segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"Nunca anunciamos o lugar onde vamos repartir a comida para evitar tumultos"

Desespero e violência aumentam nas ruas do Haiti

Seg, 18 Jan, 04h41

Redação Central, 17 jan (EFE).- O desespero e a violência aumentam nas ruas do Haiti cinco dias depois do terremoto que deixou pelo menos 100 mil mortos, enquanto a comunidade internacional luta para diminuir estes problemas imediatos e pensa na reconstrução a longo prazo.
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A chegada dos caminhões com pacotes de ajuda gera quase sempre tumulto e caos. "Para nós, uma distribuição bem-sucedida de alimentos ou água é aquela na qual ninguém sofre danos", disse à agência Efe o capitão Marco León Peña, do contingente boliviano da Missão da ONU no Haiti (Minustah).

Por essa razão, "nunca anunciamos o lugar onde vamos repartir a comida para evitar tumultos", acrescentou Peña.

A ajuda não chegou a muitos pontos de concentração de desabrigados, como é o caso dos milhares de refugiados de Peguyville, na capital, que depois do sismo de 7 graus na escala Richter só receberam um caminhão com água potável.

Muitos desabrigados se queixam que não receberam nenhuma assistência, apesar do aeroporto de Porto Príncipe receber verdadeiros engarrafamentos de aviões com cargas com mantimentos e remédios.

"É preciso compreender, a coordenação 'desabou', assim como nossos edifícios do Programa Mundial de Alimentos (PMA) e da própria Minustah", comentou Alejandro López-Chicheri, chefe de comunicações da agência para a América Latina.

Mas os desabrigados, que somam aproximadamente 3 milhões em todo o país, não compreendem: "Só sei que em três dias comi um prato de arroz que recebi de uma vizinha", contou Bobien Ebristout, que está em um barraco feito com quatro lonas em uma colina empoeirada de Peguyville, onde o cheiro de excrementos toma todos os ambientes.

Esta situação, em parte, faz com que em Porto Príncipe se repitam com cada vez maior frequência cenas de grupos que roubam todo tipo de mercadorias em comércios fechados ou armazéns.

Centenas de jovens, muitos armados com barras de ferro ou madeira e alguns com facas, ocuparam hoje uma importante avenida e forçaram a entrada de vários armazéns, nenhum deles de produtos comestíveis, em uma das principais vias do centro.

Muitos deles protagonizaram confrontos aos socos e empurrões em plena rua pela repartição do material, mas sem chegar a utilizar suas armas, perante o olhar de vários fotógrafos da imprensa internacional.

Saques que ficam totalmente impunes, já que os militares da ONU que percorrem as ruas da capital passam pela frente sem intervir, enquanto a Polícia haitiana dispara para o alto, sem sucesso, segundo pôde comprovar a Efe. Porém, segundo a "Rádio Metropole", as autoridades mataram dois saqueadores.

Além dos desabrigados, a ONU se preocupa com segurança de seu pessoal, algo que desacelera as operações de ajuda.

De fato, o Conselho de Segurança da ONU estudará amanhã em reunião extraordinária ampliar o número de tropas da Minustah, liderada pelo Brasil e atualmente integrada por 6 mil capacetes azuis e 2.200 policiais, segundo o Ministro brasileiro de Relações Exteriores, Celso Amorim.

A presença militar americana foi criticada hoje pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, que denunciou que Washington está "ocupando o Haiti" ao enviar "milhares de soldados armados como para uma guerra".

Esses soldados, segundo o Governo dos EUA, entregaram no sábado 130 mil porções de comida e 70 mil garrafas de água potável aos desabrigados.

Adicionalmente, o PMA informou que, ao final de domingo, espera ter entregado alimentos a aproximadamente 100 mil vítimas na área de Porto Príncipe.

Também promissor foi o anúncio feito hoje sobre o resgate com vida de Nadine Cardozo, dona de um hotel de Porto Príncipe, cidade onde já foram rastreadas 60% das zonas afetadas pelas 40 equipes que chegaram de todo o mundo.

Cardozo se transformou na vítima número 70 em ser salva em meio aos escombros, "um número recorde de pessoas achadas com vida após um terremoto", disse à agência Efe Elizabeth Byrs, porta-voz do escritório humanitário da ONU.

As notícias, infelizmente, não foram boas para a Minustah, depois que neste domingo foram encontrados os corpos de uma advogada chilena e mais um militar brasileiro que trabalhavam em Porto Príncipe para a missão. Com isso, sobem a 42 os mortos da organização.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que hoje chegou ao Haiti, disse que "a destruição e a perda de vidas é assustadora" e enviou uma mensagem a todas as vítimas, garantindo que não lhes esquecerão e farão tudo o que for o possível para ajudar na recuperação.

Esta é "a crise humanitária mais grave" ocorrida em décadas, disse Ban após sobrevoar Porto Príncipe, destacando que quer aumentar a assistência humanitária aos desabrigados, além de garantir a coordenação das enormes quantidades de ajuda internacional que estão chegando ao país mais pobre da América.

A mensagem será fortalecida amanhã pelo enviado especial da ONU para o Haiti, o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, que chegará ao país com uma grande carga de assistência.

Em reunião que fará em Porto Príncipe com o líder haitiano, René Préval, Clinton procura garantir que a resposta seja "coordenada e efetiva", acrescentou.

De olho no que virá após estes primeiros dias e semanas, Préval viajará nesta segunda a Santo Domingo para participar de uma reunião preparatória da Cúpula Mundial pelo Haiti, uma iniciativa da comunidade internacional para tratar da reconstrução do país.

A União Europeia, em reunião ministerial extraordinária que acontecerá em Bruxelas, também vai propor nesta segunda-feira a realização de uma conferência internacional para dar resposta coordenada à catástrofe, explicou hoje à Efe a porta-voz da Presidência espanhola da UE, Cristina Gallach.

A Itália se uniu a estes esforços, anunciando que cancelará a dívida de 40 milhões de euros que o Haiti tem com o país, como um "primeiro passo para o começo da reconstrução" desse país, anunciou hoje o chanceler italiano, Franco Frattini.

O terremoto de 7 graus na escala Richter aconteceu às 19h53 de Brasília da terça-feira e teve epicentro a 15 quilômetros da capital haitiana, Porto Príncipe. O Governo do país caribenho confirmou que pelo menos 70 mil corpos já foram enterrados.

Na quarta-feira, o primeiro-ministro do país, Jean Max Bellerive, já havia falado em "centenas de milhares" de mortos.

O Exército brasileiro confirmou que pelo menos 15 militares do país que participam da Minustah, a missão da ONU no Haiti, morreram em consequência do terremoto.

A médica Zilda Arns, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, ligada à Igreja Católica, e Luiz Carlos da Costa, o segundo civil mais importante na hierarquia da ONU no Haiti, também morreram no tremor.

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