Flávio,
É fato que os professores não tem formação para atender alunos que vieram da pobreza absoluta e não cursavam escolas (principalmente os do ensino
fundamental e, possivelmente, gradativamente os da educação infantil, em
função da ação enérgica do Ministério Público). Mas o que não se diz é que
nem os que possuem formação acadêmica sabem lidar com o novo comportamento
em sala de aula, que antes seria considerado hiperativo. A geração internet
não para, não respeita, é absolutamente dinâmica, no ritmo da mudança da
imagem. Alguns estudos revelam que o que há de muito novo nesta geração é
que sua vontade se expressa na tela, sem mediação, como se ele estivesse
dentro do computador. Cria um exercício de mando diário, sem intermediários, sem superego. Se entrarmos na lógica anglo-saxônica do auto-ensino, estaremos dando mais um passo para a desmontagem da possibilidade de construção - via espaço escolar - do aprendizado da relação com o diferente, da construção das relações comunitárias (com seus defeitos e vantagens), com o ensino universal.
Também é fato que nossos cursos universitários não sabem ensinar a ser
professor, pelo simples fato que as universidades estão muito longe do
espaço escolar. A universidade se transformou num espaço fechado,
auto-referente, em que um jovem termina sua graduação e já ingressa no
mestrado, saltando para o doutorado e prestando concurso para dar aula na
universidade. Torna-se professor sem nunca ter entrado numa sala de aula de
ensino fundamental ou médio. Conhece apenas pesquisa e livros. Esta cultura
livresca não tem relação alguma com a dinâmica de um espaço escolar
absolutamente dinâmico, marcado por sub-culturas (na linguagem dos estudos
recentes), onde há um evidente confronto entre intenção escolar e hábitos
comunitários e familiares (aliás, de famílias cada vez mais monoparentais).
A lição de casa (ou tarefa, ou para casa, dependendo do Estado) e aulas de
reforço são uma prova de como a receita é absolutamente anacrônica para uma
realidade social que não comporta este resquício do início do século
passado.
A relação educação-trabalho não envolve apenas a visão empresarial. Envolve
alguns marxistas. Esta é a posição, por exemplo, do Movimento Sem Terra, que afirma que o trabalho é parte constitutiva da formação de crianças. Um
absurdo que coloca por terra (desculpe o trocadilho) todos estudos sobre
desenvolvimento humano. De minha parte, não acredito que este seja o
objetivo da educação básica.
Enfim, não acho que alguém pode preparar outro para a vida. A educação pode
colocar o educando em contato com a vida, inclusive com a sua, criando
dilemas, reflexões e o processo que Paulo Freire denominou de ad-mirar (ver
a si mesmo, ou ver de fora). A educação é um processo auto-reflexivo, que
lança mão da experiência humana. Por este motivo é que é um ato de escuta e
reflexão. Lemos e estudamos para saber o que outros pensaram, criando uma
cadeia que envolve o indivíduo com sua espécie. Educar é um ato humanista,
portanto.
O grande problema é que a sua e a minha digressões estão fadadas ao muro de
lamentações com estes projetos de empresariamento da educação pública, com
premiação do professor por desempenho do aluno, parcerias da escola com
empresas e coisas do gênero, que são absolutamente exógenas ao processo
educativo, banaliza a educação (como se fosse apenas uma questão de ajuda),
destrói o saber educacional (de séculos, envolvendo psicologia, neurologia e tantas outras áreas). Nunca vimos algo do gênero em relação à construção
civil (em crise até pouco tempo) ou outra área de trabalho humano. Por que
esta "ajuda" à educação? Porque os empresários têm interesse em formar gente qualificada (as tais competências e habilidades, conceitos equivocados para o meio educacional) para um mundo do trabalho que exige autonomia e conhecimento global.
Este é nosso problema, Flávio.
Rudá
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