Com ajuda de Niemeyer, pedreiro inaugura biblioteca no subúrbio
Espaço criado a partir de desenho do arquiteto será inaugurado sexta (12).
São 55 mil livros reunidos por um sergipano que não foi à escola.
Aluizio Freire
Do G1, no Rio
O traço de Niemeyer que deu origem à obra que vai abrigar mais de 50 mil livros (Foto: Aluizio Freire /G1) Para chegar até Evando dos Santos, na Vila da Penha, no subúrbio da Leopoldina do Rio, basta perguntar: “Onde fica a casa do senhor dos livros?”. Qualquer frentista, camelô, dona de casa ou comerciante sabe onde fica a residência do pedreiro de 48 anos que conseguiu reunir em sua própria casa 55 mil volumes dos mais variados gêneros literários na obstinada saga de levar conhecimento às pessoas.
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A partir de sexta-feira (12), ele ganha novo endereço. Com a presença da escritora Nélida Piñon, será inaugurada no bairro a Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Meneses, um prédio criado a partir de um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar as obras.
O pedreiro Evando diante da biblioteca comunitária Mas não será só isso. Para a alegria dos moradores, principalmente dos jovens da região, além dos vários títulos, reunidos por Evando ao longo de uma década – não recusou nenhuma doação, mesmo tendo que sair de ônibus para trazer um pesado saco com os volumes - o espaço conta agora com auditório, salas de leitura e de aulas para cursos de idiomas como espanhol, italiano, inglês, alemão e francês.
“Já temos 40 alunos, aqui da comunidade, inscritos”, vibra, cheio de novidades para comemorar.
E, dentro de seus planos audaciosos, anuncia mais um. “Quero criar a Faculdade Paulo Mercadante e Antonio Paim para um curso de letras ministrado por professores aposentados”, afirma, corrigindo qualquer expressão que incorra em uma dúvida na realização de mais um sonho.
“Vou conseguir”, diz, taxativo, o homem simples, de chinelos e bermudas, que aprendeu a ler aos 18 anos, quando se converteu a Igreja Batista para entender os salmos da Bíblia. De lá para cá, tornou-se até personagem de romance de um escritor italiano.
Incentivo de Niemeyer
Determinado, faz questão de ressaltar que nada foi fácil nessas apostas consideradas loucas para quem olhava de longe. Hoje, mostra o espaço com orgulho e destaca a conquista do certificado do Ministério da Cultura que lhe permitiu captar recursos para construir a sede da biblioteca, num terreno próximo à sua casa.
Foi assim que conseguiu R$ 651 mil de financiamento do BNDES. O dinheiro chegou depois que Niemeyer, entusiasmado com suas idéias, fez o desenho para incentivá-lo.
“Estava chegando do trabalho quando vi um programa na TV com a participação do Niemeyer. Liguei e a produção me colocou para falar diretamente com ele. Falei da biblioteca e pedi um projeto arquitetônico. Ele prometeu ajudar. Dois anos depois, tudo começou a virar uma realidade”, lembra, emocionado.
Evando contou também com a ajuda de amigos para chegar até o representante do Ministério da Cultura no Rio, Oswaldo Campos Mello, e levar a idéia ao então ministro, Francisco Weffort, que visitou sua casa na Vila da Penha. A partir daí, saiu em campo para atender às exigências legais da doação do Fundo Nacional de Cultura e do registro na Lei Rouanet.
Vizinhos orgulhosos
Até os vizinhos e voluntários se mostram orgulhosos com a inauguração do prédio em declive na Rua Maestro Henrique Vogeler. “Estamos felizes com essa realização”, diz a professora Cláudia Leal, que já se ofereceu para trabalhar e ajudar "no que for possível".
No térreo, com fachada para a rua, ficam os livros. No subsolo, estão as salas de aula e o auditório. “Teremos pelo menos três cursos de línguas. O espanhol por causa do Mercosul e outras para que as pessoas entendam a nossa origem”, explica.
Agora, na modesta casa do pedreiro, onde os corredores e pequenos cômodos estavam abarrotados de livros, haverá mais espaço para sua mulher Maria José Lima, os dois filhos e o cachorro Dody, que por um longo tempo foi o guardião do acervo espalhado também pela varanda e num barracão ao lado do jardim.
Obras raras
Para a nova biblioteca ele já levou as obras raras, como uma edição de Os Lusíadas, de 1805; uma gramática e um dicionário Kibundo-Português, editados em Angola em 1934, Bíblias nessa língua e em guarani, a primeira história do Brasil escrita pelo inglês Robert Southey e editada em Londres em 1810, além de antologias russas, francesas e brasileiras.
Lá, tudo está organizado pelo nome da coleção, assunto, autor e data de publicação. Houve espaço até para uma curiosa 'sala de terapia livresca'. “Aqui as crianças sentem o cheiro do livro, aprendem a apreciar uma obra e relaxam com a compreensão da história”, ensina, falando como um mestre.
Nascido em Aquidabã, no interior de Sergipe, Evando chegou ao Rio aos 27 anos. No fim dos anos 80, começou a trabalhar como pedreiro na urbanização do conjunto de favelas da Maré, em Bonsucesso, quando, incentivado por um amigo, passou a ler, nas horas vagas, obras de Machado de Assis, José de Alencar e Monteiro Lobato.
Evando, que às vezes é chamado de Evandro, já participou do chá da Academia Brasileira de Letras, convidado por Antônio Olinto e Nélida Piñon, e até virou personagem do romance “Un cortile di Parole” do escritor italiano Remo Rapino. “Quando ele ligou e contou a inspiração, que surgiu a partir de uma matéria de jornal na Itália, que ele leu em 2002, nem acreditei. Aliás, mal entendi o que ele falou. Mas foi o suficiente para me deixar orgulhoso. Aida mais que na capa tem a reprodução de uma obra de Tarsila do Amaral”, gaba-se.
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