quinta-feira, 29 de maio de 2008

Sistema prisional

Sistema prisional vive colapso

BRASÍLIA - O Brasil tem hoje 423 mil detentos nos seus presídios, quase 50 mil a mais que os 373 mil existentes em janeiro de 2007, segundo dados do Ministério da Justiça. O número de encarcerados quase dobrou em relação aos 217 mil verificados no início da década. A cada dia, entram cerca de 200 presos a mais do que os que saem das 1.150 prisões espalhadas no País.

Apesar dos elevados investimentos na construção de novos presídios, o déficit não pára de crescer. Faltam 143 mil vagas na contagem oficial, mas se for levado em conta o sub-registro, o déficit estimado é de 185 mil vagas. Esse quadro decorre, segundo especialistas, da combinação de três fatores: O brasileiro está delinqüindo mais, a ação repressiva da polícia está mais eficiente e a justiça, apesar de ainda lenta, condena cada vez mais pessoas ao cárcere, muitas vezes sem necessidade, por crimes de baixo teor ofensivo.

"Estamos enxugando gelo", constatou o diretor Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne, que defende uma mudança radical no modelo de segurança pública do País para evitar o colapso total do sistema. A situação carcerária do Brasil é ainda mais grave do que os números oficiais apontam.

O número registrado de vagas no sistema é de 275.194, nos presídios e delegacias, onde detentos se amontoam como animais em celas imundas, muitas delas comparadas a masmorras medievais.

O déficit, de 147.396 vagas que aparece na planilha do governo, está subestimado devido ao sub-registro de presos em vários estados. É o caso do Paraná, que escondeu mais de 4 mil presos no formulário estatístico do último censo penitenciário.

"Há vários estados nessa situação e estou cobrando explicações aos governos", disse Kuehne. Conforme estima o diretor, 40% do total de presos (cerca de 170 mil) são provisórios e pelo menos 30% destes (50 mil) deverão ser soltos - por falta de provas - ou condenados a penas alternativas devido ao baixo teor ofensivo de seus delitos.

Outros 422,5 mil brasileiros cumprem penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade. Um deles é o ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira, o primeiro réu punido por envolvimento no escândalo do mensalão. Para o diretor do Depen, se o Brasil tivesse uma defensoria pública eficiente e uma justiça mais aparelhada, outros detentos estariam livres ou cumprindo regime diferente de pena.

A taxa de encarceramento no Brasil é de 225 presos para cada grupo de 100 mil habitantes. Há, em todo o País, drásticas carências nos juizados de execução penal, um dos principais fatores do abarrotamento do sistema. Mas a situação brasileira está em parte mascarada pela elevada quantidade de mandados de prisão não cumpridos pela polícia.

Em janeiro, conforme o Ministério da Justiça, existiam mais de 550 mil ordens de prisão em aberto, algumas delas há anos. Caso essas prisões fossem efetuadas, a taxa brasileira mais do que duplicaria. Os dados, segundo Kuehne, confirmam que a criminalidade está crescendo no País e sinalizam a necessidade de medidas urgentes para conter a tendência.

"Não adianta só reprimir e fazer mais cadeias, não há dinheiro que chegue", observou. Ele disse que o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Paonasci), lançado no final do ano passado, tem foco na prevenção e trará efeitos extraordinários para o sistema, mas só a médio e longo prazos.
Mulheres

Chama a atenção das autoridades o aumento expressivo da delinqüência entre as mulheres brasileiras. No final de 2007, conforme levantamento do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), 5,65% do total de presos do País eram mulheres, taxa duas vezes maior que a verificada no início da década.

Só nos últimos 12 meses, a população prisional feminina aumentou 11,35% em relação ao período anterior, mais que o dobro do crescimento da população carcerária masculina (4,93%). Em conseqüência, o déficit de vagas para mulheres nos presídios (47,67%) já é quase 11% acima do dos homens (36,94%).
Rebeliões

A boa notícia do setor é que o quadro deu um leve sinal de reversão desde 2006, quando o déficit era de mais de 160 mil vagas. Havia 401 mil presos para apenas 240 mil vagas no sistema. Pela primeira vez nas últimas três décadas, em 2007, houve uma oferta de vagas 7,4% maior do que o número de presos que entraram no sistema.

O número de detentos envolvidos em rebelião também caiu de 26 mil em 2006 para 6 mil no ano passado. No mais, as notícias não foram boas. Em 2008, o Depen planeja investir mais de R$ 550 milhões, parte deles via Pronasci, para construir quase 11.750 novas vagas prisionais e torce para que a escalada de criminalidade retroceda no País.

No ano passado, o investimento foi de R$ 134 milhões e criou só 5.349 novas vagas. Outro dado preocupante para as autoridades penitenciárias é a elevada taxa de reincidência dos detentos brasileiros, uma das mais altas do mundo. Pelo último censo do Depen, de cada 10 que são soltos, pelo menos sete voltam para a prisão.

Mais de 250 mil presidiários têm menos de 30 anos de idade. "O sistema penitenciário brasileiro vive uma situação inaceitável do ponto de vista humano, jurídico e do estado democrático de direito", afirmou o ministro da Justiça, Tarso Genro.

Ele garantiu que, esse ano, o Pronasci vai deslanchar nas 12 regiões metropolitanas mais problemáticas do País, entre as quais Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, com ações centradas sobretudo na juventude. Além do incentivo às penas alternativas, o governo também espera contar este ano com mais três medidas para amenizar a superlotação dos presídios.

São elas o monitoramento eletrônico dos presos, a vídeoconferência para interrogatórios e audiências e a remissão de pena pelo estudo. Hoje, a remissão só se dá pelo trabalho, na base de um dia comutado para cada três trabalhados. As propostas aguardam votação no Congresso.

Ao tomar posse, há um mês, como novo presidente do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Gilmar Mendes, também presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), definiu a situação da população carcerária brasileira como um "quadro de vergonha nacional".

Ele disse que o Judiciário deve ao País respostas para essa situação. Mas o Brasil não é exceção. No mundo todo, inclusive nos países desenvolvidos, a criminalidade dá sinais de recrudescimento, segundo estudo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud).

Entre 2002 e 2005, o número de presos cresceu 52% na Espanha, 66% na Irlanda e 102% na Holanda. "O problema é mundial", disse o diretor do Depen, que realizou, no final de abril, o seminário internacional "Sistemas Penitenciários e Direitos Fundamentais", para ajudar o País a enfrentar os gargalos do setor, em parceria com o Ilanud.

"O delito é um fenômeno social e é preciso preveni-lo, não basta aumentar o número de vagas na cadeia", disse o presidente do instituto, Elias Carranza.

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