1 hora, 50 minutos atrás
Christina Julme rabiscava anotações no fundo de uma sala de aula de linguística, na Universidade Estadual do Haiti quando, de repente, tudo ficou escuro.
"Você está na aula, o professor está falando, você faz anotações e, de repente, você é enterrada viva", disse Julme, 23 anos, relembrando como seu semestre letivo foi interrompido na tarde do dia 12 de janeiro, quando o terremoto deixou o prédio da universidade, de sete andares, em ruínas - e ela sob os escombros.
Julme, doente, ora consciente, ora inconsciente, foi resgatada de sua sala desmoronada dois dias depois - a perna do seu professor morto encostada nela, o rosto machucado de um amigo a alguns centímetros do seu próprio rosto, e muitos corpos de seus colegas de turma apodrecendo.
As melhores universidades do Haiti estão destruídas, os campi agora são uma confusão de concreto em colapso, cadeiras e mesas deformadas, e trabalhos enterrados.
Centenas de professores e alunos foram sepultados, embora seja complicado precisar o número de mortos, pois atas de aulas e registros armazenados no computador também foram varridos do mapa pelo terremoto.
Na Escola Técnica St.
Gerald, trabalhadores que exploram os destroços com maquinário pesado encontraram uma sala de aula na qual os alunos mortos ainda estavam em suas cadeiras.
Na Universidade de Quisqueya, grande parte da reforma, orçada em alguns milhões de dólares, tinha acabado de ser concluída e acabou em ruínas.
Joseph Chrislyn Bastien, 25 anos, estudante de engenharia, espiava por uma fenda de 30 centímetros no concreto: era possível ver sapatos, livros e móveis completamente achatados.
"Aqui era uma sala de aula", disse ele.
Acredita-se que a aniquilação da educação superior tenha efeitos duradouros neste país arrasado, onde mesmo nas melhores épocas uma porcentagem mínima dos jovens frequentava a universidade.
"O que o terremoto fez conosco, além de destruir prédios e matar grande parte da população, foi eliminar muitos daqueles que seriam os futuros líderes do país", afirmou Louis Herns Marcelin, sociólogo da Universidade de Miami que gerencia um instituto de pesquisa aqui.
"O impacto foi enorme, mas ainda não sabemos exatamente sua magnitude".
A principal escola de enfermagem do país não existe mais, nem a faculdade estadual de medicina.
O prédio de ciências da universidade estadual foi estraçalhado, e o prédio de pedagogia vacila a seu lado.
Na Escola de Pós-Graduação em Tecnologia, Jean Foubert Dorancy, 22 anos, escalou os escombros, cheio de peças de computadores, e lamentou: "Esse era o melhor curso de computação no Haiti.
E agora?" O sistema educacional que tombou já era problemático.
Muitos dos prédios eram decadentes, resultados de décadas de negligência.
As aulas tinham alunos demais, e a maioria dos jovens tinha uma preparação acadêmica medíocre, pois os alunos das melhores escolas, filhos da elite, frequentemente vão cursar universidades no exterior e não voltam mais.
Num país tão pobre, a repentina perda da oportunidade educacional é difícil de compreender.
"A maioria dos meus amigos não estava estudando, eles só perambulavam pelas ruas", afirmou Jacques Gaspard, 38 anos, matriculado numa escola profissional que foi destruída.
"Agora, também estou na rua.
Todo mundo está na rua".
Protestos, greves e passeatas eram uma característica da vida universitária haitiana.
Na verdade, centenas de estudantes de universidades estaduais tinham deixado suas salas de aulas para marchar ao redor do Palácio Nacional, protestando contra a morte de um famoso professor de sociologia, no momento do terremoto.
"Aquele protesto salvou muitas vidas", disse Beneche Martial, 26 anos, estudante de medicina que ajudou na organização da manifestação.
"Estávamos bloqueando ruas, gritando e marchando.
Quando a terra começou a tremer, corremos para todo lado".
A universidade estadual do Haiti era o único local para obter um diploma de graduação até o final do longo domínio por parte dos Duvalier, em 1986.
Desde então, várias universidades foram abertas.
Muitas delas eram instituições descuidadas sem reconhecimento, mas outras eram escolas bem-administradas, abertas a estudantes talentosos independente de seus recursos.
Nos dias após o terremoto, a diretora geral da Unesco, Irina Bokova, convocou universidades de outros países a ajudar.
"As universidades na região e de outros lugares deveriam empreender todos os esforços para aceitar estudantes haitianos", afirmou numa declaração, chamando o prejuízo ao sistema educacional haitiano de "adversidade catastrófica para um país já atingido por outros tipos de desastres".
Entre as universidades que se ofereceram para ajudar estudantes e docentes desalojados está a Dillard University, em Nova Orleans, que sofreu danos significativos durante o furacão Katrina.
Uma delegação de reitores de universidades da República Dominicana também visitou recentemente o presidente René Préval, do Haiti, para oferecer ajuda a estudantes universitários haitianos desalojados.
Uma proposta permitiria aos haitianos cruzar a fronteira para frequentar algumas universidades dominicanas nos finais de semana.
Já existem planos para reviver universidades haitianas usando tendas ou estruturas temporárias, até que estruturas mais estáveis possam ser construídas.
Alguns sinais precoces de que o sistema universitário haitiano pode ser reconstruído de uma forma melhor já surgiram.
Em Quisqueya, Evenson Calixte, assistente do reitor de engenharia, afirmou que todos os estudantes seriam convocados a estudar geologia de hoje em diante, para que entendam os terremotos.
Haverá um foco especial no currículo sobre padrões de construções, disse ele.
Foi a falta de profissionais qualificados no Haiti a responsável, pelo menos em parte, pelo colapso.
"Há uma falta total de arquitetos, planejadores urbanos e especialistas em zoneamento, profissionais qualificados", disse Conor Bohan, americano que fundou o Haitian Education and Leadership Program, um programa de bolsa de estudos para alunos com notas boas, mas que dispõem de poucos recursos.
"As pessoas moravam em habitações abaixo do padrão, em lugares onde não deveriam estar".
Com aulas canceladas por tempo indeterminado, muitos alunos estão usando o tempo livre para ajudar no esforço de recuperação.
Futuros médicos ajudam em hospitais improvisados e organizam uma grande campanha de vacinação.
Estudantes de psicologia conversam com os desalojados sobre como lidar com a tragédia.
Julme, que estudava comunicação, conseguiu um trabalho na estação de rádio das Nações Unidas.
Ela foca em música, não em notícias, para distrair sua cabeça, e a de todos os ouvintes, das coisas terríveis que ocorreram.
"O reitor morreu", disse ela, referindo-se ao chefe da sua faculdade de linguística.
"O vice-reitor também está morto.
Não vejo como a universidade pode continuar".
Os educadores do Haiti esperam que os esforços internacionais para a reconstrução do país assegurem que as universidades voltem a funcionar.
"Como teremos pessoas críticas para administrar o país se não investirmos na próxima geração?", perguntou Marcelin, fundador do Instituto Interuniversitário de Pesquisa e Desenvolvimento, uma parceria de universidades que operam no Haiti.
"Se a comunidade internacional ignorar isso, vamos passar a vida toda dependendo de especialistas de fora".
© 2010 New York Times News Service Deborah Sontag contribuiu com a reportagem.
Tradução: Gabriela d'Avila
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