quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

questiono assaltos de piratas na Africa e as politicas sociais no Brasil

O Brasil caminha para isso se continuar investindo em proteger quem tem e desprezar os pequenos,
Passo a passo de um acordo com piratas

Ao amanhecer de 28 de novembro, uma lancha que carregava cinco homens com fuzis AK-47 e lança-granadas dirigiu-se a um enorme cargueiro no Golfo de Áden. Eles atiraram ao se aproximar, fazendo estragos no casco.

Os homens, magros e descalços e usando camisetas e calções, engancharam uma escada de alumínio no corrimão do navio e subiram ao convés. Aí, atiraram contra uma janela da ponte de comando, que a tribulação havia trancado. O capitão do navio apertou o botão de alarme.

À 0h05 daquele dia, James Christodoulou acordou ao som do telefone de cabeceira em seu apartamento em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Piratas haviam capturado o petroleiro de sua companhia, o MV Biscaglia, disse-lhe um diretor de segurança da empresa.

"Repete", respondeu Christodoulou.

A notícia jogou o diretor-presidente da Industrial Shipping Enterprises Corp., uma pequena empresa americana com sede em Stamford, Connecticut, e a tripulação de 28 homens na linha de frente de uma onda de pirataria voltada a enormes navios que navegam perto da costa da Somália em rota para o Canal de Suez.

Nos 56 dias seguintes, a tripulação oriunda da Índia e de Bangladesh foi detida por piratas somalis armados. Christodoulou, de 48 anos, conversou diariamente por telefone com negociadores somalis que exigiam um alto resgate. Ele viajou à Índia para implorar à avó de um de seus tripulantes que pusesse fim à greve de fome que ela havia iniciado para protestar contra o sequestro.

Durante a novela, ele fez amizade com um empresário concorrente cujo navio também havia sido sequestrado. Essa amizade teve papel crucial nos esforços de Christodoulou para levantar o resgate de mais de US$ 1 milhão, que em fins de janeiro foi jogado no oceano numa caixa à prova d'água para assegurar a liberação dos tripulantes e do navio.

Sexta-feira, os membros da tripulação reencontraram a família no aeroporto internacional de Mumbai, todos a salvo. O que eles e Christodoulou passaram desde 28 de novembro é uma amostra das maquinações da pirataria contemporânea em alto-mar e revela como piratas da Somália transformaram o sequestro de navios internacionais num negócio lucrativo e bem calibrado.

À medida que o Estado somali desmoronava, o país passou a ser um paraíso para piratas que visavam o Golfo de Áden, uma das rotas navais mais movimentadas do mundo. Cerca de 18.000 navios passam pelo golfo a cada ano, levando petróleo saudita e iPods feitos na China para a Europa, Porsches para Dubai e vinho francês para a China. No último ano, quando os ataques se sucediam e resgates era pagos, "virou uma desordem", diz Michael Howlett, diretor de divisão do Birô Marítimo Internacional, um grupo que monitora a pirataria.

Em todo o mundo, houve 293 casos de pirataria em 2008, 11% a mais que em 2007, segundo o BMI. Foram 889 tripulantes tomados como reféns e outros 32 foram feridos, 11 mortos e 21 desaparecidos, provavelmente mortos. Só no Golfo de Áden, houve 50 ataques nos últimos três meses de 2008, embora em vários casos os assaltos tenham sido repelidos. Em 2007 só um navio foi sequestrado no golfo, mas em 2008 foram 32, segundo o BMI.

Autoridades de vários governos criticam empresas de transporte marítimo que pagam resgates, os quais costumam ser cobertos por seguros. O argumento é que pagar encoraja novos sequestros. Executivos das transportadoras respondem que não aprovam o processo, mas têm pouca escolha. Até agora, estimam especialistas, dezenas de milhões de dólares em resgate já foram pagos em sequestros somalis.

Como o Golfo de Áden fica em águas internacionais, não está na jurisdição de nenhum país que o policie. Além disso, os navios geralmente pertencem a uma empresa de um país e são registrados noutro, com uma tripulação de ainda outro lugar, de modo que é difícil determinar quem é responsável por protegê-los.

No ano passado, a Organização das Nações Unidas aprovou uma resolução que autoriza o uso de força contra piratas do Golfo de Áden. Em dezembro, a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte despacharam sete navios para patrulhar a área. Vinde navios de guerra de 14 países estão lá hoje, segundo o BMI. Cada navio mercante recebe uma recomendação de rota, perto de uma escolta militar. Mesmo assim, houve 17 ataques e 3 sequestros em janeiro.

Christodoulou, um veterano do ramo, estava ciente dos perigos do golfo. Em novembro, ele considerou mandar seu petroleiro de casco duplo e 23.700 toneladas ao redor da África em vez de atravessar o golfo para levar 25.000 toneladas de óleo de palma da Indonésia para a Espanha.

Mas a crise financeira global derrubou o frete. Contornar a África teria acrescentado semanas e traria US$ 250.000 em custos extras à sua firma, que não podia arcar com isso, disse Christodoulou ao Wall Street Journal na semana passada. Ele também observou que, apesar da alta na pirataria, menos de 1% dos navios no golfo são sequestrados.

O que ele fez foi contratar três seguranças desarmados, por US$ 25.000, e instruir seu navio a seguir um comboio protegido por um navio militar francês. Mas, ao atravessar o golfo, o Biscaglia, viajando a 13 nós, ficou para trás.

Quando os piratas atacaram, o barco francês estava duas horas à frente, diz um porta-voz das forças armadas francesas, acrescentando que os franceses não tinham sido designados para proteger o Biscaglia.

O sinal de alerta do capitão avisou os donos do petroleiro e os militares da área. Então o capitão capitulou para os homens armados. "Todos, venham para a ponte e se apresentem", disse ele chamando a tripulação, relembram os tripulantes.

Um deles, Asif Azam Khan, de 28 anos, saiu debaixo do convés com as mãos sobre a cabeça. Os outros tripulantes também saíram de seus esconderijos. Os somalis os levaram para a sala de navegação, onde comeram, sentaram-se e dormiram durante todo o cativeiro, dizem os tripulantes.

Poucos minutos mais tarde, helicópteros franceses e alemães sobrevoaram. Dois somalis apontaram suas armas contra Hanif Kapade, o engenheiro-chefe do navio, e contra o capitão, ambos dentro da sala de navegação. Outros somalis levaram dois tripulantes para o convés com armas apontadas contra eles, sinalizando que atirariam se os helicópteros atacassem, relembra Kapade.

Os helicópteros distraíram os somalis, e os três guardas desarmados, que eram britânicos, aproveitaram para saltar do navio, dizem vários tripulantes. Mais tarde, foram resgatados.

Quando os helicópteros foram embora, os somalis tentaram assegurar à tripulação apavorada que ninguém seria ferido.

"Sem problemas. Queremos só dinheiro, dinheiro, dinheiro", disse um dos piratas, gesticulando como quem conta dinheiro em sua mão, lembra Khan.

Os somalis instruíram a tripulação e dirigir o navio para o sul, dizem os tripulantes. Nos dois dias seguintes, os assaltantes mudaram várias vezes o destino. Finalmente, ancoraram a vários quilômetros de uma praia deserta da Somália.

Christodoulou resolveu agir como intermediário. Para os piratas, ele fingiu ser um empregado de nível médio ajudando seu chefe. Comprou um telefone Motorola e colou o nome "Gus" nele, para não esquecer do pseudônimo que deveria usar.

Dia 4 de dezembro, a nota de resgate chegou por fax, escrita a mão em letras maiúsculas.

Christodoulou não quis revelar quando exatamente pediam de resgate, temendo prejudicar negociações de outros donos de navios. Ele diz que era menos de US$ 10 milhões.

Por fax, marcou horário para conversar por telefone com os sequestradores. Esperou pela ligação num hotel Sheraton ao lado de um advogado e um especialista em pirataria de uma firma de administração de crises.

À noite, o telefone tocou. "É o Gus", falou. "Temos o seu navio", disse uma voz distante em meio a estática, lembra Christodoulou. Era o negociador dos piratas. "Queremos dinheiro para liberar o navio com segurança." Seguiram-se dias de negociações.

Na Índia e em Bangladesh, as famílias dos tripulantes tentavam se adaptar às notícias.

Rashmi Sharma, mãe de Karan Sharma, um tripulante de 20 anos em sua primeira viagem, recebeu a notícia por meio de um funcionário da Ishima International Shipmanagement. A firma de Cingapura dá suporte técnico para navios cargueiros. O funcionário garantiu a ela que Karan estava seguro e sendo alimentado. "Senti faltar o chão", diz Sharma, em hindi.

De Nova Jersey, Christodoulou, avisado de que casos assim podem levar pelo menos 60 dias, fez uma oferta inicial, que não quis revelar. O negociadores somalis levaram a oferta aos piratas, que a recusaram. Christodoulou não arredou pé. Ele fora aconselhado de que os somalis tinham de sentir que estavam extraindo todo o possível dos donos do navio.

No fim de dezembro, as famílias na Índia começavam a se desesperar.

A avó de Karan Sharma, Savitri, de 76 anos, começou uma greve de fome. "Não podia comer nada sabendo que meu Karan estava em grende perigo", disse ela.

Tom Rozycki, relações-públicas de Christodoulou, diz ter chegado à conclusão de era preciso usar uma nova tática para manter as famílias esperançosas - e longe da mídia. Publicidade poderia dar força aos captores e retardar a soltura dos reféns, acreditava ele. Ela também seria um embaraço para a companhia.

Dia 6 de janeiro, no hotel Hyatt Regency perto do aeroporto internacional de Mumbai, Christodoulou se encontrou com famílias dos tripulantes.

Ao ver a avó em greve de fome na primeira fila, ele se ajoelhou ao lado dela e segurou sua mão. "Vovó, seu neto vai ser resgatado. E queremos que ele volte para a família carinhosa e saudável que deixou para trás", disse ele, segundo a senhora Sharma e Christodoulou. Naquela noite, a avó comeu sorvete de morango, lembra o filho dela.

Christodoulou diz que em meados de janeiro resolveu aumentar a oferta. Ele não quis revelar quanto ofereceu, mas disse que foi perto do que julgava ser o que os somalis aceitariam baseado na faixa que especialistas lhe apresentaram, de US$ 700.000 a US$ 3 milhões.

Para levantar o dinheiro, abordou o maior investidor de sua firma, uma private equity americana chamada Regent Private Capital LLC. Lawrence Field, o diretor-gerente da Regent, recusou-se a discutir a conversa que teve com Christodoulou. "A Regent não negocia com terroristas ou piratas ou nenhum tipo de criminoso", disse ele na semana passada.

Christodoulou também ligou para Per Gullestrup, um dinamarquês diretor-presidente da Clipper A/S, um grande concorrente no transporte de químicos. Eles não se conheciam antes que barcos de ambos caíssem nas mãos de piratas somalis.

Christodoulou disse a Gullestrup que estava difícil levantar os fundos. Mais tarde, Gullestrup ligou. "Ficaremos felizes em adiantar o dinheiro, se for preciso", disse ele. Essa promessa permitiu que Christodoulou garantisse um empréstimo para esse fim.

Christodoulou aumentou levemente a oferta, diz ele, e avisou ao negociador: "Você tem 24 horas para aceitar esta oferta, ou a gente vai ter de retirá-la."

A partir daí, foram 20 telefonemas em 24 horas. No dia seguinte, Christodoulou subiu um pouco, diz ele. Às 12h30 de 16 de janeiro, veio a confirmação: os somalis haviam aceitado a oferta. "Muito obrigado", disse a voz do outro lado da linha, "foi um prazer trabalhar com você neste projeto."

Quinta-feira, 22 de janeiro, uma caixa cheia de notas novas de US$ 100 totalizando mais de US$ 1 milhão foi levada por um avião para ser jogada no golfo.

A tripulação do Biscaglia, de cara lavada e roupas frescas, foi instruída pelos piratas a ficar num compartimento do navio.

Nisso, o piloto jogou a caixa, com paraquedas, no oceano. Os somalis a buscaram com a lancha, levaram-na bordo, contaram e dividiram o dinheiro, então voltaram à sala onde a tripulação esperava.

"Vocês estão livres", disse o chefe dos piratas, em árabe, segundo Khan. "Ninguém será ferido. Estamos indo embora."

E os piratas escaparam.(Fonte: Valor Econômico/Geeta Anand e John W. Miller, The Wall Street Journal, de Mumbai e Bruxelas)

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