Escola, trabalho, amigos, namorado... filhos!
ter, 10/11/2009 - 12:51 | Marcos Vasconcellos e Raquel Junia
O EMdiálogo conta histórias de estudantes do Ensino Médio que tiveram que assumir ainda na escola a maternidade e a paternidade. Como ficam os estudos? É possível conciliar jornadas de trabalho, cuidado com os filhos e escola? Confira a série de reportagens sobre o tema.
Em uma sala de aula do Colégio Estadual Professor Souza da Silveira, na zona norte do Rio de Janeiro, cinco estudantes do Ensino Médio noturno conversaram com o EMdiálogo sobre como é ser mãe e estudar. Todas com idade entre 16 e 24 anos.
De acordo com os dados mais recentes da pesquisa sobre Registro Civil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), relativos a 2007, em 0,8% dos nascimentos registrados no Brasil, as mães tem menos de 14 anos. As mães com idades entre 15 e 19 anos são responsáveis por 19,3% dos nascimentos registrados.
No Rio de Janeiro, estado onde as mães estudantes foram entrevistadas pelo EMdiálogo, a proporção para nascimentos de crianças cujas mães tem idade inferior a 14 anos segue os dados do país – 0,8%. No caso das crianças filhas de jovens com idade entre 15 e 19 anos, que é o caso de quatro das entrevistadas, o índice é um pouco menor do que a média nacional, 17, 6% dos nascimentos.
Os estados brasileiros onde há maior proporção de nascimentos cujas mães tinham de 15 a 19 anos em 2007, são o Maranhão e o Pará, com porcentagens em torno de 25% dos registros.
Alice, Jaqueline, Juliana, Mariana e Fernanda [nomes fictícios] têm em comum o fato de terem sido mães na adolescência e juventude, estando ainda na escola no início da gravidez e terem voltado a estudar. O jovem Fernando [nome fictício], também foi pai quando ainda estava no Ensino Médio.
O EMdiálogo ouviu as histórias destes jovens e em comum acordo com as moças e o rapaz decidiu por usar nomes fictícios para não expor desnecessariamente as pessoas envolvidas nos relatos. Agradecemos ao jovem pai e as jovens mães pela confiança.
Na série de reportagens, há também os relatos de Lohanna Vacariuc e Léia Vacariuc, respectivamente mãe e avó de Luna, que nasceu há pouco mais de dois meses. As duas falam sobre a experiência da maternidade ainda na escola.
Diário de um pai aos 15
ter, 10/11/2009 - 13:02 | Raquel Junia e Marcos Vasconcellos
Na história de Fernando Tavares [nome fictício], tem um capítulo que ele às vezes ainda tem receio de contar – com 24 anos, o jovem tem uma filha de nove.
Fernando foi pai aos 15 anos, quando estava no 1º ano do Ensino Médio em uma escola privada no município de Xerém, região metropolitana do Rio de Janeiro. Ele e a mãe da criança namoravam há cerca de seis meses quando a namorada anunciou a gravidez. Fernando tentou convencê-la a realizar um aborto e a jovem teria dito que estava providenciando a retirada do feto, mas mentia – a menina, pouco mais velha que Fernando, queria ter o filho.
“O namoro já não estava indo bem e ela começou a me chantegear dizendo que se eu terminasse com ela, ela não tiraria o bebê”, lembra.
A relação dos dois continuou até que ele descobriu que na verdade a namorada não estava tentando o aborto. O jeito foi aceitar a gravidez. Aos prantos, o menino de 15 anos contou a mãe o que estava acontecendo. A futura avó teve uma dupla reação: chorava junto com o filho de preocupação e sorria pelo fato de ser avó.
“Eu não tinha estrutura nenhuma e não era independente, então, minha mãe acompanhava tudo, foi comigo até a casa da mãe da minha filha conversar com a família dela”.
A filha de Fernando nasceu prematura, aos seis meses. Mas, nas contas do pai, a criança já completava nove meses de gestação. Foi quando ele descobriu que a namorada ainda não estava grávida quando deu a notícia para ele, mas sim, planejava a gravidez. Fernando acredita que a namorada mentiu para que a relação dos dois não terminasse e, inclusive, para que, posteriormente, ela fosse morar na casa da família dele, de situação financeira melhor que a dela.
O melhor aluno e um pai ausente
A vida do estudante secundarista mudou bastante, inclusive na escola. Ele começou a estudar como nunca havia feito antes e em pouco tempo, era o melhor aluno da turma, logo ele, que até então, tinha sido um estudante mediano.
“Eu estudava o dia inteiro. No segundo ano já estava estudando para o vestibular e vendo matérias do 3° ano. Não sei se joguei a expectativa de amadurecer para os estudos. Eu pensava que eu tinha que passar para uma universidade publica. Ao contrário de outras famílias, minha mãe não me deixaria parar de estudar para trabalhar e sustentar a minha filha, então eu estudava freneticamente”.
O sustento da criança era em parte bancado pela avó paterna. Mas Fernando recebia uma pensão do pai e fazia questão de dar metade desse dinheiro para a filha. “Por questão de orgulho um pouco”, diz.
Apesar da ajuda financeira, o jovem conta que quando a filha nasceu não conseguia aceitar a situação e chegou a passar mais de um mês sem visitá-la. A avó paterna ia visitar a criança, chamava o filho, e ele não a acompanhava. Hoje, Fernando atribui essa reação em parte à relação conturbada que mantinha com mãe da criança. Como para visitar a filha, ele precisava encontrar com a mãe da menina, ele evitava a situação. Por outro lado, Fernando reflete que pode ter havido também receio em assumir a responsabilidade como pai.
A essa altura, o estudante já estava participando de sessões de terapia incentivado pela mãe, que dizia que o filho estava ficando agressivo. Em uma das últimas sessões que participou a psicóloga disse que ele não precisava ter medo da filha não gostar dele.
“Isso ficou bem claro para mim, meu maior medo era a minha filha não me amar tanto, assim como eu não amava tanto o meu pai também. Eu falava com a minha mãe que não queria ser o pai que o meu pai foi para mim”, acentua.
Fernando vai presentear a filha com uma bicicleta
Quando a filha já tinha seis meses, a ex-namorada telefona para Fernando: “Olha só, você não vai procurar a sua filha não? Então, vou ensiná-la a chamar outra pessoa de pai”.
O jovem pai considera que nesse momento ele despertou para a necessidade de estar mais presente na vida da filha. “Eu desliguei o telefonei e chorei muito. Eu estou fazendo por onde ela não gostar de mim, pensei. Logo eu que tinha tanto medo disso”.
Desde então, quinzenalmente, aos finais de semana, o pai busca a filha para a sua casa, que também é a casa da avó paterna. Isso quando a garotinha, com nove anos, não liga para o pai antecipadamente pedindo para ir para lá. Certa vez, Fernando não pôde contar com a ajuda da mãe e da irmã, que geralmente iam com ele buscar a filha de carro, e se aventurou a buscá-lá sozinho de ônibus. O resultado foi que a criança vomitou no caminho e o pai ficou todo atrapalhado.
Hoje, Fernando, já está perto de concluir o curso de direito em uma universidade pública e passou recentemente em um concurso público. A situação financeira melhorou e ele agora não depende mais da mãe para sustentar a filha.
“O aniversário da minha filha está próximo e agora poderei comprar uma bicicleta para ela”, alegra-se.
Na faculdade, poucos amigos sabem que Fernando é pai. Onde morava antes, em Xerém, ele conta que a realidade era diferente porque era muito comum os adolescentes serem pais. “Quase todos os meus amigos de lá já são pais. Na universidade, tem uma elitizinha que julga muito, então eu não contava que eu tinha uma filha. Na minha turma, pouca gente sabe”.
Nove anos depois de a filha nascer, o jovem insiste em ser um pai dedicado, mesmo morando distante. “Ligo para ela quase todos os dias para perguntar se ela escovou os dentes, se almoçou, se fez o dever de casa”.
A história de Fernando é verdadeira, o EMdiálogo decidiu de comum acordo com a fonte, trocar o nome do personagem para não expor desnecessariamente todas as pessoas envolvidas na história. Agradecemos a confiança deste jovem pai.
As dificuldades em conviver com a família
ter, 10/11/2009 - 12:55 | Marcos Vasconcellos e Raquel Junia
Na roda de conversa, os olhos lacrimejam a todo instante, algumas vezes por tristeza, outras vezes por alegria de ter superado as dificuldades que cada uma passou para poder, hoje, criar seus filhos.
O lápis preto no olho de Alice borra quando ela relata as dificuldades sofridas atualmente para se dedicar aos filhos. Durante a semana, as crianças ficam com a avó e ela só os vê nos finais de semana. A jovem se divide entre o trabalho e a escola de segunda a sábado.
Alice, hoje com 23 anos, descobriu que estava grávida aos 15. O namorado tinha 16. Como era muito magra, a barriga não ficou muito visível, mas uma prima desconfiou da gravidez porque o corpo da menina estava ficando diferente e resolveu levá-la ao ginecologista. A prima se encarregou de contar para a mãe de Alice sobre o futuro neto. Assim que a menina chegou em casa, a família já estava reunida e com uma decisão: ela iria “tirar” a criança.
“Fiquei com muito medo e minha mãe ficou dividida. Um dia ela me perguntou o que eu achava daquilo tudo e eu disse que queria ter aquela criança”, conta. O convívio com a família, que mora toda na mesma vila residencial, ficou muito difícil. Alice lembra magoada que muitos parentes deixaram de falar com ela.
Já no final da gravidez, a menina foi morar com a sogra, porém, o convívio lá também não foi fácil. "Às vezes eu tinha que passar o dia na casa de outros vizinhos, mas sempre ligava para a minha mãe e dizia que estava tudo bem para ela não ficar preocupada", desabafa a estudante.
Assim como Alice, a colega de sala e amiga Jaqueline, de 16 anos, também engravidou aos 15. Ela morava com a avó e a tia, mas assim que soube da gravidez, que já estava no quinto mês, a estudante se mudou para a casa da mãe.
As dificuldades com a família após a descoberta da gravidez se repetem na fala das meninas. Juliana, de 24 anos, que também foi mãe aos 15 anos, narra como foi triste encarar, sobretudo, o tio, que a tinha como filha e sempre falava que não queria vê-la grávida na adolescência. A mãe de Juliana, como primeiro impulso, mandou que ela forçasse um aborto e o restante da família passou a ignorá-la.
O então namorado de Juliana, pai do seu filho, tinha apenas 13 anos. Quando a menina contou sobre gravidez, recebeu uma resposta que a marcou muito: “É melhor tirar mesmo”, disse o namorado, “pois eu só tenho 13 anos e não trabalho. Quando eu tiver 18 eu não estarei mais com você”. Até mesmo os pais do menino (avós da criança) não deram qualquer apoio. “Eles disseram não acreditar que um menino aos 13 anos ‘já poderia fazer filho’", conta.
Foi uma amiga da família que interveio a favor da continuidade da gestação e, por causa dessa amiga, a mãe de Juliana passou a pensar com mais carinho no assunto.
Após o nascimento das crianças, todas as meninas contam que há uma aceitação maior por parte de parentes, que passam a enxergar um novo membro da família, ao invés de uma "gravidez indesejada" ou um "descuido".
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