David Enrich, Sara Schaefer Muñoz e Mark Gongloff
The Wall Street Journal, de Londres e Nova York
As pressões sobre os bancos europeus na captação de recursos se intensificaram ontem, em meio a sinais de que algumas importantes instituições financeiras dos Estados Unidos, inclusive fundos de mercado monetário, estão reduzindo a exposição à região.
A taxa de juro do mercado interbancário de Londres, conhecida pela sigla em inglês Libor, continuou subindo e atingiu o maior nível dos últimos dez meses, indicando a indisposição crescente dos bancos na hora de emprestar uns aos outros. Os juros dos commercial papers de curto prazo também subiram, em mais um sinal de aperto nos mercados de crédito.
Os temores relacionados à capacidade dos bancos europeus de financiar suas operações diárias motivaram um declínio generalizado nas ações do setor, e o custo do seguro contra moratória de títulos bancários também subiu. Embora os bancos na Europa enfrentem graus variados de pressão para obter recursos, a situação ficou mais aguda nos países profundamente endividados da periferia do euro, como Grécia, Portugal e Espanha.
As restrições crescentes no mercado europeu de financiamento bancário advêm de uma combinação de fatores. Todos os bancos vão enfrentar exigências de capitalização mais rígidas por causa das novas legislações para o setor financeiro, e os fundos do mercado monetário, ou de curto prazo, enfrentam mais restrições ao risco que podem assumir. As novas regras se juntaram às crises fiscais na zona do euro e criaram um ambiente desafiador para os bancos da região.
Durante as últimas semanas, os bancos e administradores de recursos dos EUA diminuíram as aplicações na Europa. "Obviamente, as pessoas vão responder às condições na zona do euro, do jeito que elas estão", disse David Glocke, que administra US$ 150 bilhões em ativos tributáveis em fundos do mercado monetário da Vangard Group. "Demos uma segunda e uma terceira olhada em nossa exposição lá e ajustamos a carteira onde foi necessário."
Os administradores americanos de fundos de curto prazo, que juntos têm um patrimônio de cerca de US$ 3 trilhões, não necessariamente estão se livrando das dívidas europeias. Mas diante de sua importância no mercado de títulos empresariais de curto prazo, pequenas mudanças no comportamento de suas compras pode causar turbulências graves no mercado.
Alguns bancos americanos importantes, enquanto isso, também reduziram os empréstimos de curto prazo para bancos europeus, especialmente os da Grécia, Espanha e Itália, segundo executivos, banqueiros e operadores nos EUA e Europa. Ao mesmo tempo, os bancos europeus estão cada vez mais temerosos de conceder até empréstimos de curto prazo a outros bancos — outro fator que está impulsionando a Libor e privando alguns bancos de liquidez.
Bancos como os dois maiores da Espanha, Grupo Santander SA e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, aumentaram recentemente o montante que depositam diariamente no Banco Central Europeu, preferindo manter seus recursos num lugar isento de riscos a emprestá-lo aos concorrentes, mesmo se isso significar rendimento menor. O BCE informou ontem que o total de depósitos diários subiu para 264 bilhões de euros (US$ 324,1 bilhões), ante 253 bilhões de euros segunda-feira. Ainda que abaixo do nível a que chegou o total depositado no BCE no começo do mês, de cerca de 290 bilhões de euros, é mais que o triplo de três anos atrás.
Enquanto isso, bancos do norte da Europa continuam revisando a exposição aos bancos espanhóis e portugueses e, em alguns casos, reduzindo as linhas de crédito.
Embora o foco maior seja nos bancos de países aparentemente mais arriscados, a contração do crédito também atinge o juro dos empréstimos para outros bancos europeus. O francês Société Générale SA tinha de pagar ontem 0,545% para tomar empréstimos em dólar com vencimento em três meses, ante 0,345% um mês atrás. O juro do empréstimo com vencimento em três meses para o Barclays PLC era de 0,55% ontem, ante 0,32% um mês atrás.
A situação é parecida com a da crise financeira no fim de 2008, quando o colapso do Lehman Brothers congelou os mercados mundiais. Mas, apesar de a Libor só não ter subido um dia neste mês, continua muito abaixo dos 4,8% registrados em outubro de 2008.
Mesmo assim, se a contração do mercado de empréstimos bancários persistir ou piorar, como preveem alguns analistas, pode ter consequências amplas. A Libor serve como base para os juros de vários empréstimos ao consumidor, como hipotecas e cartões de crédito. Sua alta vai aumentar o custo do crédito na mesma hora em que as economias dos EUA, do Reino Unido e do resto do mundo exibem os primeiros sinais de recuperação.
Além disso, cerca de 700 bilhões de euros em títulos emitidos por bancos europeus vencem em cada um dos próximos três anos, segundo um relatório desta semana do Deutsche Bank. Rolar essa dívida no atual ambiente do mercado, em que os compradores estão extremamente hesitantes e exigindo juros muitos mais altos, deve impor um desafio significativo aos bancos.
A turbulência cada vez maior no mercado gerou ontem uma série de boatos e especulações sobre quais bancos europeus enfrentam problemas de liquidez. Executivos dos bancos correram para assegurar investidores e clientes de que sua exposição a títulos soberanos arriscados é limitada, ao mesmo tempo em que acusavam outros bancos de enfrentar problemas de liquidez. Banqueiros e operadores disseram que vários bancos europeus, sem conseguir obter recursos pelos canais habituais, apelaram para a liquidez do BCE. Os dados sobre tais empréstimos do BCE não são disponíveis para o público.
A restrição do mercado de crédito também está sendo alimentada por novos temores sobre a Espanha, a quarta maior economia da zona do euro, que enfrenta alto desemprego e o estouro de uma bolha imobiliária gigantesca. A intervenção anunciada segunda-feira no banco regional de poupança CajaSur, assim como a consolidação de outros quatro, contribuíram para o nervosismo do mercado.
A turbulência do mercado ontem também motivou especulação de que o BCE terá de injetar mais liquidez no sistema financeiro, em sua segunda intervenção este mês para estabilizar os mercados.
O aperto também tem sido sentido no mercado de commercial papers, em que as empresas tomam empréstimos de curto prazo. O BBVA, por exemplo, não consegue desde o início do mês renovar cerca de US$ 1 bilhão em empréstimos de curto prazo no mercado americano de commercial papers, segundo pessoas a par da questão. O banco continua contando com recursos e depósitos europeus substanciais, e cerca de US$ 9 bilhões em commercial papers americanos.
Os juros de commercial papers europeus com vencimento em 30 dias para os tomadores menos arriscados subiram nos últimos dois dias para 0,48%, segundo Tim Backshall, estrategista-chefe da Credit Derivatives Research, ante cerca de 0,3% no início de abril.
Juros como esses ainda estão bem abaixo dos níveis a que chegaram durante o auge da crise de 2008. Mas as pressões de financiamento de curto prazo foram um componente importante daquela crise e podem se autoalimentar se não forem contidas.
Administradors de fundos de curto prazo tentam comprar ativos relativamente seguros e retê-los por pouco tempo, numa tentativa de torná-los o mais parecidos possíveis com dinheiro vivo. Suas cotas raramente têm perdas.
O fundo Primary Reserve Fund passou por uma situação como essa na crise de 2008, gerando um pânico no mercado monetário e um aperto mais amplo no crédito para as empresas. Numa tentativa de evitar outra crise como essa, a SEC, comissão de valores mobiliários dos EUA, está obrigando esses fundos a ter ativos mais líquidos e seguros, a partir de sexta-feira.
As novas regras vão diminuir a média ponderada de vencimento máximo da carteira de um fundo, de 90 para 60 dias. Os fundos também terão de manter um mínimo de 10% dos recursos em títulos que vencem num dia e 30% em títulos que vencem em uma semana.
Isso significa que os fundos terão menos apetite por commercial papers com vencimento maior, aumentando os juros que os bancos têm que pagar pelos empréstimos com prazo maior.
Essa mudança ocorre numa semana especialmente ruim para os bancos, com autoridades obrigando-os a tomar empréstimos com vencimento maior para reduzir a dependência de fontes de curto prazo e evitar choques.
(Colaborou Carrick Mollenkamp, de Nova York)
Nenhum comentário:
Postar um comentário