quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A definição do programa habitacional

A definição do programa habitacional está relacionado às práticas sociais de cada grupo ou família. Por este motivo, a idéia de morar na tradição oriental pode ser diferente da ocidental, resultando em casas com formas e distribuições de funções diferentes.

No mundo ocidental convencionou-se estabelecer três domínios diferentes em uma mesma casa: o da esfera social, o da esfera íntima e o da esfera dos serviços. O conjunto destes três domínios constituiria a prática do morar. Cabe lembrar, no entanto, que a arquitetura moderna (assim como determinados movimentos da arquitetura pós-moderna) propuseram fortes questionamentos das idéias tradicionais do morar: eventualmente nas casas modernas verificava-se não a supressão destes domínios, mas da sobreposição de alguns de seus usos. O caso mais exemplar (e também aquele que mais foi apropriado por construções menos arrojadas) deste fenômeno é nas residências em que cozinha e sala de estar tornam-se um único ambiente.

[editar] Espaços sociais
Sala de estar
Entre os espaços tradicionalmente considerados próprios à manifestação da coletividade em uma residência, a sala de estar (do inglês living room, literalmente a sala de morar) é seu exemplar arquetípico. Normalmente esta sala é entendida como o espaço tanto da sociabilidade interna da família quanto como o espaço no qual a família sociabiliza-se com terceiros. Em casas tradicionais (ou mesmo em casas modernas, mas de padrão sócio-econômico mais elevado), porém, tal divisão poderia ser ressaltada com a atribuição de uma sala específica para a família ("sala íntima") e outra para convidados. Com a difusão dos meios de comunicação de massas (como o rádio e a televisão), cada vez mais esta passou a ser uma sala de entretenimento, voltada para equipamentos como o televisor, o home theater, entre outros.

Varandas, terraços, alpendres e similares
Estas estruturas estabelecem uma transição entre os espaços internos e os externos da residência, sendo considerados espaços de lazer ou de descanso. Normalmente possuem integração visual com o jardim da casa ou com a própria cidade. A relação "exterior vs interior" que estes espaços estabelecem varia de acordo com a situação cultural de cada casa ou das intenções de seu projeto arquitetônico: em casas mais tradicionais, verifica-se uma grande preocupação em estabelecer um caminho bastante marcado entre os espaços exteriores e os espaços íntimos, através não só das varandas como de vestíbulos e corredores internos à casa. Em residências ligadas à arquitetura moderna, nota-se uma maior preocupação com a integração espacial e com a desconstrução destes preconceitos.

Jardim
O jardim é um elemento próprio da residência urbana: ele tanto pode ser encarado como um pequeno "oásis verde" no meio da cidade como um respiro (um vazio) frente à massa edificada. Sua caracterização varia muito: ora ele assume um perfil meramente decorativo (no qual não é possível sequer caminhar), ora se torna de fato um espaço para descansar, brincar ou conversar. No Brasil, devido aos códigos de edificações que normalmente exigem que as residências estejam sempre recuadas em relação à rua, os jardins passaram a apresentar um caráter próprio.

Outros tipos de salas
Dependendo do tamanho da residência verificam-se cômodos denominados como sala de jantar, sala de jogos, entre outros.

[editar] Espaços íntimos
Quarto de dormir
O espaço íntimo por definição é aquele ligado ao recolhimento e ao sono. Neste sentido, o arquétipo para o espaço íntimo é o quarto de dormir (ou dormitório): dentro de uma casa, cada quarto pode representar a privacidade de cada um dos indivíduos que constituem uma mesma família, enquanto a casa representa a privacidade da própria família. No entanto, cabe lembrar que a história da arquitetura possui exemplos de residências (especialmente aquelas ligadas, novamente, à arquitetura moderna) que desafiam este preconceito, tornando o dormitório um espaço dinâmico que pode se transformar em diferentes espaços ao longo do dia. A tradição oriental também lida com esta dinâmica: espaços que durante o dia possuem outros usos transformam-se em dormitórios à noite pela movimentação de paredes, cortinas e mobiliário.

Banheiro ou Casa de banho
Embora tradicionalmente seja considerado um espaço utilitário o banheiro foi, ao longo do século XX, cada vez mais utilizado (e vendido pelo mercado imobiliário) como um espaço íntimo (chegando a situações - criticadas por especialistas - em que apartamentos relativamente pequenos apresentem mais de três banheiros). Nalgumas habitações a casa de banho é hoje um espaço de usufruto muito apreciado.

[editar] Espaços de serviços
A cozinha é o espaço de serviços arquetípico: é nela que se concentra a produção durante situações socias (como festas e banquetes oferecidos pela casa) ou da própria vida familiar. Porém a cozinha passou cada vez mais a ser entendida como um espaço de sociabilidade, especialmente à medida em que o papel da mulher na sociedade industrial ganhou mais destaque (de um lado a mulher deixou de possuir uma posição marginal na casa, emancipando-se, e de outro o próprio ato de cozinhar deixou de ser considerado trabalho secundário, passando a ser efetuado por todos os integrantes da família ou por pessoas solteiras). As vanguardas arquitetônicas também possuíram algum papel nessa alteração do perfil da cozinha.

Outros espaços de serviços são aqueles ligados à circulação interna à casa e à limpeza. Uma estrutura, normalmente considerada acessória à casa e muito comum no Brasil é a edícula (uma construção anexa, mas não interligada, à casa principal).

[editar] História da residência
Normalmente se entende que a casa surge como elemento fundamental da constituição da vida humana no momento em que o ser humano abandona o nomadismo e passa a abrigar-se em sítios específicos. O desenvolvimento do conceito de casa, assim como o da sua diferenciação do simples conceito de abrigo, ocorre paralelo à definição por parte do homem de conceitos como território, lugar e paisagem: a casa, como propriedade, estabelece relações entre indivíduos e entre grupos sociais, passando eventualmente a ser identificada com a idéia de poder. Como já ressaltado, porém, o desenvolvimento do conceito de casa é fruto de um processo sócio-cultural, de tal forma que em diferentes locais do mundo e em diferentes sociedades ele evoluiu de maneiras diversas.

O estudo histórico da residência, porém, poucas vezes gozou de posição privilegiada na historiografia da arquitetura, a não ser pelo estudo das obras de exceção que se eventualmente se verificam em sua história (como no estudo das villas paladianas do Renascimento ou das residências do movimento moderno, por exemplo). Além disso, o estudo das casas populares dos diferentes períodos históricos muitas vezes depende de pesquisas arqueológicas que se baseiam em poucas fontes e raros vestígios, visto que são poucos os exemplares que porventura tenham sobrevivido ao tempo. Por outro lado, o estudo de tais casas também é um elemento importante de diversas pesquisas de caráter antropológico. Por todos estes motivos, nota-se que há atualmente algum conhecimento acadêmico consolidado com relação ao estudo das residências de determinados períodos (como o das casas romanas) ao mesmo tempo que há pouco sobre outros (como o das casas populares medievais ou mesmo de períodos mais recentes).

[editar] Antiguidade
A idéia de casa como sinônimo de propriedade privada de um indivíduo ou de uma família (e portanto sinônimo de um poder ou força social) não acontece de imediato, à medida que as sociedades da Antiguidade evoluem, revelando-se ao contrário um processo lento e de diferentes manifestações. Tal idéia se dará de fato com a democracia grega, de tal forma a que a cidade grega clássica estabeleça modelos de urbanidade e de relações entre as casas que permanecem de alguma forma vivos na sociedade contemporânea ocidental.

[editar] Casa grega
Segundo os atuais estágios de investigação arqueológica e histórica, os principais modelos existentes atualmente sobre a casa grega se referem a exemplares localizados em Atenas e relacionados ao período da democracia naquela cidade, durante os séculos V aC e IV aC. Segundo tais modelos e os estudos que se seguiram[1] a eles, para os gregos, não havia a idéia de lote urbano: a casa ocupava todo o espaço possível e demandado pelo seu senhor, possuindo diretamente uma saída para a rua.

A casa grega voltava-se para dentro: acontecia ao redor de um páteo interno, o qual existia mesmo nas menores casas. Segundo os estudos sobre as ruínas atenienses, as casas em geral variavam entre 150 a 250 m², tamanho que as tornava próximas de lotes urbanos típicos do Brasil urbano contemporâneo, por exemplo. O setor das casas voltado para a rua normalmente englobava os cômodos dominados pelo pai da família e pelos homens da casa (e possivelmente os únicos cidadãos que ali moravam, visto que as mulheres e escravos não possuíam tal status) e era conhecido como androceu, enquanto o setor dominado pelas mulheres era chamado gineceu. Para os gregos, visto que a casa era a expressão da propriedade privada do seu senhor, ela também era a manifestação da esfera privada da vida urbana (enquanto a esfera pública se dava em espaços como a ágora, a pnix, e as ruas). Desta forma, a casa era considerada território inviolável. Normalmente era térrea, embora fossem também comuns aquelas estruturadas em dois pavimentos.

[editar] Casa romana
Diferentemente daquilo que se sabe a respeito da arquitetura residencial grega, aparentemente as casas romanas variavam bastante em seu formato, tamanho em caráter. De qualquer forma, conhecem-se hoje alguns modelos destas habitações, os quais reproduziam-se (e, consquentemente, sofriam alterações várias) nas diversas cidades fundadas pelos romanos. Uma das primeiras dieferenças em relação à casa grega é a generalização da existência de não mais um, mas de dois páteos nas residências unifamiliares romanas: tal aspecto costuma ser apontado como uma evidência do caráter patriarcal daquela sociedade, visto que um dos páteos seria restrito à circulação dos homens da casa.

Verificavam-se dois modelos bastante difundidos de residências em Roma: as insulae (caracterizadas como edifícios de múltiplos andares, normalmente usufruídos via aluguel, e destinados às camadas populares) e os domus (residências maiores, unifamiliares e destinadas às camadas mais ricas, normalmente situadas em pontos mais altos das cidades).

Constituindo-se de uma sociedade essencialmente urbana, porém, os romanos também desenvolveram um modelo peculiar de residência rural, a qual ficou conhecida como villa (embora a palavra não tenha relação direta com o atual significado de "vila" e nem pretende denotar um conjunto de casas, mas apenas uma). A villa caracterizava-se como uma grande propriedade associada aos patrícios, rodeada de pomares, jardins, fontes e outros elementos paisagísticos. Este modelo foi de tal forma presente na arquitetura romana que ele foi mais tarde adaptado às necessidades das elites do Renascimento: arquitetos como Andrea Palladio desenvolveram projetos de villas que se tornaram bastante relevantes na história da arquitetura.

Cabe também notar que a palavra lar era utilizada neste contexto para se referir à divindade domiciliar dos romanos, única para cada residência.

[editar] Idade Média
A configuração da residência européia medieval variou bastante ao longo do tempo, visto que trata-se de um período longo. Também variava em tamanho de acordo com a camada social, embora a construção mais comum fosse aquela constituída, de uma forma geral de um único recinto, composto por poucas peças de mobiliário (como alguns assentos e baús) e principalmente por uma lareira (ou mesmo uma fogueira) em seu centro, a fim de se evitarem incêndios. Todas as atividades eram realizadas e compartilhadas neste recinto único (alimentar-se, dormir, trabalhar, entre outros). As casas rurais e as urbanas diferiam bastante, mas a superposição de funções era comum.

Referências
1.↑ MALACO, Jonas Tadeu Silva; Da forma urbana. O casario de Atenas; São Paulo, Alice Foz, 2002
[editar] Bibliográficas
REIS FILHO, Nestor Goulart; Quadro da arquitetura no Brasil; São Paulo: Editora Perspectiva, 2004, 10ª edição; ISBN 85-273-0113-X
CHING, Francis D. K.; Dicionário visual de arquitetura; São Paulo: Martins Fontes, 2000; ISBN 85-336-1001-7
ROTH, Leland M.; Understanding Architecture: its Elements, History and Meaning; Nova Iorque: HarperCollins Publishers, 1993; ISBN 0-06-430158-3
TRAMONTANO, Marcela Claudia; Novos modos de vida, novos espaços de morar - Paris, São Paulo, Tokyo: uma reflexão sobre a habilitação contemporânea; tese de doutorado, São Paulo: FAUUSP, 1998

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