sexta-feira, 5 de março de 2010

Devolve que a casa é minha

O GLOBO, 28/2/2010,

Suplemento Morar Bem



Onda de retomada de imóveis toma conta do mercado de aluguel

Flávia Monteiro

Um mês após as novas regras da Lei do Inquilinato entrarem em vigor, as relações entre donos de imóveis e inquilinos andam estremecidas.

Segundo especialistas, as mudanças na lei tiveram um efeito psicológico, principalmente, nos proprietários.

Em tese, as mudanças afetam apenas o mau pagador que, agora, pode ser despejado mais rapidamente. Mas, na prática, muitos locadores estão evocando a lei, equivocadamente, para encerrar contratos antigos. Nesse caso, a motivação principal é a defasagem no valor do aluguel que, de acordo com o gerente de estratégia da Apsa, Rogério Quintanilha, pode chegar a mais de 50%, nos bairros da Zona Sul, Tijuca e Méier. Há ainda um movimento de retomada para a venda dos imóveis, que tiveram uma supervalorização no último ano.

Segundo o diretor de locações da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Carlos Samuel de Oliveira Freitas, boa parte desse movimento foi motivado pelas mudanças recentes na legislação.

— Houve um emaranhado de informações mal prestadas, que confundiram mais do que esclareceram as dúvidas. Por conta disso, há muita gente tentando se inteirar das mudanças, principalmente proprietários que já têm uma relação desgastada com seus inquilinos. Mas, em alguns casos, o desconhecimento é tanto, que sobrou até para os bons pagadores.

Ainda de acordo com Freitas, muitos donos de imóveis, ainda mal informados sobre a nova lei, acreditam que, com o término do contrato, o fiador estará automaticamente exonerado.

— Houve uma espécie de alerta geral em relação a essa questão, motivando muitos proprietários a pedirem seus imóveis, cujos contratos já passaram dos 30 meses.

Eles alegam, erroneamente, que querem se precaver para não ficar sem garantias. Com a nova lei, caso o fiador queira se exonerar, ele terá que fazer um pedido e ainda permanecerá responsável pela fiança por 120 dias após a comunicação de desligamento.

No início do mês, a agente de atendimento, engenheira Roberta Caetano foi surpreendida pelo proprietário, que pediu o imóvel onde ela mora há cinco anos:

— Ele diz que se baseou na Lei do Inquilinato, o que é estranho, porque o prazo (de 30 dias) que tenho para deixar o apartamento continua o mesmo de antes. Estranhei o fato de não ter sido chamada para uma possível negociação, visto que sempre paguei o aluguel em dia.

Maré hoje está a favor do dono, mas pode mudarHoje, diz Quintanilha, o mercado está favorável ao locador. Na administradora, uma das maiores do Rio, a procura por locação aumentou 183% em 2009. A oferta, por sua vez, caiu 60%:

— No caso dos contratos antigos, se o proprietário dispõe de um apartamento alugado por R$ 800, por exemplo, consegue alugálo facilmente por R$ 1.400.

A médio prazo, no entanto, Quintanilha acredita que a maré estará a favor do inquilino:

— Parece estranho mas, de certa forma, a nova Lei do Inquilinato é favorável ao locatário, pois incentiva a sociedade a investir em locação.

Agora, o dono do imóvel não terá medo da inadimplência porque poderá fazer o despejo mais cedo. Já percebemos um aumento no número de pessoas que querem comprar para alugar.

Para o vice-presidente de Locações do Secovi Rio, Antonio Paulo Monnerat, há um movimento natural de retomada de imóveis, cujos contratos já terminaram.

— Como há pouca oferta e os aluguéis ficaram defasados, há proprietários pedindo o imóvel para atualizar preço. O IGP-M, afinal, teve deflações consecutivas desde agosto de 2009, enquanto o mercado registrava altas significativas, que chegaram, a 129,74% no caso do aluguel de um quatro quartos em Botafogo.

Gerente de locações da Rones Assessoria Imobiliária, Cristina Martins recomenda, sempre, a negociação entre locador e locatário: — É mais vantajoso para o dono manter o inquilino que é bom pagador. E, para este, melhor permanecer no imóvel, já que a oferta é pequena e há muitos apartamentos em péssimo estado, principalmente na Zona Sul.

Oferta de imóveis não acompanha crescimento da população no estado

Sem opção, inquilinos acatam os aumentos propostos

Locatária de um imóvel em Copacabana desde janeiro de 2002, a engenheira Paula Albuquerque pagava R$ 800 por um apartamento de um quarto. Mês passado, foi surpreendida pelo proprietário. — Ele ligou avisando que pretende aumentar o aluguel para R$ 1.200 por julgar que o valor atual está abaixo do mercado.

Aleguei que o valor proposto é muito alto para mim, pois o condomínio do prédio é caro. Mas não tive saída porque, na administradora, já havia até gente interessada no imóvel — diz a engenheira.

A administradora Marina Montenegro passou por uma situação semelhante: — O proprietário do apartamento que alugo avisou no início de janeiro que o contrato acaba dia 5 de março e que ele não pretende renovar comigo. Alega que o valor está bastante defasado e que caso eu tenha interesse em continuar no apartamento devo preencher uma nova ficha e entregar ao zelador. Atualmente, pago R$ 1.400, e ele quer pedir agora R$ 1.800.

O aposentado Roberto Borges, por sua vez, vive o outro lado da situação. Dono de um apartamento de um quarto na Tijuca, ele conta qual foi o motivo que o levou a pedir o imóvel, que já estava alugado há mais de cinco anos: — O apartamento teve valorização muito alta no ano passado. Por conta disso, resolvi pedir o imóvel para comprar outro maior e, provavelmente, alugá-lo também.

E os números endossam a atitude do aposentado. Segundo o Secovi Rio, os imóveis de um quarto ofertados para venda na Tijuca tiveram aumento de 28,94% de janeiro de 2009 a janeiro desse ano. Os de dois subiram 81,95%; os de três, 66,91%; e os de quatro, 16,03%.

‘Aluguel é termômetro que está registrando febre alta’
Para Paulo Fabbriani, conselheiro da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), o aluguel é um termômetro que está registrando febre alta.

— No Rio, os preços dos aluguéis dispararam, principalmente na Zona Sul. É o preço da oportunidade. Se eu quero morar em frente ao mar, por exemplo, tenho que tirar alguém que mora lá, pois não há oferta. A região está consolidada, não tem mais para onde crescer — diz Fabbriani.

Ainda segundo o conselheiro da Ademi, os preços dos aluguéis tendem a se manter nas alturas, visto que a oferta de imóveis não acompanha o crescimento da população: — Por ano, são cerca de 200 mil novos habitantes no estado e não há como atender a essa demanda. A solução está em apostar em áreas periféricas da cidade, que amargaram anos a fio sem investimentos, como é o caso da região portuária e da Zona Norte.

Nova lei visa a estimular contratos sem fiador

Mas há quem acredite que as mudanças na Lei do Inquilinato aumentem a oferta de imóveis para locação. Pelas novas regras, em caso de contratos que dispensem fiador/ seguro-fiança, o locatário pode ser sumariamente despejado se ficar inadimplente.

Por outro lado, o inquilino agora tem mais facilidade para devolver o imóvel antes do fim do contrato, pois não está mais obrigado a pagar a multa integral.

A indenização será proporcional ao tempo que ainda resta de contrato.

.
SINDUSCON-RIO - Rua do Senado 213 - Centro - Rio de Janeiro - (21) 2221-5225

Nenhum comentário: