quarta-feira, 14 de outubro de 2009

“Um só mundo, um só sonho”,

Olimpíadas de Pequim (agosto de 2008), cujo tema é “Um só mundo, um só sonho”, o governo chinês vem divulgando uma “imagem de eficiência e de homens livres e entusiasmados”. Mas, nos porões do grandioso espetáculo esconde-se uma realidade de abusos, opressão e pobreza, desapropriações forçadas e escolas fechadas.

Para levantar as estruturas esportivas e refazer distritos inteiros nas cidades-sede, mais de um milhão de pessoas foram desapropriadas. Milhares de imigrantes trabalham dia e noite nas novas obras, sem nenhum respeito a seus direitos. Minorias étnicas são reprimidas.

Ameaças, cadeia e prisões domiciliares aumentaram nos últimos meses para quem defende os direitos humanos ou critica o governo. Há maior controle sobre liberdade religiosa. A profissão de uma fé religiosa é admitida só no “interior das organizações religiosas oficiais, controladas pelo Estado”. A censura à imprensa aumenta: o governo tem prevenido os jornalistas chineses para não informar notícias “falsas” (contra) e tem lacrado locais da web e os blog mais críticos.

Em agosto 2007, as 37 melhores “cabeças” do ativismo democrático na China enviaram uma carta aberta às principais autoridades políticas e esportivas do país, aos líderes dos países democráticos e às ONGs internacionais que defendem os direitos humanos. Eles reivindicam “um só mundo, um só sonho”, mas com “direitos humanos universais”.

Conheça trechos da carta:

Honoráveis líderes e homens livres do mundo:

Nós, homens livres da República Popular Chinesa, publicamos as nossas preocupações e propomos mudanças no modo pelo qual nosso governo age na preparação dos Jogos Olímpicos. Como homens livres, deveríamos estar orgulhosos pela escolha de nossa nação ao hospedar os Jogos, cujos ideais são símbolos de amizade e de justiça na comunidade mundial.

Deveríamos nos sentir orgulhosos pelo tema escolhido no Comitê Olímpico de Pequim:

“Um só mundo, um só sonho”.

E, ao invés, sentimo-nos contrariados e cheios de dúvidas ao sermos testemunhas da contínua e sistemática violação dos direitos humanos contra nossos concidadãos enquanto - e mesmo por causa disto - os jogos se aproximam.

Ouvimos: “Um só mundo” e nos perguntamos:

- Que tipo do mundo será? “Um só sonho”? Qual sonho está virando realidade?

Enquanto o mundo se “globaliza” e os sonhos se cruzam, o “sonho mundial” de uma pessoa se transforma em miséria e pesadelo para outras. “Um só mundo” onde pessoas sofrem discriminação, perseguição política e religiosa, falta de liberdade, pobreza, genocídio e guerra. Se “um único sonho” deve, de fato, pertencer a todas as culturas e comunidades, isto deve incluir o amparo aos direitos fundamentais e à liberdade de todos. Mesmo o poderoso, o rico, o privilegiado, deverão ser punidos amanhã se, em modo injusto, não são assegurados os direitos fundamentais hoje.

Para evitar ambigüidades e tranqüilizar a comunidade internacional em caso de conduta anti-olímpica, que mancharia o real espírito dos Jogos, nós aceitamos o tema olímpico do governo com o seguinte adendo vital:

- “Um só mundo, um só sonho, e direitos humanos universais”.

Sem o amparo dos direitos humanos de todos os cidadãos chineses, isto é, sem abolição do sistema de controle sobre residência na cidade e interior; sem discriminações:

- feminina, sexual, étnica, religiosa e sem o fim da supressão dos direitos políticos, não tem sentido falar de “um único sonho” para toda a China.

O governo chinês prometeu ao Comitê Olímpico Internacional “promover e elevar o nível dos direitos humanos”. Alguns passos foram, realmente, dados. Em 2003, por exemplo, foi abolido o sistema de detenção arbitrária; em 2004, a Constituição recebeu o adendo de “amparo aos direitos humanos”. Mas o governo deveria fazer muito mais.

Na prática, o Estado fez muito pouco. Experimentamos e assistimos a múltiplas violações dos direitos humanos - censura da imprensa e controle da internet; perseguição aos defensores dos direitos e aos que denunciam desastres ambientais ou danos à saúde pública; abusos de grupos sociais desfavorecidos e de operários comprometidos com as construções dos locais olímpicos e de embelezamento da cidade em preparação às Olimpíadas.

Todas essas ações violam, não só os padrões internacionais, mas até mesmo a Constituição chinesa. Os grandiosos estádios modernos, o embelezamento temporário de Pequim ou a perspectiva de medalhas que os atletas chineses irão receber, não servem de consolo se tais glórias são construídas sobre as ruínas existenciais de gente humilde, o trabalho forçado de imigrantes urbanos, o sofrimento dos desapropriados, as evacuações forçadas, o abuso dos trabalhadores e as detenções arbitrárias.

- A China tem a oportunidade de usar os Jogos para construir uma verdadeira concordância, baseada no respeito aos direitos humanos e à liberdade, e se tornar um membro respeitável da Comunidade das nações civis - não com a retórica ou a força bruta, mas atuando para promover os direitos humanos no país e no mundo todo.

Para o êxito das Olimpíadas, a partir do ponto de vista dos direitos humanos, propomos as seguintes medidas:

- Anistiar todos os prisioneiros de consciência, a fim de que possam desfrutar os Jogos Olímpicos em liberdade;

- Abrir as fronteiras da China, principalmente aos cidadãos chineses que foram forçados ao exílio por causa de suas opiniões, expressões, ou fé, para que possam celebrar as Olimpíadas com seus familiares;

- Permitir que os jornalistas estrangeiros façam entrevistas e reportagens sem a prévia autorização ou controle, garantindo-se os mesmos direitos e independência aos jornalistas chineses;

- Pagar uma justa compensação às vítimas de desapropriação e de transferências forçadas;

- Proteger os direitos dos operários em todos os canteiros olímpicos, estendendo-lhes o direito de organizar sindicatos independentes; eliminar a discriminação contra os operários imigrantes do interior e dar-lhes um salário justo;

- Bloquear as operações policiais para interceptar ou prender os manifestantes que procuram chegar a Pequim para lamentar a má conduta dos representantes dos governos locais; abolir as estruturas ilegais usadas para encarcerar e aterrorizar os manifestantes;

- Acabar com as operações de “limpeza étnica” contra imigrantes que tiveram suas residências e a escola de seus filhos arrasadas, para dar lugar aos monumentos esportivos;

- Ter transparência nas contas públicas ligadas às Olimpíadas e processar, por meios legais, os funcionários do governo que superfaturarem os fundos públicos;

- Formar um comitê de observadores independentes para examinar projetos e publicar livremente seus resultados. Sem esse comitê, as Olimpíadas de Pequim não passarão para a história como um evento glorioso. Não queremos “politizar” o movimento olímpico. Apenas não queremos ver os Jogos Olímpicos violando os direitos humanos e ferindo pessoas forçadas ao silêncio, em nome de um “sonho” que pertence só a “alguns” e não ao mundo inteiro.

Atenciosamente,
(seguem 37 assinaturas de intelectuais chineses)

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