A dor e a indignidade dos agricultores: preço da prepotência do Sr Eike Batista
A dor e a indignidade dos agricultores: preço da prepotência do Sr Eike Batista
Não podemos assistir, apenas comovidos no recanto de nossos lares, ao descalabro que vem sendo praticado contra os agricultores do município de São João da Barra. Desrespeito à vida humana é mal que fere a todos e abre caminhos para outras tantas arbitrariedades.
Os agricultores do 5º distrito de São João da Barra são herdeiros e continuadores de uma saga de sabedoria e luta por dignidade, de abertura de universos de comunicação e comercialização, cujo conhecimento só nos orgulha saber. Durante todo o século passado, eles fizeram circular melancia, melão, caju, banana, maxixe, jiló, abacaxi, tomate, pimentão, aves e ovos, leitões e perus pelos povoados situados na área que acolhia as usinas de Mineiros, Baixa Grande e São José, abastecendo os trabalhadores que lá habitavam. Eles também enviaram, através do trem da Estrada de Ferro Leopoldina, principalmente aves, ovos e esteiras, estas especialmente confeccionadas pelas mulheres, com as tabuas coletadas nos brejos e pântanos que conformam a biodiversidade da região.
Por iniciativa própria, acompanharam o progresso chegado à região por volta da década de 1950, mediante a melhoria das condições de tráfego na estrada de rodagem que liga Campos a Niterói e Rio de Janeiro; ou na década de 1960, pela pavimentação de estradas que ligam Campos ao Farol de São Tomé, ou a Grussaí e Atafona. E para tanto, abriram as próprias estradas para escoar as mercadorias, construindo trechos com galhos de árvores superpostos à areia. Dispondo de alternativas de deslocamento da produção para aquelas múltiplas praças de mercado, eles passaram a encaminhar abacaxi, melão, melancia, maxixe, farinha, goiabada, etc.
Na década de 1970, também acompanharam o crescimento populacional nas praias citadas, valendo-se de cavalos e jacás, de charretes, assim abastecendo os veranistas com especialidades da região, como caju e ingá, além de abacaxi, melão, melancia, etc. E ainda abasteceram cidades situadas na Região dos Lagos, do Norte Fluminense, além da tradicional praça de mercado do Rio de Janeiro.
Todos que passaram pelas respectivas áreas de cultivo nesse longo período de tempo, puderam ver como os agricultores melhoraram suas casas, compraram carros e caminhões e foram conquistando diversos serviços públicos, especialmente no contexto nacional e internacional de valorização da agricultura familiar, tanto que se fizeram reconhecidos participando em Campos, da Feira da Roça.
- Como aceitar os sofrimentos deles diante da violenta e indigna imposição de saída, sem prévia definição para onde? Sem prévia informação do valor atribuído à desapropriação da terra? - Como imaginar que agricultores de 60 a 90 anos refaçam na terra nua, a construção da fertilidade das áreas arenosas, para a qual contaram com seus ancestrais, há séculos ali presentes? Nem árvore nem cercado, nem plantações nem sistemas de irrigação, instalações presentes nos sítios que ao longo do tempo construíram!
- Como aceitar a dor diante da retirada imediata de suas imemoriais terras? Diante de suas casas em escombros? Com essas violentas ações, também a retirada de galinhas, vacas, bezerros, cavalos, cabritos, não se sabe também para onde, ou para lugar não preparado para reproduzir animais.
- Como aceitar que, para a defesa dos direitos dos impostores ou invasores, haja apoio de guardas próprios, mas também da Polícia Militar, instituição pública que se vê obrigada a cumprir ordens advindas dessa legalidade construída por cima e caída de uma hora para outra, pressupondo a completa desumanidade?
Tais superpostos direitos, sempre anunciados mas pouco comprovados, são por isso mesmo traduzidos em papéis manuscritos, onde aparece o valor formal da desapropriação, reduzindo todo o trabalho imemoriamente acumulado a metros quadrados calculados em abstrato.
A retirada das famílias dos seculares sítios é então banalizada como se o mundo se transformasse de ponta à cabeça; e elas criminalizadas como se estivessem na ilegalidade. Se os agricultores reagem a essa inaceitável e injusta ordem ou, a bem da verdade, desordem, são objeto de críticas como se essas retiradas não estivessem cobertas de indignidades e desumanidades. E tudo isso em nome da ordem desejada e do sonho ilimitável de tão auto-proclamado magnífico empresário!
– Por que aceitarmos que ele, com apoios do governo estadual, decida sobre nosso patrimônio natural e vidas humanas? – Como aceitarmos que ele continue a cobiça sobre essa terra, cuja área é cada vez mais ampliada para suportar novas indústrias, para constituir o alegado complexo? - Como aceitarmos que um só homem e seus prepostos construam projetos em terras alheias e saim varrendo do mapa a vida de homens que honrosamente construíram famílias e com seu trabalho alimentam tantas outras?
A questão que atinge a nós todos diz respeito à aceitação passiva da imposição dos desejos alheios, cuja realização nem consulta pública prevê. É nos restringirmos a lamentos em sussuros, quando agricultores de 60, 70, 80, 100 anos estão sendo condenados a vegetar num vazio de passado, de presente e de futuro! - É possível viver condenado a esquecer o convívio com os filhos e vizinhos? - Apenas aguardando a morte física? Afinal, a vida social vai se exitinguir no exato momento em que qualquer um desses agricultors acatar tamanho absurdo.
Os agricultores do 5º distrito de São João da Barra não anunciaram suas terras à venda, não tem para onde ir, não tem como continuar seu modo de vida. O apoio político de todos os cidadãos é fundamental para dar um basta a esse estranho processo de construção de homens condenados a párias da sociedade, depois de toda uma história de trabalho, autonomia e dignidade humana.
CPT; MST;MPA;Comitê Popular de Erradicação do Trabalho Escravo do Norte Fluminense
http://portox.blogspot.com/2011/12/dor-e-indignidade-dos-agricultores.html
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