sexta-feira, 4 de junho de 2010

DUAS FERAS AMEAÇADORAS E QUEM PODE NOS SALVAR

Revista ÉPOCA, 31/5/2010

PAULO GUEDES



Como a "destruição criadora" e o "capitalismo selvagem dos comunistas chineses" podem destruir a economia de países inteiros

Tecnologias inovadoras e novos métodos de produção. Novos produtos, serviços e mercados globais. As mudanças e a onda de globalização nesta transição do século XX para o século XXI produzem mudanças radicais no ambiente econômico. A mula sem cabeça da destruição criadora está solta na economia mundial. E, agora, cavalga ao lado de outra besta furiosa, o capitalismo selvagem dos comunistas chineses. Sob as patas dessas duas feras, países inteiros podem ser economicamente destruídos.

O processo já havia sido bem diagnosticado por Joseph Schumpeter em seu Capitalismo e democracia (1942): Uma incessante revolução nas entranhas da estrutura de produção, destruindo implacavelmente a antiga e criando ininterruptamente uma nova. Esse processo de destruição criadora é a essência do capitalismo. Só que, desta vez, temos uma prolongada crise internacional, de extraordinária dimensão, que reflete uma singular conjugação de fenômenos.

Passamos por um longo período de crescimento global em ritmo acelerado. As economias nacionais avançaram sincronizadas de 2003 a 2007 sob o embalo de uma formidável expansão do crédito global. Estaríamos agora experimentando não apenas a ressaca dos excessos financeiros cometidos, mas também uma fase inevitável de destruição de antigas estruturas produtivas, tornadas obsoletas, e sua substituição por versões mais eficientes, que já incorporam inovações tecnológicas e escalas de produção global.

As inovações criam riqueza e aumentam o padrão de vida das populações em longo prazo. Mas, no caminho, têm devastador impacto sobre as estruturas arcaicas, dissipam fortunas, destroem empregos e mesmo setores inteiros de uma economia. Trata-se de uma correção dos excessos cometidos por financistas anglo-saxões e por políticos social-democratas europeus, em meio a uma profunda mudança na estrutura produtiva da economia mundial. Expulsos do paraíso das finanças irresponsáveis na América e do Estado de bem-estar social na Europa, os ocidentais estão condenados a vagar por anos de incerteza e declínio.

Os empreendedores são a mola mestra do capitalismo

e da inovação. Mas o Brasil faz de tudo para asfixiá-los

Uma primeira onda da destruição criadora se abateu sobre o sistema financeiro internacional. Ele era hipertrofiado por sua atuação anterior como infraestrutura de conectividade econômica que possibilitou a globalização. Hoje, assistimos aos esforços das autoridades monetárias, também responsáveis pelos excessos, de reinflar os preços dos ativos em escala global, na tentativa de reerguer pirâmides de papel.

Uma segunda onda ameaça atropelar os governos perdulários. Serão corrigidos os abusos do welfare state europeu. As finanças públicas estão em ruína: salários do funcionalismo público descolados de produtividade e mérito; benefícios de aposentadorias e pensões financeiramente insustentáveis; subsídios à agricultura e a setores industriais sem competitividade; e agora uma gigantesca operação de salvamento do sistema bancário.

E, mais preocupante do que a desarticulação de setores econômicos ameaçados pelas novas tecnologias, a terceira onda ensaia cobrir países inteiros que não decifraram o enigma da globalização. O excepcional desempenho da economia brasileira em 2010 é ainda de natureza transitória. Deveu-se ao rápido desentupimento dos canais de crédito e à fulminante redução de impostos e juros, bem como à expansão dos gastos públicos em meio à crise. Convém voltar às lições de Schumpeter: Quando analisamos o capitalismo, é essencial compreender que estamos lidando com um processo evolucionário. O impulso fundamental que coloca em movimento e mantém funcionando a engrenagem capitalista são as inovações criadas pelos empreendedores. Os empreendedores são a mola mestra do capitalismo. Mas o Brasil segue com carga tributária exorbitante, legislação trabalhista obsoleta, encargos sociais proibitivos. E juros altos e câmbio baixo como resultado da descoordenação entre as políticas fiscal e monetária no combate à inflação. Em síntese, tudo o que asfixia o empreendedorismo.

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