quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Reputadas empresas de auditoria

Revista VEJA, 17/11/2010

"PAGAREI TUDO O QUE DEVO A ELES"

Fã de todos os presidentes, dos generais a Lula, passando por Collor, o rosto mais conhecido da televisão tem uma dívida de 2,5 bilhões de reais e não crê em solução política
Felipe Patury

Senhor Abravanel vai fazer 80 anos no dia 12 de dezembro. O apresentador Sílvio Santos tem cinquenta anos de carreira. O banqueiro Senhor Sílvio Santos Abravanel está no ramo há 21 anos. Todos esses números são significativos para o rosto mais conhecido da televisão brasileira. Mas nenhum tem a força da combinação de dois outros que entraram abruptamente em sua vida: uma dívida de 2,5 bilhões de reais e 10 anos para pagá-la, com carência de três e a primeira prestação vencendo em junho de 2014. Como sempre acontece nos momentos adversos de sua vida, Sílvio Santos acha que encontrará a salvação na atividade que mais lhe dá prazer, a de apresentador de programa de auditório. Ia me aposentar no ano que vem, mas o mundo parece ter outros planos para mim. É sempre assim", disse Sílvio Santos a VEJA na quinta-feira passada, quando as manchetes dos jornais eram quase todas dedicadas a sua dívida bilionária.

Sílvio Santos já negociou a soltura de uma filha seqüestrada em São Paulo, escapou ele próprio de outro sequestão, episódio em que de tão calmo parecia estar se divertindo, enquanto a polícia e os bandidos trabalhavam. Em 1989, na primeira eleição presidencial da Nova República, aceitou fazer o papel feio de carta na manga tirada por alguns partidos e lançou-se candidato a presidente da República. Quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cortou as asas do aventureirismo político, todos os patronos da candidatura saíram chamuscados do episódio - menos Sílvio Santos. Dias depois, lá estava ele de novo no auditório animando a platéia de fãs mulheres da classe C, sua amada clientela, como se nada tivesse acontecido. Sílvio já perdeu a voz, enfrentou crises conjugais, viu migrar para a concorrência atrações-chave de sua grade de programas, e nunca perdeu o bom humor. Enquanto houver um microfone dependurado no peito e uma audiência de caravanas de mulheres aplaudindo na platéia, ninguém poderá considerar Sílvio Santos derrotado. É para a frente delas que ele correrá na atual crise, a quebra fraudulenta de seu banco, o PanAmericano, que abriu um rombo de 2,5 bilhões de reais nas contas de um homem de quase 80 anos que se preparava para uma, se não desejada, natural aposentadoria.

Amigo, por definição, de qualquer presidente no poder, era de esperar que Sílvio Santos tivesse no atual, Lula, um aliado das primeiras horas para ajudar a mover os pauzinhos em Brasília e resolver o problema do rombo bilionário no banco do grupo do apresentador. Aparentemente, Lula não se empenhou no caso, até porque sua solução até agora se deu no campo da economia privada. O PanAmericano valeu-se de um empréstimo de 2,5 bilhões de reais do Fundo Garatidor de Créditos (FGC), uma espécie de instituto de bancos dos bancos cujo caixa é constituído por recolhimentos das próprias instituições financeiras privadas. O FGC é uma criação sábia da equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso, instituída em 1995. Com o dinheiro do FGC, ficam automaticamente protegidos todos os depósitos à vista nos bancos brasileiros até o valor de 60.000 reais. A justificativa para usar dinheiro desse fundo para salvar o Banco PamAmericano foi justamente a de evitar que os clientes da instituição financeira de Sílvio Santos tivessem prejuízos. Para o apresentador, a solução foi mágica. Ele vive da própria imagem, e dificilmente ela sobreviveria a uma corrida bancária, com clientes lesados gritando furiosamente slogans contra ele na porta do SBT, o Sistema Brasileiro de Televisão, a emissora de Sílvio Santos. Como todo mundo sabe, Senhor Abravanel (nome verdadeiro do apresentador) foi camelô na juventude e, se algo o motiva mais do que animar plateias, esse algo é negociar. O Brasil viu essa qualidade de Sílvio ao vivo pela televisão em 2001, em circunstâncias dramáticas, durante o sequestro de sua filha Patrícia Abravanel. Na ocasião, ele surpreendeu os policiais da Delegacia Anti-Sequestro (Deas), pelo sangue-frio e pela habilidade com que tomou as rédeas das tratativas com os bandidos em torno do valor do resgate. Embora não falasse diretamente com os seqüestradores, era ele quem autorizava as ofertas e barganhava as reduções. Ao término de quase uma semana de negociação, Sílvio conseguiu baixar em dez vezes o valor pedido pelos bandidos. Quando os sequestradores telefonaram pela última vez para fechar o preço, o policial que intermediava as negociações perguntou ao empresário se ele confirmava o dinheiro: "Vão ser 500.000 reais mesmo, seu Sílvio?". Ao que o criador do Baú da Felicidade respondeu: "Quinhentos mil reais não, doutor. Meio milhão de reais". É diferente. Meio milhão soa imediatamente como uma fortuna aos sensores mais primitivos do cérebro humano, enquanto 500 mil reais, sendo o mesmo valor, exige alguns segundos de esforço de cálculo. Enfim, funcionou. Os bandidos toparam e soltaram Patrícia. Um cínico poderia dizer que, agora, no caso do Banco PanAmericano, Sílvio Santos teve de negociar com profissionais para obter seu empréstimo salvador. Como ele conta na entrevista, os banqueiros administradores do FGC queriam cobrar juros pelo empréstimo, o que ele recusou. Silvio aceitou pagar apenas a correção das perdas inftacionárias que incidirem sobre os 2,5 bilhões de reais - e ainda obteve prazo de dez anos para quitar a dívida, com três anos de carência. Um verdadeiro Baú da Felicidade. Pelo menos aparentemente. Um alto funcionário do governo federal com acesso direto aos termos da negociação prevê um pouco mais de dificuldades para o empresário dono do SBT: "Ele está lidando com banqueiros de alta qualidade e grande experiência, A eles cabe aprovar todas as vendas que o Sílvio Santos fizer para arrecadar dinheiro para pagar a dívida com o FGC. Banqueiros são duros nessas negociações".

A história da quebra e do salvamento do Banco PanAmericano está sendo contada ainda por relatos das pessoas diretamente envolvidas. O que não significa que a história se esgote nisso. Ao contrário, quando as coisas esfriarem, começarão a vir à tona os detalhes menos enaltecedores para todas as partes envolvidas. Por enquanto, só existem virtudes (problema resolvido com dinheiro privado sem prejuízo para o Tesouro nem para os correntistas) e heróis (o grande negociador, seus pares e as autoridades, todos decididos a evitar pânico no mercado financeiro, evitando soluções traumáticas). Há muita coisa ainda a ser esclarecida, entre elas o fato de reputadas empresas de auditoria como a Deloitte e a KPMG terem tido acesso aos dados contábeis do PanAmerícano sem enxergar neles o menor indício da fraude bilionária que se gestava entre os números. Difícil também acreditar que um salvamento dessa natureza tenha se processado sem considerações nem pressões políticas de Brasília - até porque a Caixa Econômica Federal (CEF), empresa 100% estatal, é dona de um naco considerável do Banco PanAmericano. Falta explicar também que papel teve no episódio um dos políticos mais influentes no primeiro mandato do presidente Lula, o petista Luiz Gushiken, aquele que perdeu o cargo de ministro da Secretaria de Comunicação, em novembro de 2006, na esteira do escândalo do mensalão. Segundo um participante das negociações entre PanAmericano e Caixa, Gushiken representou os interesses do governo Lula no caso. Pode ser que Gushiken tenha levado Sílvio Santos até Lula? O encontro entre ambos não pôde ser presenciado sequer pela funcionária que registra em ata esses eventos - o que é uma excepcionalidade. Pode ser que os petistas já estejam criando condições para que um eventual comprador do SBT seja um grupo alinhado com o partido e seus caciques? Tudo é possíve1. Impossível é que um governo tão sensível a tudo o que diz respeito ao que em Brasília se chama depreciativamente de "mídia" - a imprensa escrita, as emissoras de televisão e de rádio e os portais noticiosos da internet - possa deixar ao sabor dos acontecimentos e do bomsenso dos mercados uma crise com potencial para fazer mudar de mãos a rede de televisão de Sílvio Santos.

A indefinição sobre o futuro do SBT também se refletiu entre os artistas contratados pela rede. Dono de quatro retransmissoras no interior do Paraná, o apresentador Ratinho se considera um privilegiado por ter como preservar sua fonte de renda, caso a rede mude de mãos. "Sou um dos que estão em melhor situação", disse a um amigo na semana passada. Contratado neste ano, o ex-Band Raul Gil comentou com um colega: "O pior é que acabei de entrar. Estou sem eira nem beira". Moacyr Franco já não sabe se vingará o programa que ele pretendia levar ao ar no SBT. Em fase de renegociação de contratos, os donos de emissoras afiliadas da rede de Sílvio Santos compartilham a mesma apreensão com o futuro da empresa. Acompanhem os próximos capítulos. Eles prometem fortes emoções!

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