Mulheres Apenas 5% da população se descreve como negra no RS
Dados são do IBGE. Quando se pensa na mulher gaúcha, a primeira imagem é de uma loira de olhos claros. Como evitar que a mulher negra se sinta intimidada nesse contexto?
"Maria Mulher iniciou suas atividades em 1987, como um grupo de mulheres que se preocupava com a situação das mulheres, das mulheres negras principalmente, porque nem o movimento negro geral, nem o movimento feminista atendia questões específicas da mulher negra”, conta Lúcia Regina Pereira, coordenadora técnica do Maria Mulher.
"É um grupo informativo. É um grupo também de geração de renda, é um grupo de autoestima", completa a assistente social, Maria Teresa de Oliveira Cortes.
"Nós mulheres negras temos toda uma cultura que nos reconhecem como mulheres que têm que dar conta de absolutamente tudo. O nosso papel também é educativo no sentido, gurias, existe isso e isso que vocês podem acessar", diz Eliana Costa Xavier, psicóloga.
O nome oficial é Maria Mulher - organização de mulheres negras. Mas o grupo atende todas as etnias. "Procurei o Maria Mulher num momento em que também estava com depressão, e o Maria Mulher me deu autoestima”, fala Raquel Martinez, dona de casa.
"Foi um acolhimento assim, entrava e chorava, abraçar, sabe, foi uma família assim, que às vezes na tua casa tu não consegue te expressar”, completa Tatiane Kenevitz, dona de casa.
O Maria Mulher tem uma série de parcerias. “Conhecemos a ONG Maria Mulher, e a gente começou cursos de bonecas, trabalhar a questão da etnia, foi muito bom esse curso em si”, fala Cláudia Santos Barbosa, costureira da associação ‘Costurando Arte’.
"Jovens Transformando Vida, é um projeto do Maria Mulher e eu fui convidado pelo Maria Mulher pra fazer uma oficina de vídeo com eles. Dei as ferramentas, que é o conhecimento dos planos gerais, do movimento de câmera, tipos de bitolas, contei a história do cinema, a história da televisão, e depois fiz eles criarem, bolarem uma história”, explica João Luís Bauer, professor de vídeo.
"Esse projeto é o Viva Cidadania, com adolescentes, aqui da comunidade, com o objetivo de trazer uma nova realidade. São meninas em questão de vulnerabilidade social; a proposta é de mostrar, dar um outro olhar assim de vida, de futuro até mesmo”, explana Luana Rangel Martins, psicóloga.
O coral do Cecune é outra organização gaúcha que valoriza a cultura afro. "A sigla significa Centro Ecumênico de Cultura Negra. Nós nascemos em 1987, e com alguns objetivos básicos assim, principalmente de resgate da identidade afro-brasileira. não havia canto coral. Então a gente foi atrás”, diz Susana Marisa Rodrigues Ribeiro, sócio-fundadora do Cecune.
"Começamos a fazer uma certa seleção, cantar músicas que não tivessem, não discriminassem ninguém, e que principalmente não discriminasse a mulher, que valorizasse a mulher A gente quer mostrar a nossa presença, essa pele, a gente quer mostrar a nossa cor. Faltava essa fatia, vamos dizer, do bolo, aqui no Rio Grande do Sul, e a gente veio para preencher essa lacuna”, diz Jorge de Souza, cantor.
"O figurino, é muito importante dizer em primeiro lugar, que ele é pensado e feito por mais de uma pessoa, mas sempre trazendo uma idéia de africanidade, costurado com a nossa brasilidade. Esse que eu estou, por exemplo, é uma mistura do figurino africano, que é o kafta, com o poncho, que é uma coisa tradicionalmente gaúcha”, comenta a cantora e artesã, Vera Regina Silva da Silva.
Grupos organizados revalorizam o papel da mulher negra na sociedade
Acesso à educação é importante nessa luta. ONG oferece projetos de capacitação de jovens negras para o mercado de trabalho e oficinas.
A aula faz parte das atividades da Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos, que funciona há 20 anos. "É uma casa que luta pelos direitos humanos da raça negra e das mulheres, é uma casa de autoestima, e é uma casa de muita luta, porque a gente pensa em transformar um pouco essa sociedade, e mostrar pra essas pessoas que o racismo não pode ser mais o câncer da sociedade”, explica Alzira Rufino, presidente da Casa de Cultura da Mulher Negra
A ONG tem projetos de capacitação de jovens negras para o mercado de trabalho, uma oficina de culinária e um restaurante com pratos de origem africana. "O restaurante é a maior fonte de renda da Casa de Cultura”, diz a assistente administrativa, Jéssica Félix.
Aulas de costura... "Esse aqui é um colete que é feito aqui na oficina com os alunos. Você está vendo aqui... Cada símbolo desse, cada desenho é uma história, é alguma coisa que está falando, é uma etnia, é uma parte da África que está sendo contada aqui”, comenta a monitora da Casa, Cristiane Gonçalves.
Curso de tranças. "Além delas aprenderem a trançar, eu faço um trabalho de comportamento, como elas devem se comportar, trabalho custo-benefício, quanto elas tem que cobrar”, diz a professora, Margareth Martins.
"Eu gosto muito de mexer com cabelo afro, tanto que o meu, eu mesmo tranço, uso black, então eu queria investir no que eu gosto, no que eu acho bonito, aí eu resolvi fazer o curso, acho que uma semana depois eu já tava trançando, pegava as irmãs, as primas, e eu consigo hoje pagar as minhas contas, o meu aluguel, criar meus filhos com tranças”, relata a cabeleireira, Jaqueline Pereira.
A Casa de Cultura também tem um trabalho de assistência a mulheres vítimas de racismo e de violência doméstica. "É feita uma triagem, e nessa triagem nós verificamos qual que seria a demanda dessa mulher, se seria só orientação jurídica, se seria o atendimento jurídico em si e a necessidade também às vezes de fazer um tratamento psicológico”, explica Tatiana Evangelista Santos, advogada.
"Essa mulher chega aqui espancada, machucada, com os filhos que não tem pra onde ir, e você tem que tomar uma providência, uma providência humana, uma providência jurídica, e tem que tomar uma providência pra resolver o problema dessa mulher”, completa a presidente da Casa.
Na área da educação, capacita professores para o ensino de temas africanos, com a ajuda de uma rica biblioteca. "São 4,2 mil livros e um acervo que eu acredito que a maioria das bibliotecas não tenham é o acervo da tradição oral, que são fitas gravadas, o trabalho do período que nós ficamos no continente africano”, diz Urivani Rodrigues de Carvalho, arte-educadora.
Recebe escolas... "A gente já aprende muita coisa e eu acho que a gente pode aprender uma cultura que a gente não conhece tanto”, fala Larissa Santos, de oito anos. São Paulo, SP
A educação é a base de uma ONG da capital paulista: a Afrobrás. "Afrobrás é sociedade afro-brasileira de desenvolvimento sociocultural, que tem como fundamento trabalhar pela inclusão, pela valorização e pela visibilidade do jovem negro brasileiro nos seus mais variados temas", explica o presidente da ONG, José Vicente.
A ONG começou há treze anos, com um curso preparatório ao vestibular. Depois foi criado o colégio técnico Zumbi dos Palmares... "Trabalhávamos muito com a figura mítica do saci-pererê, e dizíamos, olha, o negro tem dificuldades porque faltaria uma das pernas, que é justamente o acesso à educação, ao mercado de trabalho”, completa o presidente.
Em 2004 começaram as aulas na faculdade Zumbi dos Palmares. Ela não é exclusiva para negros, mas 80% dos alunos são afrodescendentes. As mensalidades são subsidiadas. "É uma forma pra você conhecer um outro tipo de Brasil que é o Brasil negro”, diz Marcos Sampaio de Souza. Vanessa Santos Antonio concorda. "Sem educação não há liberdade, mas sem oportunidade também não há futuro. E eu posso dizer que a faculdade Zumbi dos Palmares me ofereceu."
A ONG também tem um programa de televisão e uma revista. "A gente tinha logo quando começou a faculdade, de ter um veículo de comunicação que mostrasse o negro e que falasse também bem do negro, que mostrasse o negro tendo realizações, o negro profissional de sucesso, um médico, um cirurgião, não só um artista”, fala Francisca Rodrigues, diretora de comunicação da Afrobrás.
A ideia é que, no futuro, todos sejam como Letícia Soares da Conceição, aluna do curso técnico, que diz nunca ter enfrentado dificuldades por ser mulher e negra. "Não, em questão de mercado de trabalho, assim, preconceito, não."
Pesquisas comprovam que mulheres negras trabalham muito, ganham pouco e sofrem discriminação
A condição dos negros no mercado de trabalho sempre foi mais desfavorável. No caso das mulheres negras, elas possuem a maior taxa de desemprego indicando a dificuldade de inserção.
As pesquisas comprovam que ainda hoje, elas trabalham muito, ganham pouco e sofrem discriminação. "Acho que eu fui meio doida. Eu nunca perguntei ‘eu posso fazer isso’; ‘eu vou fazer e vou’. Queria ser atriz... ‘Ah, não tem atriz negra’. Eu nunca liguei porque não tinha atriz negra. Então, eu vou ser uma. Nós temos que fazer isso, se você quer uma coisa, tem que ir em frente, não pode ter medo" – Ruth de Souza, atriz.
"Historicamente, a condição dos negros no mercado de trabalho sempre foi mais desfavorável. No caso das mulheres negras, elas possuem a maior taxa de desemprego indicando a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Quando a gente olha a estrutura de ocupação da mulher negra, a gente percebe que 20% das ocupadas negras, elas estão no trabalho doméstico, aonde a remuneração é menor, as condições de trabalho são mais desfavoráveis” – Patrícia Lino costa, economista do DIEESE.
"Ela sofre discriminação por ser mulher, ela sofre a discriminação por ser negra, e se ela for de uma classe socioeconômica inferior, ainda sofre a discriminação social também” – Tatiana Ferreira Evangelista Santos, advogada.
"Pra mesmo nível de escolaridade ainda a mulher negra recebe menos do que o homem negro, do que a mulher branca, do que o homem branco” – Lúcia Regina Pereira, coordenadora técnica de Maria Mulher.
“Essa situação, ela se repete em todas as regiões onde a gente realiza a pesquisa de emprego e desemprego, a PED, mas que em Salvador é aonde se verifica a maior discriminação. Na Região Metropolitana de Salvador, se a gente considerar o salário médio de um homem branco em torno de mil reais, o salário da mulher negra é 396” – Patrícia Lino Costa.
"Os menores salários, os piores empregos, maior taxa de mortalidade, inclusive na questão das doenças que atingem especificamente a mulher negra, ainda o sistema de saúde não é totalmente preparado pra atender doenças como a questão da anemia falciforme, que atinge só os negros” – Tatiana Ferreira Evangelista Santos.
"O que nós estamos pretendendo é realmente romper com esse ciclo vicioso. A minha mãe negra, ela é excluída, eu sou a filha dela, eu serei excluída. Então, a minha mãe foi, mas eu não serei. Eu vou ingressar na universidade, eu vou estudar, eu vou poder ser uma referência intelectual, a gente tem que ir buscando isso” – Silvana Barbaric, professora de história econômica do negro no Brasil.
"A gente conseguiu avançar, subir alguns degraus, eu, por exemplo, tenho graduação, tenho pós-graduação, tenho mestrado, acho que a mulher negra está se preparando melhor. A gente consegue, é só questão de dar oportunidade” – Francisca Rodrigues – diretora de comunicação da Afrobrás e da faculdade Zumbi dos Palmares.
"É devagar, é com muita força, é com muito empenho, é com muito engajamento, tem que estar muito antenado em tudo. Às vezes, tem até que enfiar o pé na porta mesmo pra conseguir as coisas, porque há uma resistência no subconsciente das pessoas. É mais complicado de você combater o preconceito com isso" – Isabel Filardis, atriz.
"Comprei um apartamento, as pessoas ‘olha, a senhora não pode assinar, quem tem que assinar é sua patroa’. Viajei pro exterior com amigas brancas, e as meninas passavam com a maior tranquilidade. O meu, eles queriam o meu passaporte, viravam de cabeça pra baixo” – Alzira dos Santos Rufino, enfermeira aposentada.
“Eu estou cansada de ficar ouvindo alguém dizer que todas as coisas ruins é coisa de negro, eu não me considero assim. Eu sou eu faço coisas boas na minha vida, então vamos parar com essa história” – Lúcia Regina Pereira, coordenadora técnica de Maria Mulher.
“Ter preconceito de raça, eu acho uma estupidez. Eu reparei também que as pessoas preconceituosas são muito burras. Porque o ser humano é ser humano, tem seus defeitos e seus privilégios, suas belezas, feio, bonito, gordo, magro, feio... Enfim, Deus fez assim o mundo, mas ter preconceito porque o fulano é gordo, porque o beltrano é não sei o que... Eu acho de uma estupidez total” – Ruth de Souza.
Ação Comunitária do Brasil trabalha pelo povo negro há mais de 40 anos
A ONG, que fica no Rio de Janeiro, foi apontada pelo relator da ONU como um exemplo a ser seguido no combate ao racismo.
A Ação Comunitária concentra as atividades no complexo de favelas da Maré e no Conjunto Habitacional de Cidade Alta, na zona norte do Rio. A maioria dos moradores da região é afrodescendente.
"A gente percebeu que nas comunidades que a gente atuava, tinham dois grandes problemas. Um problema de violência doméstica, que as mulheres sofriam constantemente as agressões físicas ou psicológicas; e uma questão de identidade. A gente perguntava qual a sua etnia e aí as pessoas tinham dificuldade de falar assim: eu sou negra. Então falava assim: eu sou marrom bombom, eu sou amarela, eu sou café com leite. Foi quando surgiu esse trabalho muito estreitado com essa relação da afrobrasilidade na nossa instituição”, explica Ana Paula, coordenadora do núcleo de Vila do João.
A ONG mantém bibliotecas, dá reforço escolar para alunos de escolas públicas, realiza atividades de incentivo à leitura e de valorização da cultura africana. "A ação de contar, ele pode ajudar muito a conscientizar as crianças hoje em dia, até mesmo pra ajudar a acabar com os preconceitos, pra eles saberem suas verdadeiras raízes", fala a professora, Carla Ferreira de Almeida.
A organização faz também projetos de responsabilidade ambiental e de qualificação profissional em moda, estética e artesanato. "A mulher, na maioria das vezes negra, precisa, busca através desse trabalho uma oportunidade de gerar renda pra sua família. A maioria delas é a única provedora do lar. Vai muito além da capacitação técnica. É trazer essa elevação de autoestima pra essa mulher. A gente passa muito, trabalha muito a questão do cabelo afro. A mulher negra, ela é bonita do jeito que ela é, o cabelo dela não precisa ser alisado pra ficar bonito", explica a coordenadora de projetos na área de beleza, Mônica Bastos.
Vem aluna até da África. "Eu vim de Angola. O meu objetivo é mesmo só pra fazer o curso. Os angolanos apreciam muito essas tranças, é uma beleza muito bonita. Então fechei o salão, vim pra cá me formar, então, depois de formada, eu vou voltar pro meu país e aí vou trabalhar."
O núcleo de moda tem preocupação com ecologia. “A gente trabalha com tecido natural, tudo em algodão, não tem nada que não seja natural. É cebola, é urucum, genipapo, várias goiabeira, casca de abacate, quer dizer, tudo virou uma tinta. A gente conseguiu transformar, a gente dá essa aula de tie-dye, que é uma prática africana que veio pro Brasil, e nós continuamos aqui, mas com tingimento natural”, diz Maria de Fátima Leopoldina de Souza, coordenadora do núcleo de moda.
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