quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A pobreza da riqueza

Por Cristóvam Buarque

"Em nenhum outro país os ricos demonstram mais ostentação que no
Brasil. Apesar disso, os brasileiros ricos são pobres. São pobres
porque compram sofisticados automóveis importados, com todos os
exagerados equipamentos da modernidade, mas ficam horas engarrafados
ao lado dos ônibus de subúrbio. E, às vezes, são assaltados,
seqüestrados ou mortos nos sinais de trânsito. Presenteiam belos
carros a seus filhos e não voltam a dormir tranqüilos enquanto eles
não chegam em casa. Pagam fortunas para construir modernas mansões,
desenhadas por arquitetos de renome, e são obrigados a escondê-las
atrás de grades ou muralhas, como se vivessem nos tempos dos castelos
medievais, dependendo de guardas que se revezam em turnos.

Os ricos brasileiros usufruem privadamente tudo o que a riqueza
lhes oferece, mas vivem encalacrados na pobreza social.

Na sexta-feira, saem de noite para jantar em restaurantes tão caros
que os ricos da Europa não conseguiriam freqüentar, mas perdem o
apetite diante da pobreza que ali por perto arregala os olhos pedindo
um pouco de pão; ou são obrigados a restaurantes fechados, cercados e
protegidos por policiais privados. Quando terminam de comer
escondidos, são obrigados a tomar o carro à porta, trazido por um
manobrista, sem o prazer de caminhar pela rua, ir a um cinema ou
teatro, depois continuar até um bar para conversar sobre o que viram.
Mesmo assim, não é raro que o pobre rico seja assaltado antes de
terminar o jantar, ou depois, a caminho de casa. Felizmente isso nem
sempre acontece, mas certamente, a viagem é um susto durante todo o
caminho. E, às vezes, o sobressalto continua, mesmo dentro de casa ou
apartamento.

Os ricos brasileiros são pobres de tanto medo. Por mais riquezas
que acumulem no presente, são pobres na falta de segurança para
usufruir o patrimônio no futuro. E vivem no susto permanente diante
das incertezas em que os filhos crescerão. Os ricos brasileiros
continuam pobres de tanto gastar dinheiro apenas para corrigir os
desacertos criados pela desigualdade que suas riquezas provocam: em
insegurança e ineficiência.

No lugar de usufruir tudo aquilo com que gastam, uma parte
considerável do dinheiro nada adquire, serve apenas para evitar
perdas. Por causa da pobreza ao redor, os brasileiros ricos vivem um
paradoxo: para ficarem mais ricos têm de perder dinheiro, gastando
cada vez mais apenas para se proteger da realidade hostil e
ineficiente, consequência da injustiça social.

A pobreza de visão dos ricos impediu também de verem a riqueza que
há na cabeça de um povo educado. Ao longo de toda a nossa história, os
nossos ricos abandonaram a educação do povo, desviaram os recursos
para criar a riqueza que seria só deles, e ficaram pobres: contratam
trabalhadores com baixa produtividade, investem em modernos
equipamentos e não encontram quem os saiba manejar, vivem rodeados de
compatriotas que não sambem ler o mundo ao redor, não sabem mudar o
mundo, não sabem construir um novo país que beneficie a todos. Muito
mais ricos seriam os ricos se vivessem em uma sociedade onde todos
fossem educados.

Para poderem usar os seus caros automóveis, os ricos construíram
viadutos com dinheiro de colocar água e esgoto nas cidades, achando
que, ao comprar água mineral, se protegiam das doenças dos pobres.
Esqueceram-se de que precisam desses pobres e não podem contar com
eles todos os dias e com toda saúde, porque eles (os pobres) vivem sem
água e sem esgoto. Montam modernos hospitais, mas tem dificuldades em
evitar infecções porque os pobres trazem de casa os germes que os
contaminam. Com a pobreza de achar que poderiam ficar ricos sozinhos,
construíram um país doente e vivem no meio da doença.

Há um grave quadro de pobreza entre os ricos brasileiros. E esta
pobreza é tão grave que a maior parte deles não percebe. Por isso a
pobreza de espírito tem sido o maior inspirador das decisões
governamentais das pobres ricas elites brasileiras.

Se percebessem a riqueza potencial que há nos braços e nos cérebros
dos pobres, os ricos brasileiros poderiam reorientar o modelo de
desenvolvimento em direção aos interesses de nossas massas populares.
Liberariam a terra para os trabalhadores rurais, realizariam um
programa de construção de casas e implantação de redes de água e
esgoto, contratariam centenas de milhares de professores e colocariam
o povo para produzir para o próprio povo. Esta seria uma decisão que
enriqueceria o Brasil inteiro - os pobres que sairiam da pobreza e os
ricos que sairiam da vergonha, da insegurança e da insensatez.

Mas isso é esperar demais.

Os ricos são tão pobres que não percebem a triste pobreza em que
usufruem suas malditas riquezas."

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