12/10/2009 - 00:02 | Enviado por: Sheila Machado
Por Rodrigo de Almeida
Em terra de futebol, Copa do Mundo é uma festa. E, em festas, como se sabe, tudo o que não reluz é lixo. Chaga a remover. Demônio a eliminar. Se levada ao pé da letra a tese do lustre para um evento de grande porte, a ameaça pode, no limite, fazer com que ocorra nas favelas do Rio de 2014 o que se passa na África do Sul a caminho de 2010. Na sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu em Brasília o presidente Jacob Zuma, mas ambos certamente não tocaram no assunto que vem apavorando milhares de moradores de favelas sul-africanas.
Segundo denuncia a organização Abahlali baseMjondolo, fundada em Durban pelos próprios moradores das favelas como reação à remoção, comunidades inteiras, situadas em grandes centros urbanos, têm sido expulsas à força. O governo do partido do Congresso Nacional Africano (ANC) fala em “deslocamentos”. Rechaça a participação em atos de violência contra a população. Os movimentos sociais, no entanto, tentam mostrar ao mundo que não é bem assim. No site da organização, lê-se a chocante história do ataque, por “homens armados”, à comunidade Kennedy Road no fim de setembro. Coisa pesada, incluindo canhões de água, granadas paralisantes, bastões de eletrochoque, perseguição e espancamento. Maus presságios para um país cuja Constituição é tida como modelo internacional de proteção e promoção dos direitos à moradia.
Como no Brasil (e no Rio em particular), os sul-africanos falam muito em eliminação de favelas de centros urbanos. Mas lá o problema é mais antigo. Desde 1934 o governo daquele país, branco ou negro, vem tentando resolver o assunto. Cada um a seu modo, claro. Uma pesquisadora chama a atenção para a singularidade das favelas sul-africanas. Não há, por exemplo, uma lei do tipo Usucapião – ou seja, as próprias pessoas não têm interesse em investir no local, uma vez que vivem sob constante ameaça de expulsão. Mais: como o governo as qualifica de temporary settlements, não fica obrigado a fornecer água ou luz. Ironia do subdesenvolvimento, certos “acampamentos temporários” existem há mais de 30 anos.
A tentativa de “limpeza” de uma cidade como Durban, por exemplo, não começou com a iminência da Copa do Mundo. Mas os ativistas reclamam, primeiro, que promessas feitas pelo partido que chegou ao poder depois do apartheid não foram cumpridas. Segundo, que o problema das favelas continua o mesmo de antes. Terceiro, que as expulsões se intensificaram às vésperas da Copa. As comunidades, porém, endureceram. A resistência, avisa quem tem conhecimento de causa, deve-se a uma soma razoável de fatores. A saber:
1- Os novos bairros construídos pelo governo estão localizados fora das cidades (em média a 25 quilômetros de distância); 2- As casas são de baixíssima qualidade e as hipotecas, exorbitantes; 3- Não há escolas e hospitais por perto; 4- Falta policiamento e, com isso, os índices de criminalidade vão às alturas, ou seja o governo conduz os moradores ao deus-dará; 5- Não existe transporte público até as novas áreas (na prática, um trabalhador removido passa a gastar seis vezes mais para locomover-se, para não falar do tempo adicional).
Que a lição sul-africana sirva alguma coisa para o Brasil. Tão logo o Rio foi escolhido sede da Olimpíada de 2016, o presidente Lula avisou que não haveria remoção das favelas. Mas a faxina da cidade – no bom sentido – passa pelo trato será dado às comunidades. O PAC das favelas é uma excelente tentativa de garantir dignidade a quem vive nos morros do Rio e de outras grandes cidades do país. Mas o governador Sérgio Cabral, que já classificou a Rocinha como “fábrica de produzir marginal”, emendou com a ideia de cercar as favelas com os muros. E só quer murar as comunidades encravadas na Zona Sul. Para atender às exigências do COI, o plano olímpico do Rio prevê a remoção de 3.500 famílias de seis favelas das zonas Oeste e Norte da cidade.
Na África do Sul, a organização Abahlali baseMjondolo luta contra a remoção forçada e em favor do acesso à educação e do fornecimento de água, luz, saneamento e assistência médica digna de um país democrático. Com o urbanismo do medo em vigor no Rio, convém ficar atento a eventuais semelhanças com os pobres sul-africanos. Aqui, como lá, não são poucos os assombros cometidos em nome da utopia de uma cidade sem favelas. Ou sem os seus moradores.
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