quinta-feira, 25 de novembro de 2010

QUEM É POBRE?

Revista ÉPOCA, 22/11/2010
QUEM É POBRE?
Dilma prometeu erradicar a pobreza até 2014. Mas o país ainda não tem um critério consolidado para aferir o cumprimento dessa meta
Ricardo Mendonça
A um mês e 14 dias da posse, a presidente eleita Dilma Rousseff começou a discutir ideias para cumprir sua promessa de erradicar a pobreza no Brasil até 2014. Na semana passada, ela participou de uma reunião com sua equipe de transição, assessores e especialistas convidados. A repercussão do encontro, porém, ficou aquém de sua ambiciosa pauta. A ênfase foi em torno da concessão de um reajuste nos benefícios do Bolsa Família, o maior programa social do governo, fonte auxiliar de renda para cerca de 12 milhões de famílias.
A forma como é feito o reajuste do Bolsa Família revela uma das maiores fragilidades do programa: a falta de mecanismos claros para correção periódica dos benefícios e dos valores de renda que servem de referência para o ingresso e a manutenção dos beneficiários do programa. Os pagamentos do Bolsa Família, hoje, variam de R$ 22 a R$ 200, dependendo do número de filhos da família que recebe. Desde 2004, quando o programa foi criado, esses auxílios tiveram três reajustes. O primeiro, de 18,25%, foi em agosto de 2007, depois de quase três anos de congelamento. O segundo, de 8%, veio em julho de 2008. O último, de 10%, ocorreu em julho de 2009, há mais de um ano.
No caso do valor de referência para o ingresso de pessoas no programa, a irregularidade nos reajustes é ainda maior. Hoje, só está habilitado a receber o Bolsa Família quem tem renda familiar per capita abaixo de R$ 140 por mês. É o patamar que caracteriza situação de pobreza, segundo os critérios do programa. Esse valor era de R$ 100 em 2004 e também passou por três correções em seis anos: uma em 2006 e outras duas em 2009.
Da forma como o Bolsa Família está organizado, as necessárias correções nos benefícios e nos valores de referência para inscrições só podem ser feitas por meio de decretos presidenciais. “É um modelo totalmente arbitrário”, diz o economista André Urani, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, entidade que patrocina estudos avançados sobre desigualdade e pobreza. Sem um mecanismo preestabelecido de correções, o programa fica sujeito a manipulações. Entre os riscos há a possibilidade de supervalorização de benefícios em períodos eleitorais. Outra brecha é a possibilidade de congelamento do valor que caracteriza pobreza por muito tempo, o que resultaria na diminuição meramente estatística do total de pobres no país. “É um problema semelhante ao da atualização da tabela de cálculo do Imposto de Renda. Como é arbitrário, sempre gera crise”, diz Urani.
Uma medida que eliminaria esses riscos seria a criação de uma linha oficial da pobreza no Brasil. Hoje, cada pesquisador ou instituição estabelece seu próprio critério de renda para demarcar quem é pobre e quem não é. Para a Fundação Getulio Vargas, pobre é quem tem menos de R$ 144 por mês de renda familiar per capita. O Banco Mundial usa o critério de US$ 1,25 por dia. A economista Sônia Rocha, uma das maiores especialistas do assunto, usa 25 linhas regionais que variam de R$ 42,81 a R$ 86,35. Todos esses critérios são diferentes do usado pelo Bolsa Família, que estipula renda mensal abaixo de R$ 140. O programa tem uma segunda linha, de R$ 70, para caracterizar extrema pobreza.
É difícil dizer se uma linha é melhor ou pior que a outra. Todas são metodologicamente defensáveis, e cada uma tem vantagens e desvantagens em relação às demais. Nenhuma, porém, consolidou-se como critério indiscutível para avaliação de políticas públicas. Em campanhas ou discursos, os políticos escolhem os critérios que mais lhes convêm.
Além de estabelecer correções periódicas dos valores de referência do Bolsa Família, uma linha oficial de pobreza também poderia servir para uma melhor calibragem dos benefícios. Hoje, os valores são fixos. Há quem, mesmo recebendo o Bolsa Família, continue abaixo da linha da pobreza do programa. Outros passam a ter uma renda até maior do que quem sempre esteve acima da linha. Com um patamar oficial, o benefício poderia ser sempre a diferença entre a renda da família e o valor da linha.
“Sempre defendi a criação de uma linha oficial brasileira”, diz o economista Marcelo Neri, da FGV, um dos mais produtivos pesquisadores da área. Ele lembra que os Estados Unidos têm a sua desde 1963. “Agora que estão falando em erradicar a pobreza em quatro anos, seria importante ter uma linha oficial, até para medir com segurança o cumprimento dessa meta”, afirma. “Senão, quem vai aferir?”

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