Unidades de Polícia Pacificadora: Mentiras no rastro da militarização
Patrick Granja
Na terça-feira, dia 2 de março, cerca de dez pessoas incendiaram um microônibus no entorno da Cidade de Deus, zona oeste do Rio de Janeiro, que desde o início do ano passado encontra-se ocupada pela Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP. O veículo, que se encontrava ocupado por dezenas de passageiros rapidamente foi tomado pelas chamas, ferindo 13 pessoas, sendo que seis delas ainda encontram-se internadas, três em estado grave. Rapidamente, o monopólio dos meios de comunicação se prontificou em divulgar um conjunto de informações contraditórias, veementemente desmentidas pelos moradores da Cidade de Deus.
Após o ataque ao micro-ônibus, o Bope invadiu a favela da Cidade de Deus impondo um regime de terror contra o povo pobre
Uma semana após o episódio, a redação de AND esteve na Cidade de Deus para saber dos moradores o que aconteceu, de fato, naquela noite de terça-feira. Muitos deles, por medo de represálias, não quiseram ser gravados ou identificados e outros preferiram não falar sobre o episódio, amplamente noticiado pelo monopólio dos meios de comunicação. Apenas um rapaz contou a nossa equipe de reportagem, sob a condição de não ter sua identidade divulgada, o que realmente ocorreu antes e depois do ataque ao ônibus, que deixou 13 pessoas feridas.
— Quando atearam fogo no ônibus, o pessoal da comunidade saiu de casa e ficou parado na esquina. Então os policiais começaram a dizer que todos os moradores são bandidos e que nós íamos ter que dar conta de quem tacou fogo no ônibus. Falam que foi tudo uma represália do tráfico pela prisão do Leandro, que é parente de traficante. Mas ele é parente de 5° ou 6° grau. Isso não quer dizer que ele é traficante. Forjaram que ele estava com papelotes de cocaína, mas não era nada dele. Ele confessou porque o forçaram a confessar. Usaram-no para dar ibope pra UPP. Ele fazia supletivo e jogava futebol todos os dias. Isso não apareceu na TV. Todo mundo sabe que quem ajudou a pegar os garotos que queimaram o ônibus foi o povo da comunidade. Muita coisa do que estão divulgando na televisão é mentira pra dar ibope para a UPP — conta o rapaz.
O BOPE ataca
Ainda segundo ele, após o episódio, policiais do Batalhão de Operações Especiais da PM foram ao local para incrementar o clima de medo, apreensão e revolta entre os moradores, com agressões e humilhações a todos que cruzassem o caminho da tropa de elite de Cabral.
— Depois que o BOPE chegou aqui foi pior. Já chegaram mandando todo mundo colocar a cara na parede, gritando e dando tapa em todos. Mesmo sabendo que aqui não tem mais tráfico, nem armas, nem drogas, eles fazem isso. Essa é a 'inteligência' da PM — protestou.
Nosso entrevistado também denunciou o regime de terror imposto pelos policiais da UPP, instalada na Cidade de Deus há quase um ano. Desde a instalação da unidade policial na favela da zona oeste e em outras da zona Sul, que AND traz, mês a mês, depoimentos de moradores desses bairros pobres, sobre a rotina de medo instalada pela PM após o início do processo fascista de militarização levado a cabo por Sérgio Cabral.
— Nós denunciamos as revistas que a PM impõe aqui e as pessoas acham que são simples revistas, mas não. Eles [PMs] chegam gritando para deitar no chão se não ‘vai para a vala'. Poucos são os que não apanham. Isso sem fazer nada, porque se você for pego na infração é capaz de morrer de tanto apanhar. Eles já andam com um porrete ou uma barra de ferro para fazer essas maldades. E não tem diferença entre os policiais. Falam que a UPP recebe treinamento especial. Mentira. Tanto os policiais da UPP, quanto os do 18° batalhão agem da mesma forma. Seu filho não pode ir jogar bola na rua, seu filho não pode ir a uma praça, então você fica preso dentro de casa com medo da PM. Nem com o tráfico era assim — denuncia o rapaz.
PM atira para matar
Mas não é só na Cidade de Deus que as polícias deste Estado semicolônial estão intensificando o processo de criminalização e extermínio. Apenas na segunda semana de março, 13 homens foram mortos em apenas quatro operações das tropas assassinas de Cabral e Beltrame.
No dia 8 de março, um homem foi morto pela PM, em invasão deflagrada na favela do Jacarezinho. Exatamente um mês antes, a polícia promoveu uma chacina na favela da zona norte, que deixou ao menos nove pessoas mortas.
Três dias depois, PMs do 15º BPM (Duque de Caxias) foram a Favela do Lixão, na Baixada Fluminense, com o pretexto de reprimir o tráfico de drogas. Na operação, três homens foram mortos, acusados de trocar tiros com a polícia, versão prontamente reproduzida pelo monopólio dos meios de comunicação.
No dia seguinte, foi a vez da favela Vila Joaniza, na Ilha do Governador, receber a desagradável visita de policiais do 17º BPM, que mataram três homens e, como manda o protocolo deste Estado em decomposição, registraram o caso na 37ª DP como "auto de resistência".
Em outra operação, no dia 11 de março, policiais mataram sete homens e feriram uma menina de 13 anos na favela da Rocinha. A invasão ao maior bairro pobre do Brasil aconteceu pela manhã, em um horário onde boa parte dos 200 mil habitantes saia para o trabalho ou para a escola. A ação contou com 200 policiais de quatro delegacias especializadas, além de três helicópteros e dois veículos blindados. O objetivo da polícia era prender o chefe do tráfico na favela, que conseguiu fugir. Mesmo assim, o secretário de segurança pública, José Mariano Beltrame, afirmou que a operação foi um sucesso, graças ao número de pessoas que foram mortas. O tiro que acertou a menina de 13 anos, não identificada, pelo visto fez parte do sucesso deste gerenciamento fascista que, há tempos, já revelou — pela maneira sádica como trata o povo — seus objetivos obscuros, levados a cabo por uma das polícias mais violentas e corruptas do planeta.
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