terça-feira, 1 de junho de 2010

preconceito existe na própria favela

05 de dezembro, 2002 - Publicado às 18h44 GMT
Preconceito dificulta mudanças nas comunidades
Para Valdeci (esq.), preconceito existe na própria favela


Rafael Gomez

Uma boa forma de medir o preconceito que existe contra favelados no Rio ou em Salvador é falar com taxistas, perguntando a eles o que fariam se alguém lhes pedisse para que fosse a uma favela.

"Eu até levo você, dependendo do lugar aonde você quer ir e da hora. Tive uma cliente que queria que eu a levasse de madrugada no alto do morro do Vidigal, e eu me recusei. Dificilmente uma pessoa vai de noite a uma favela para fazer outra coisa a não ser comprar drogas", disse um motorista de táxi no Rio, que pediu para não ser identificado.

Em Salvador, José Rail, taxista há quatro anos, disse que não pega clientes à noite na área de Alagados por medo, já que já foi assaltado quatro vezes.

"Tem muita gente suspeita em Alagados... Esses jovens de 19, 20 anos, 50% deles são suspeitos, né?", disse. "Dá para diferenciar quem é de bem. Pessoas com mais idade, por exemplo."

Emprego

Tanto Rail como o taxista do Rio dão a impressão de que consideram as favelas locais onde a maioria esmagadora dos moradores é de consumidores de drogas, traficantes ou criminosos em geral.

Mas visitando favelas e conversando com seus moradores é fácil perceber que isso não é verdade.

Há violência e traficantes, mas grande parte dos que lá residem é de trabalhadores assalariados que, se pudessem, viveriam em casas melhores, em outros locais.

O preconceito, porém, existe e é uma barreira que dificulta ainda mais o respeito dos direitos humanos nessas comunidades.

Por causa do preconceito, por exemplo, as pessoas que vivem em favelas acabam sem as mesmas oportunidades de conseguir empregos que os que moram fora das favelas - o que é uma violação do artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

"Se você procurar um trabalho e colocar na ficha (para se candidatar a vaga) que mora na favela, não consegue o emprego", disse Miriam Imperiano, que trabalha em uma creche na Rocinha.

Antônio Carlos Xavier Alves, presidente de uma associações de moradores em Alagados, falou a mesma coisa. "Esse é o pior tipo de violência", afirmou.

Uma balconista da Rocinha, que não quis revelar o nome, disse que quando foi tentar o emprego, em um shopping, teve que omitir o fato de que vivia na Rocinha.

"Depois minha chefe acabou descobrindo, mas aceita bem. Num outro dia, por exemplo, os traficantes pediram que todo o comércio fechasse na favela, e ela me disse por telefone que sabia que era perigoso e que eu não precisava ir trabalhar."

Auto-estima

O preconceito contra o favelado também se mistura com o preconceito racial. A Bahia é o Estado brasileiro com a maior porcentagem de negros e mulatos no Brasil, e muitos deles vivem justamente nas comunidades carentes, como a de Alagados.

"Eu sou um cidadão negro, pobre, de periferia. Então eles já separam. Não tenho os mesmos direitos", disse Ivanil dos Santos, um servente que mora nas palafitas.

Como resultado da carga de preconceito a que são sujeitos, moradores de comunidades carentes acabam se tornando pessoas com baixa auto-estima e auto-confiança, o que torna mais difícil que possam buscar mudanças.

Joselito Crispim dos Santos de Assis foi o fundador do Grupo Cultural Bagunçaço, que luta para dar educação a jovens da comunidade de Alagados. (clique aqui para ler um perfil de Joselito) Ele disse que, no início, os moradores não acreditavam que uma pessoa negra, da própria comunidade, pudesse criar um projeto social bem-sucedido.

"Geralmente são pessoas do estrangeiro que chegam com a semente da mudança. As pessoas não acreditavam que um 'igual' pudesse trazer a solidariedade e a semente da mudança", disse.

O preconceito, muitas vezes, também é reforçado pela mídia. William de Oliveira, um produtor de eventos da Rocinha, disse que os veículos de comunicação só mostram a favela quando "um tiro sai pela culatra".

"Se acontece alguma coisa, eles (os meios de comunicação) vêm para cá. E a Rocinha, que era aquele centro de grandes projetos, passa a ser um local cheio de problemas."

Eduardo Casaes trabalha num jornal da Rocinha também acha que a visão das favelas mostrada pela mídia, especialmente pelas TV, não corresponde à realidade. "A grande mídia não entra na favela por medo, mas isso está mudando."

Vizinhos "diferentes"

Quanto maior e mais antiga é a favela, mais se faz presente um outro tipo de preconceito que muitos moradores se recusam a admitir: o preconceito de alguns moradores em relação a alguns de seus vizinhos.

As favelas da Rocinha e de Alagados espelham a estrutura social das cidades: há áreas mais pobres e menos pobres, áreas consideradas "nobres" e áreas com menos prestígio.

Na Rocinha, por exemplo, quando mais perto de ruas asfaltadas e mais na parte baixa do morro, melhor. As pessoas mais pobres estão geralmente em áreas da parte alta, onde é mais difícil chegar. Em Alagados, os moradores nas palafitas são os que sofrem mais preconceito.

"Tem preconceito sim... Quem está em terra firme não quer que coloquem entulho aqui, para que a gente também possa viver fora da maré, eles estão reclamando", disse Valdeci da Silva Borges, moradora das palafitas. "Quando eu falo que vivo aqui, eles dizem: 'Nossa, como você pode viver lá?'"

Foi difícil encontrar alguém disposto a falar sobre a "divisão social" na Rocinha. Mas as amigas Vanessa e Raquel, de 15 e 14 anos, dizem que "não vão lá em cima".

"É perigoso. Aqui em baixo a gente está mais segura, porque é só correr pra casa, que é mais perto. Agora, lá em cima, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", disse Vanessa.

Saída

Mas como seria possível vencer o preconceito? Segundo pessoas ouvidas pela BBC Brasil nas duas cidades, a chave é que as pessoas que moram fora das favelas conheçam mais a verdade sobre o que se passa lá dentro.

"O desconhecimento é a raiz desse verdadeiro apartheid social", disse a promotora Márcia Regina Teixeira, que trabalha com comunidades carentes em Salvador.

"Os moradores das favelas precisam se mobilizar para mudar isso. Se eles mostrarem o que são, o que querem... (a situação vai mudar)", disse.

Onde buscar auxílio

Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento - AGENDE

Movimento de Organização Comunitária - MOC

Centro de Articulação de Populações Marginalizadas - CEAP

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