sexta-feira, 30 de abril de 2010

OPINIÃO

O GLOBO, 19/4/2010


EMERGÊNCIA E ESTRATÉGIA
Baixadas as águas da tragédia que custou a vida de quase três centenas de pessoas e deixou milhares ao desabrigo no Estado do Rio, o poder público ainda está preso a ações emergenciais para minimizar o infortúnio das vítimas das enchentes. É compreensível.

As chuvas do início do mês deixaram um rastro de destruição que, de fato, implica despender esforços de curtíssimo prazo para dar conta do desafio de reparar danos.

Mas, se há muito o que fazer no plano da emergência, que isso não seja a senha para o descuido com outro viés da tragédia — o da necessidade de estabelecer programas estratégicos que, no futuro, preservem a população de dramas evitáveis.

Entre estes, o soterramento de famílias inteiras, vítimas da leniência ou, no extremo oposto da prevaricação, do estímulo de autoridades, somados ao oportunismo daqueles que, de olho em dividendos eleitorais, defendem ocupações em áreas de risco e a favelização como suposta alternativa ao déficit habitacional.

As águas de abril, infelizmente ao custo de vidas, deixaram evidente — por inúmeras vezes denunciado em alertas da imprensa e de especialistas em urbanismo — o tamanho do perigo da ocupação desordenada de morros e outras áreas de risco.O estado sofre, por décadas, com uma falácia cevada pelo populismo fisiológico de governantes que, em vez de criar programas habitacionais e investir em infraestrutura, enveredaram pelo caminho fácil do incentivo à ilegalidade, de retorno político imediato.

Como era previsível, a fatura de tal desapreço pela qualidade de vida de uma parcela considerável da população acabaria chegando mais uma vez. Cabe agora às autoridades contabilizar prejuízos, materiais e em vidas perdidas, e começar a planejar de verdade o futuro urbanístico do Rio.

É incontestável que a remoção de favelas, inchadas ante a complacência do poder público, não pode mais ser termo proibido a governantes. A tragédia deste mês não deixa espaço para novas contemporizações.

Há comunidades inteiras vivendo sob risco, à parte os agravos ao meio ambiente decorrentes da degradação de áreas preserváveis.

A ideia de que esse tipo de ocupação constitui opção a déficits de moradias só está inscrita nas cartilhas daqueles que, no fundo, não querem resolver a sério os problemas habitacionais e tampouco se importam com a qualidade de vida dos que moram em barracos sem as mínimas condições de segurança e salubridade. A estes, interessam apenas os dividendos políticos do fisiologismo.

O combate ao problema pressupõe ações de desfavelização de áreas já ocupadas. É política a ser elaborada urgentemente, para prevenir a repetição do drama atual. Mas tal programa precisa ter substância estratégica.

Às medidas em curso, tópicas em razão da emergência, deve proceder um plano de estímulo à construção de imóveis populares em regiões beneficiadas por intervenções governamentais nas áreas de infraestrutura, transportes e serviços.

Se não, correse o risco de remover por remover, que é o equivalente, como na anedota, a tirar o sofá da sala. Ou vive-se o perigo mais grave de, no futuro, o Rio voltar a chorar a perda de vidas desamparadas pelo poder público e exploradas por demagogos..



OUTRA OPINIÃO:

REMOVER NÃO É SOLUÇÃO

André Fernandes

As Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de 2014, que serão realizadas no Rio de Janeiro, já haviam pautado a remoção de 119 comunidades pela prefeitura. Agora, com a catástrofe das chuvas que abalaram a Cidade Maravilhosa, tal número subiu para 158.

O prefeito Eduardo Paes está com carta branca para promover remoções e “limpar” a cidade para os megaeventos que mobilizarão o Rio. Ocorre que essa já era sua intenção antes das chuvas.

A remoção de pessoas em domicílios que estão em áreas declaradamente de risco é importantíssima, desde que se tenha um plano municipal que não seja imediatista e para inglês ver, já que existe uma grande preocupação, neste período eleitoral em que vivemos, de maquiar a realidade e fazer com que a sociedade carioca esteja do lado do comando do poder público municipal, que pretende se perpetuar em outras esferas.

A saída dos gabinetes com o objetivo de estar ao lado dos que estão sofrendo sem um teto, tendo perdido seus bens e ficado reduzidos a quase menos que nada, deveria fazer com que todos que ocupam uma função dentro das esferas de poder entendessem a necessidade de manter esse enorme contingente de desabrigados

informados, sabendo o que vai acontecer com suas vidas e as de seus parentes.

Quem já se imaginou com sua família, tendo perdido a casa, morando em um colégio ou uma igreja e ainda sem informação do que vai acontecer? Como essas pessoas que já perderam tudo estão sendo tratadas? Todos que moram em uma comunidade, apesar das dificuldades, têm vínculos familiares, de amizade, sabem como fazer para ir para o trabalho e têm filhos que estudam perto de onde moravam. E agora? Vão para onde? Removê-los é a solução? Quem sabe, melhor seria revitalizar a comunidade.

Neste momento crítico entendemos que existe uma necessidade de respostas do poder público. Porém, apenas dizer que serão construídas três mil casas para os desabrigados, em Triagem, não parece o mais razoável.

Afinal, quem conhece o Rio de Janeiro sabe que esses bairros populosos carecem de infraestrutura até mesmo para comportar a população que lá reside, quanto mais para receber tamanha quantidade de novos moradores.

Reforço aqui que não sou contra que se retire as pessoas que estão em áreas em que suas vidas corram perigo, porém, quando se fala em “remoção”, uma palavra que quase se tornou esquecida e que assusta a população da favela, não se pode ser leviano sem apresentar claramente todos os fatos, propor soluções — e que essas sejam as melhores para aqueles que estão diretamente envolvidos.

Ampliar o debate para continuar ouvindo a opinião pública e principalmente os mais afetados, no caso os moradores das favelas, que foram os que mais sofreram e tiveram perdas com as chuvas, é de fundamental importância.

André Fernandes é jornalista e diretor da Agência de Notícias das Favelas.



Outra matéria:
O GLOBO, 18/4/10
Áreas de risco um dia voltam a ser ocupadas

Repetição de tragédias mostra que remoção nem sempre tem efeito duradouro. Geo-Rio quer satélite para impedir novas invasões

Elenilce Bottari

O que têm em comum favelas como Rio das Pedras, Cidade de Deus, Prazeres, Rocinha, Borel, Macaco, Formiga e Turano? Todas sofreram com deslizamentos ou enchentes, foram consideradas áreas de risco, tiveram remoções e, décadas depois, são cenários das mesmas tragédias.

É o caso do Morro dos Prazeres, onde parte dos moradores foi removida nas enchentes de 1966 para a Cidade de Deus.

Agora, após a morte de 31 pessoas no deslizamento do último dia 6, o prefeito Eduardo Paes anunciou a remoção da favela, junto com outras cinco comunidades também condenadas.

Entre as causas dessa dor recorrente está a falta de fiscalização sistemática de encostas e leitos de rios. Responsável por mais um mapeamento emergencial de riscos nos maciços da cidade, o presidente da Geo-Rio, Márcio Mendonça, pretende desenvolver, no mesmo período, um sistema de monitoramento de encostas para evitar a reincidência da ocupação irregular: — Vamos propor a criação de um sistema de controle por satélite para fiscalizar de forma sistemática essas encostas e possibilitar a realização de ações pontuais e rápidas para impedir novas invasões.

Com uma equipe de 45 engenheiros, a Geo-Rio é responsável pela vistoria das encostas da cidade, que tem no Maciço da Tijuca a maior concentração de favelas.

São cerca de 240, distribuídas em 35 milhões de metros quadrados de montanhas, incluindo morros que vão desde o Pai João, no Itanhangá, passando por Rocinha e Vidigal, em São Conrado, até o Morro São João, no Engenho Novo. Das 924 ocorrências dos dias 5 e 6 passados, 567 (62%) foram nas encostas do Maciço da Tijuca. Ali, no Sumaré, também foi registrado o maior índice pluviométrico da história: 356mm, quase o triplo da média do Rio (96mm).

Mesmo reconhecendo que o trabalho da fundação tem sido chover no molhado, uma vez que as áreas atingidas voltam a ser ocupadas, Mendonça acredita em mudanças: — O prefeito Eduardo Paes vem demonstrando firmeza na remoção de populações de áreas de risco, sejam elas quais forem. Tanto que já vínhamos trabalhando com a Secretaria da Ordem Pública para a demolição de casas apontadas em vistorias da Geo-Rio. E isso eu ainda não tinha visto aqui, em mais de 20 anos de trabalho.

Segundo ele, o novo mapeamento se concentrará no Maciço da Tijuca, mas depois deverá seguir para o Maciço da Pedra Branca, onde a Geo-Rio vem identificando crescimento de favelas.

A geóloga Ana Luíza Coelho Netto, do Instituto de Geociências da UFRJ, que acompanha desde 1996 a clareira aberta pelas chuvas na Vista Chinesa, alerta que, após um deslizamento, a área no entorno fica sob maior risco, porque aumenta também a erosão: — Estamos monitorando uma das clareiras abertas pelas chuvas de 1996 na Vista Chinesa, e a erosão é de uma tonelada por hectare ao ano. Ou seja, a erosão superficial provocada pela clareira ainda é muito elevada e os sedimentos seguem para os canais de drenagem, que vão assoreando as bacias, aumentando os riscos de enchentes.

Moradores preferem obras a deixar suas casas Mesmo sofrendo com os deslizamentos e enchentes, moradores das comunidades mais atingidas não querem deixar suas casas. Eles defendem a realização de obras que garantam sua permanência no local. É o caso do Morro dos Prazeres.

— Nós não somos a favor da remoção total. Sofremos muito com as enchentes de 1966, 1988 e 1996. Mas, com as obras do FavelaBairro, a situação melhorou muito.

A parte que caiu foi a que não teve obras — diz o presidente da Associação de Moradores de Favelas de Santa Teresa, Flávio Minervino.

Além dos Prazeres, a prefeitura anunciou a remoção total das favelas do Escondidinho (na parte baixa dos Prazeres), Estradinha (acima do Cemitério São João Batista), Urubu, Fogueteiro, o setor Pedacinho do Céu, do complexo do Turano, e o Laboriaux, da Rocinha.

Líder comunitária do Fogueteiro, Cíntia Paulo Luma protestou contra o que considerou uma decisão precipitada e sem respaldo técnico: — O engenheiro da Geo-Rio veio aqui, olhou superficialmente e condenou tudo. Mas as pessoas que perderam suas casas continuam nas escolas e ainda não receberam o cheque (do aluguel social).

Vice-presidente da União PróMelhoramentos da Rocinha, Raymundo Lima também é contra a remoção do Laboriaux.

— Já vimos esse filme em outros deslizamentos e nada aconteceu depois.

Precisamos de obras de drenagem e contenção de encostas, e não simplesmente sair da comunidade.

De acordo com o relatório da Geo-Rio entregue ao Ministério Público pelo prefeito Eduardo Paes, no Laboriaux, “além das condicionantes geológicas desfavoráveis, que tornam o local inadequado para uma ocupação desse tipo, o avanço da favelização tem representado um desequilíbrio nas condições geotécnicas e ambientais da encosta”.



Outra matéria:

FOLHA DE S. PAULO, 19/4/10

ENTREVISTA

BERNARDO SECCHI
Ideia de acabar com as favelas foi uma ilusão modernista

Urbanista italiano visitou a favela de Paraisópolis e diz não achar possível transformá-la em um bairro normal

Mario Cesar Carvalho

Vinicius Queiroz Galvão

As favelas se tornaram um fenômeno tão onipresente que é impossível acabar com elas. "Não temos tempo, meios nem dinheiro para fazer isso", disse à Folha o italiano Bernardo Secchi, 75, um dos urbanistas mais renomados do mundo.

Secchi é um dos dez urbanistas convidados pelo presidente francês Nicolas Sarkozy para pensar a Paris de 2030. Fez também planos para Madri, Roma e Londres.

A ideia de acabar com as favelas foi uma ilusão modernista, segundo ele. "Temos de partir da cidade que existia antes da modernidade, quando as cidades eram mais diversificadas", explicou numa conferência em São Paulo para 450 pessoas, na semana passada.

A convite da Prefeitura de São Paulo, Secchi visitou a favela de Paraisópolis, alvo de um plano de urbanização e de construção de moradias que envolve sete arquitetos. Elogiou o projeto, mas criticou os prédios públicos (pela falta de "majestade", qualidade essencial a esse tipo de construção).

Outro problema de Paraisópolis e das favelas brasileiras, segundo ele, é similar aos encontrados na periferia de Paris -elas ficam isoladas da cidade.

FAVELAS

Estimativas de 2003 mostram que 1 bilhão de pessoas no mundo estejam morando em favelas. Hoje são muito mais. Não há programas sociais que possam mudar essa situação. Visitei Paraisópolis e fiquei chocado porque estão fazendo muitos projetos que estão avançando na hipótese de que essa favela possa se transformar em um bairro normal, moderno. Acho que não é possível. Não temos dinheiro, meios nem tempo para fazer isso.

ESPAÇO PÚBLICO

Em todo lugar do mundo a experiência mostra que, melhorando os espaços públicos, as coisas mudam. O que vi hoje é importante, como escolas, creches e esportes. Aquelas pessoas não são tão pobres assim. Se os ajudarmos a melhorar a situação em que vivem, elas conseguem. A arquitetura tem de fazer algumas sugestões claras, mas, se quisermos mudar radicalmente todas as favelas, não teremos sucesso.

BRASÍLIA

É um dos projetos mais importantes do século 20. A utopia é típica da cultura ocidental, é a capacidade de imaginar o futuro. Depois da Segunda Guerra, ninguém na Europa era capaz de produzir pensamentos utópicos. Só os países que alcançavam a liberdade, como o Brasil e a Índia, tiveram a capacidade de pensar utopicamente. A ideia de repetir os ministérios e culminar na praça é a afirmação do poder do Estado.

BRASÍLIA NO FUTURO

Uma cidade precisa de muitos anos para se tornar real. Siena, Roma, Milão têm séculos. Brasília pode ser tornar isso um dia. No futuro, será uma cidade diferente. As pessoas usam os espaços e os modificam.

CRACOLÂNDIA

Isso ocorre em todos os lugares. Em Dublin [Irlanda], no final do século 19, o equivalente à palavra favela surgiu para designar uma dessas áreas abandonadas. Trabalhei em Antuérpia [Bélgica], que tem regiões maravilhosas abandonadas. Conseguimos recuperá-las, mas não só com biblioteca ou centros culturais. Depois de Bilbao, com o museu Guggenheim, todos achavam, sobretudo no mundo político, que seria suficiente colocar um museu para melhorar uma região. E isso não é verdade. Não temos dinheiro para transformar tudo. Temos de resolvê-los passo a passo. Em Antuérpia, há muitos jovens que querem morar no centro. E precisam ser livres para organizar suas moradias do jeito que querem. Com os jovens e famílias que foram ao centro de Antuérpia, o movimento mudou. E outras pessoas viram que, se eles podiam fazer, elas também podiam.

PARIS DO FUTURO

Fui escolhido por Sarkozy [para pensar o urbanismo de Paris de 2030]. Um modelo perfeito não existe, mas há maneiras de melhorar a situação. O maior problema da Grande Paris está nos subúrbios. Paris tem 12 milhões de pessoas, a maioria vivendo fora da cidade. Fui morar nos "banlieues" para ter a experiência. As pessoas que moram lá têm suas referências do que é relevante para elas, o que não é uma mesquita, uma catedral, um monumento, pode ser um mercado.

BARREIRAS DE PARIS

As áreas em que os pobres moram em Paris estão sempre encravadas e é impossível entrar nelas e sair de lá. São barreiras. Descobri que o deslocamento era o maior problema. Os espaços verdes não são usados para aumentar a sociabilidade, mas para separar. Há uma tensão social por lá. Então propus um projeto que modificava a estrutura da Grande Paris para que todos pudessem ir ao centro da cidade. Não é a hora de colocar um grande arquiteto em Paris. É hora de construir um suporte, como Lúcio Costa fez em Brasília.

PROBLEMA SOCIAL

Os moradores dos "banlieues" são imigrantes ou filhos de imigrantes. Muitos não se sentem franceses, e os próprios franceses não os veem assim. É um problema social. Não dá para resolver todos os problemas com soluções da arquitetura ou do urbanismo. É preciso políticas sociais, como os modernistas acreditavam. O urbanismo e a arquitetura podem acompanhar políticas sociais. Precisamos de macropolíticas e não só uma política isolada. O que mais ouvimos dos jovens é que procuram emprego, conseguem a vaga e, quando dizem que moram nos distritos distantes, são recusados.

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