Aprendizado legal: a Lei do Aprendiz.
Em dezembro de 2000, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei do Aprendiz, que reformulava os dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobre o sistema nacional de aprendizagem. Só cinco anos depois a lei ficou mais perto de se tornar realidade. No último dia 30 de novembro, o presidente Lula finalmente regulamentou a lei, depois de muita pressão da sociedade civil.
Com a assinatura do presidente da República, o Movimento pela Regulamentação da Lei do Aprendiz – liderado pela Fundação Gol de Letra, pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e pelo Instituto Ethos – cancelou a manifestação que faria em Brasília (DF) no dia 1º de dezembro. Para o diretor-presidente da Fundação Abrinq, Rubens Naves, a mobilização exercida pelas campanhas em prol da regulamentação foi fundamental para a sua concretização.
Não há estatísticas confiáveis sobre o número de aprendizes contratados hoje no país, mas o Ministério do Trabalho estuda a possibilidade de criar a obrigatoriedade de as empresas informarem esses dados. Para Naves, é obrigação do ministério adotar mecanismos públicos de controle do número de aprendizes. A expectativa do ministério é que sejam criadas 400 mil novas vagas para jovens no mercado de trabalho.
O novo texto da lei estabelece que as médias e grandes empresas reservem entre 5% e 15% das vagas para a formação profissional de adolescentes e jovens com idades entre 14 e 24 anos incompletos. No caso de o jovem ser uma pessoa com necessidades especiais, não há limite de idade. A lei também exige que o aprendiz seja inscrito em um programa de aprendizagem que pode ser oferecido por entidades como o Senai, o Senac ou escolas técnicas.
Segundo Naves, o empresário precisa saber que o jovem é aprendiz e não empregado. Por isso precisa ter acesso a um processo pedagógico com horas teóricas e práticas. “O aprendiz não está lá apenas para aprender processos de trabalho, mas para ter uma noção mais ampla do que é cidadania e dos valores locais”, defende. O diretor-presidente da Abrinq diz ter consciência de que a lei não vai resolver todos os problemas, mas tem certeza de que a regulamentação pode mudar o panorama preocupante que encontram hoje os jovens brasileiros ao ingressarem no mercado de trabalho.
Rets - Por que a Lei do Aprendiz demorou tanto para ser regulamentada?
Rubens Naves - A lei existe desde a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], na década de 40. Só no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso houve um aperfeiçoamento da lei, então denominada Lei do Aprendiz. Essa lei demanda muita criatividade do Ministério do Trabalho e das empresas, pois há a necessidade de criar metodologia, que até hoje não existe, apesar de haver algumas experiências bem-sucedidas pelo Brasil.
Havia um certo receio dos sindicatos sobre a extensão de todos os direitos inerentes aos trabalhadores aos aprendizes. Se esses benefícios fossem atribuídos aos aprendizes, passaria a ser oneroso para os empresários. Em relação a isso, o governo não soube fazer uma boa mediação.
A regulamentação prevê que os aprendizes farão jus a uma remuneração, mas não aos benefícios acordados nas convenções sindicais.
Rets - Houve lobby contrário à regulamentação?
Rubens Naves - Não houve lobby contrário. Como já disse, houve uma preocupação das organizações sindicais de criar mecanismos mais eficientes de fiscalização e controle das jornadas. Mas não houve oposição claramente declarada de ninguém.
Fazer oposição a essa lei vai contra uma tendência de buscar um projeto para a juventude. Quem fosse contra a idéia de dar oportunidade aos jovens não encontraria ressonância na sociedade.
Rets – O que muda para os jovens?
Rubens Naves - Não vamos achar que a legislação vai resolver o problema. Sabemos que os jovens vão ser beneficiados. Depois de passar pelo projeto de aprendizagem, eles terão mais condições de disputar as vagas do mercado de trabalho. A lei poderá suprir em parte essa falta de capacitação. Mas precisamos de outras medidas, como o incentivo ao empreendedorismo.
Rets – E os benefícios para os empresários?
Rubens Naves - Essa lei nasce por causa da necessidade de a indústria produzir uma mão-de-obra capacitada para acompanhar a industrialização brasileira. Além disso, os jovens vão conhecer a cultura empresarial. É um investimento importante, porque é possível descobrir talentos que podem ser aproveitados dentro da empresa. Isso tem um valor inestimável.
Rets - O que a empresa deve oferecer aos aprendizes?
Rubens Naves - O aprendiz não está lá apenas para aprender processos de trabalho, mas para ter uma noção mais ampla do que é cidadania e dos valores locais. Mas o empresário precisa saber que o jovem é aprendiz, não é empregado. É preciso ter um processo pedagógico com horas teóricas e práticas.
Rets – O senhor acha que o governo vai conseguir fazer uma fiscalização eficaz?
Rubens Naves - Os empresários temiam que se concretizasse a obrigatoriedade da lei e a fiscalização viesse forte para dentro da empresa. É importante que, nesse primeiro momento, a fiscalização seja mais no sentido de orientar do que de punir. O Ministério do Trabalho, por meio de suas delegacias, deve orientar e realizar campanhas educativas também.
Rets - Qual foi o papel da mobilização da sociedade civil na regulamentação da lei?
Rubens Naves - Havia muitas iniciativas para tornar a lei eficaz. O governo se sentiu pressionado. O Movimento pela Regulamentação da Lei do Aprendiz foi fundamental nesse processo. É por aí que a gente pode avançar. Ficarmos mais competentes em entender o significado das políticas públicas e do orçamento público. Temos de cobrar maior efetividade do governo e até dos empresários.
Rets – Qual é a expectativa de jovens beneficiados pela lei?
Rubens Naves – Não sabemos o potencial de contratação. É papel do Ministério do Trabalho precisar esses dados. Até mesmo para a sociedade poder negociar com os empresários e com o governo. Precisamos de estatísticas mais confiáveis e transparentes. (Fonte: www.rits.org.br)
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