minha identidade! Peguei minha identidade e disse para o oficial que estava me dirigindo naquele instante para o comando da operação, na antiga fábrica da Coca-Cola.
Chegamos ao comando e fomos recebidos por um oficial que se desculpou pela ação dos militares que tentávamos filmar e disse que eles “entenderam errado”, que a ordem era só para que as equipes de reportagem avisassem de suas presenças para a própria segurança. Disse que para a grande mídia, que não conhece normalmente a favela, pode ser louvável, não para nós, já que nossos colaboradores estão justamente dentro das favelas. Mostramos então o vídeo com a denúncia de espancamento, fato que o comando da operação ainda não tinha tomado conhecimento. Ao ver o vídeo, o capitão que nos recebera fez questão que apresentássemos o material para o Chefe do Estado Maior da Força de Pacificação Coronel Nilson Nunes Maciel. O Coronel anotou tudo e disse que nos daria uma resposta.
No dia seguinte, todas as emissoras haviam mostrado para a sociedade o vídeo, menos a TV GLOBO. Não tenho nada deliberado contra a emissora, tendo inclusive muitos amigos que lá trabalham. Minha indignação maior foi ao conversar com um especialista de segurança que trabalha na emissora que justificou que a TV não deu porque aquilo era uma tentativa de imobilização! Perguntei: Oito militares para imobilizar um só homem? O especialista em segurança ainda disse que o exército teria um vídeo que teríamos que ver. O próprio exército soltou uma nota à imprensa com o seguinte conteúdo:”O veículo de mídia que esteve na Base da Força de Pacificação e que disse ter difundido as imagens que circulam na internet foi informado sobre o teor deste documento e convidado a assisti-las, no entanto não compareceu.” Pois bem, comparecemos no dia seguinte para ver as imagens e qual não foi nossa surpresa ao ver que eram imagens do próprio agredido pedindo desculpas. Fica a pergunta: Quem não pediria desculpas dentro de uma base militar, para se ver livre de uma possibilidade de prisão?
Agora uma outra acusação de que um homem foi baleado em uma troca de tiros dá conta de total despreparo das Forças de Pacificação e de um caso que precisa ser investigado, pois os policiais que balearam o rapaz não fizeram um registro de ocorrência. Mais estranho que a ditadura do exército e seu despreparo para lidar com a população é a ditadura da mídia, em especial da TV GLOBO. Atenção colegas jornalistas, não dá para ficar tapando o Sol com a peneira. Espero que o compromisso com a verdade e justiça seja nosso norte!
André Fernandes -- Jornalista, fundador, diretor e editor-chefe da Agência de Notícias das Favelas
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