Era quase nove horas da manhã do dia 8 de maio, quando Alexandra esperava, sem muita ansiedade, o que ocorreria em seu colégio, o Ciep Waldemar Zarro, em São Gonçalo, ao lado da avó Doroteia Maria da Fonseca e de amigas da turma. Não haveria aulas no dia, e nenhuma delas fazia muita ideia do que estava por vir. Sem conter a curiosidade, a neta era chamada pelas amigas a circular pelo pátio, que recebia equipamentos de som e um pula-pula. Eram professores, monitores e voluntários e toda a equipe do Cinema Nosso, que preparavam o colégio para o Dia de Recreação Audiovisual: uma manhã e uma tarde repletas de oficinas e atividades lúdicas, que contaram com a presença de cerca de 300 pessoas, entre alunos, professores e familiares.
A relação de parceria entre o Cinema Nosso e o Ciep Waldemar Zarro começou em 2006 e está cada vez mais solidificada. Uma vez por mês, a equipe da Escola Audiovisual oferece oficinas e exibe filmes para alunos e professores do colégio de São Gonçalo. “Levar a discussão e a prática do audiovisual para o Ciep é muito rico para nós. É uma forma de usar a prática audiovisual não apenas como uma ferramenta pedagógica, mas também como um processo de produção para os alunos do Ciep”, explica a coordenadora sociopedagógica do Cinema Nosso, Mirian Machado. Tamanho é o êxito da parceria que as oficinas do Cinema Nosso foram incluídas no currículo escolar do Ciep como atividades extraclasse. “Desde a nossa inserção no Ciep, buscávamos uma melhor forma de interação. Para isso acontecer, foi preciso um período para nos conhecermos, estabelecermos confiança, experimentarmos. Mas hoje estamos muito próximos de uma ação ideal”, afirma Mirian.
Foi para comemorar essa relação e abrir o ciclo de atividades conjuntas neste ano que foi realizado o Dia de Recreação Audiovisual. Os participantes puderam fazer, ao longo do dia, oficinas de: filmes em celular, cinema de animação com Lego, cinema de animação com pixelation, artes plásticas, culinária e instrumentos musicais, além de brincadeiras recreativas com pula-pula, pintura corporal, malabarismo, acrobacia e street dance.
Tudo começou com uma grande roda, em que todos os presentes deram-se as mãos, num ritual que abria oficialmente o Dia de Recreação Audiovisual. Lideradas por Ana Cristina Cunha, educadora e uma das fundadoras do Cinema Nosso, as crianças se desinibiram em brincadeiras que incentivavam a interação entre elas.
Depois, as oficinas de produção audiovisual, que duraram toda a manhã, atraíram cerca de 120 alunos. Antes de cada uma delas, filmes feitos pelos próprios alunos do Ciep em 2008 foram apresentados para os participantes. Já na biblioteca, curtas realizados pelo Cinema Nosso em diferentes momentos foram exibidos sem parar, ao longo de todo o dia.
Na oficina de filmes em celular, um desafio para os monitores foi administrar o curto tempo disponível para a realização da atividade. “As crianças queriam fazer histórias longas. Meu papel foi conseguir passar aos monitores o foco para realizar estas histórias”, explica Victor Van Ralse, educador de cinema do Cinema Nosso. Desta forma, aprenderam as crianças e também os monitores: “É bom para eles [monitores] porque conseguem ensinar o caminho que eles mesmos aprenderam, mas lidando com histórias inovadoras. Esta é a vantagem de ganhar experiência em ensinar”. Que o diga a monitora Silvia Andréia Araújo, aluna do curso de cinema avançado do Cinema Nosso: “[A oficina] dá oportunidade para colocar em prática ideias de enquadramento e posição de câmera. Ajuda a gente a ter certeza daquilo que sabemos, ou seja, reforça o nosso conhecimento”.
Na oficina de interpretação, a educadora Ana Cristina também elogiou o trabalho dos monitores: “Vinicius, Cardozo Rafael Silva e Fernanda de Souza foram ótimos, trabalharam com responsabilidade, alegria e empolgação, ajudando a incentivar os alunos, que no final eram só sorrisos”. A aluna Ana Danielle, de 14 anos, confirma: “No início, fiquei tímida, mas depois consegui me soltar. As pessoas foram muito simpáticas”.
O monitor André Tavares trabalhou com os alunos na oficina de pixelation, forma de animação que utiliza quadros digitais parados, que, ao serem editados, dão a ideia de movimento. “Pedimos para que eles [os alunos] desenvolvessem algo em cima das fantasias, e eles pensaram rapidinho na história”, conta. Vestindo fantasias de reis, bruxas e fadas, as crianças, entre 6 e 9 anos, criaram uma história sobre a festa de um rei e seus convidados ilustres. No pequeno enredo, a bruxa não foi convidada para a festa, entrou de penetra e fez todos os convidados desaparecerem. Segundo André, a técnica do pixelation é uma novidade para as crianças, que não percebem inicialmente que cada encenação irá compor um filme: “Os alunos entendem quando veem tudo pronto. Tanto que aqueles que assistiram ao filme que fizeram na recreação do ano passado foram os que mais estimularam os outros”.
Também foi realizada uma oficina de animação com brinquedos Lego. Segundo o monitor Guilherme Paschoal, atrair o interesse dos alunos não foi tarefa complicada. Aluno do ciclo básico de animação do Cinema Nosso, ele mostrou-se surpreso com a criatividade das crianças: “Acredito que os alunos ficaram mais à vontade pelo fato de que os deixamos bastante livres, sem apontar o que deveria ser feito, mas apenas apresentando as técnicas. Criança tem uma imaginação muito fértil”.
Durante a tarde, as oficinas de produção audiovisual já haviam terminado, mas a de artes plásticas seguia a todo vapor, com atividades de desenho livre, decorativo e sobre bandejas de isopor. Ministrada pela educadora Anny Lewis, a oficina só terminou no fim do Dia de Recreação Audiovisual e reuniu cerca de 70 pessoas, entre mães e alunos. A aluna Alexandra, que começou o dia sem saber o que esperar, acabou participando da oficina e, nem bem terminou seus desenhos, foi ao encontro da avó Doroteia, que, no refeitório do colégio, assistia atenta a uma oficina de culinária.
Nessa atividade, Fábio de Seixas Guimarães ensinava aos participantes formas de aproveitamento total dos alimentos, tal como bolo feito na hora com casca de banana, oferecido para degustação. A parte final da oficina era a exibição, na biblioteca, do “Comendo de um... tudo”, dirigido pelo próprio Fábio, a respeito do mesmo tema: o reaproveitamento dos alimentos. “Meu objetivo com o filme é conscientizar as pessoas de que há solução para o fim da fome no mundo”, disse o jornalista e diretor de TV.
Para fechar o ciclo de atividades, o grupo Sonorizar realizou no pátio uma oficina de instrumentos musicais com garrafas pet, galões de água e artefatos de metal. As crianças batucaram e improvisaram um som, num momento de muita descontração.
Para a coordenadora pedagógica do Ciep Waldemar Zarro, Rosane Júlio de Almeida, o Dia de Recreação Audiovisual foi um estímulo para unir mães e alunos, lembrando que aquela sexta-feira era antevéspera do Dia das Mães. “A importância desse dia é fazer do Ciep Waldemar Zarro um espaço que traga mães e filhos juntos, com atividades que elevem a auto-estima deles. Nós trabalhamos com crianças que não têm acesso à cultura. O Estado dá algumas oportunidades esporadicamente, quando elas precisam disso diariamente”, desabafa. O colégio localiza-se no bairro da Brasilândia, uma das regiões mais carentes do município de São Gonçalo. “Trabalhamos com crianças de baixíssima renda. Tudo que se apresenta como atividade extraclasse os deixa encantados”, diz Jacqueline Belizário, animadora cultural do Ciep. Já a professora Cíntia Deolinda Alves, do ensino fundamental, afirma que o anúncio da atividade gerou uma imensa expectativa por parte de seus alunos. “Eles queriam que chegasse logo o dia”. A professora apontou que as crianças não esperavam tantas atividades e que queriam participar de tudo. Além disso, acredita que o Dia de Recreação Audiovisual faça o rendimento dos alunos crescer nas próximas aulas. “Acho que vai ficar mais fácil trabalhar na montagem de histórias, eles vão se interessar mais por leituras. Tudo o que é feito fora da sala de aula estimula o interesse deles”.
Para a coordenadora sociopedagógica do Cinema Nosso, o Dia de Recreação Audiovisual atendeu às expectativas do Cinema Nosso: “Tivemos várias oficinas audiovisuais, cineclube e outras atividade que tiveram a adesão total dos participantes”, afirmou Mirian. “Acredito que começamos um período de trabalho com o pé direito. Queríamos um grande dia de festa, entre o corpo escolar, familiares dos alunos e Cinema Nosso. E conseguimos.”
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