Assunto: Igualdade numérica
RETRATOS BRASILEIROS
Igualdade numérica
População negra se iguala à branca ainda em 2008, revela estudo do Ipea. A análise também informa que equilíbrio salarial, na melhor das hipóteses, só será alcançado daqui a 32 anos. Acesso à educação cresce
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Renata Mariz
Da equipe do Correio Braziliense - 14/5/2008
O número de negros se igualará ao de brancos no Brasil ainda este ano, pelas projeções do Instituto Brasileiro de Economia Aplicada (Ipea). Estudo elaborado pela entidade e divulgado ontem, em plena comemoração dos 120 anos de abolição da escravatura, mostrou que em 2010 a população negra no Brasil, hoje 49% do total, será maioria absoluta. Entretanto, a desigualdade de renda em relação aos brancos, que ganham 53% a mais atualmente, só deve ter fim — segundo a projeção do Ipea — daqui a 32 anos, ou seja, em 2040.
Para Mário Theodoro, um dos coordenadores do estudo, intitulado Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição, o aumento do número de negros está relacionado a dois fatores. “A taxa de fecundidade da população negra e parda explica parte desse fenômeno. Além disso, há também a valorização maior da cultura afro por parte da sociedade, que leva os negros a se autodeclararem nos censos”, diz Theodoro.
O especialista destaca que nos últimos cinco anos o rendimento da população negra, em média R$ 578,24 per capita, aumentou, com uma tendência a se tornar igual ao do branco, hoje de R$ 1.087,14. Esse crescimento, entretanto, pode ser estagnado em breve. “É a primeira vez que isso ocorre. A explicação está nos programas de transferência de renda. Mas como o Bolsa Família opera no limite, atendendo a quase todos que necessitam, creio que essa curva ascendente deve se estabilizar. A partir de agora, temos que apostar em outras ações”, diz Theodoro.
O estudo aponta que as estatísticas de acesso à educação, maior bandeira defendida pela militância negra, melhoraram. Em 1976, primeiro ano da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad), o número de negros com até 30 anos que tinham concluído o ensino superior não passava de 0,7%, enquanto o de brancos atingia 5% — seis vezes maior. Em 2006, a taxa de negros nos bancos com educação universitária passou para 4,9%. A de brancos subiu para 18% — pouco menos de quatro vezes a mais.
“Verificamos, com esse dado, que as políticas públicas têm proporcionado maior acesso à educação, de forma universal, mas ainda de uma forma desigual, se analisarmos a questão racial. Historicamente, os negros têm menos acesso a ações governamentais” , destaca Theodoro. Por isso, ele defende políticas direcionadas aos negros.
Mesma opinião tem o ministro Edson Santos, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. “O governo não é contra as cotas sociais (para despossuídos) nas universidades, mas entendemos que precisamos de uma ação específica para os negros, por isso defendemos no Estatuto da Igualdade Racial (atualmente em votação no Congresso) as cotas pela raça”, afirma o ministro. Segundo ele, o sistema de reserva de vagas deve ser temporário. “Até que se produza um resultado efetivo de mudança da localização social da população negra”, diz Santos.
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STF recebe manifesto
Fabio Motta/AE
No Rio, manifestantes defenderam a manutenção da política de cotas
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, recebeu ontem militantes da causa negra. Eles pediram apoio da Corte para que seja mantido o sistema de cotas raciais em universidades, hoje presente em 54 instituições de ensino do país (beneficiando 138 mil alunos) e questionado por uma ação de inconstitucionalida de. “A cota é um projeto para transformar o Brasil em um espaço de solidariedade, de justiça e de inclusão”, afirma o frei franciscano Davi Santos, diretor da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro).
Frei Davi rechaçou a idéia, sustentada na ação, de que o sistema seria um tratamento desigual entre brasileiros. “É justamente o contrário. (As cotas) vêm consertar um Brasil onde 97% do povo nunca teve oportunidade de entrar numa universidade” , ressalta o religioso. Um grupo de estudantes protocolou no STF um documento, com pouco mais de 700 assinaturas, em favor das cotas e da manutenção do ProUni — programa do governo federal que reserva vagas para estudantes da rede pública e minorias em instituições privadas e que também é alvo de outra ação de inconstitucionalida de no STF.
Coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília, Nelson Inocêncio aponta a falta de consenso dentro do governo federal em relação à ação afirmativa nas universidades como a principal barreira para a implementação do sistema. No Rio de Janeiro, estudantes foram às ruas defender as cotas. Com cartazes, apitos e narizes de palhaço, reivindicavam mais investimentos para a população negra. Frases como “A princesa não é santa” e “Os pretos continuam morrendo… nas favelas” estampavam os cartazes. (RM)
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“Da senzala para a favela”
Um mapa da localização geográfica dos negros no país, feito a pedido da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), mostra que a ocupação atual da população afrodescendente remonta ao período de colonização do Brasil. É alta a concentração de negros em cidades onde havia portos que recebiam os escravos vindos de navios da África, tais como São Luís (MA), Salvador (BA), Recife (PE) e Rio de Janeiro. O levantamento foi elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base nos dados do Censo de 2000.
As cidades da Região Sul apresentam baixa concentração de negros. Para se ter idéia, em Porto Alegre (RS), apenas cerca de 15% da população são negros e pardos. O índice, na cidade de Salvador (BA), é de quase 80%. A pesquisa, de acordo com o ministro Edson Santos, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, será entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para subsidiar a implementação de políticas públicas.
Cobrança
No dia em que a abolição do regime escravocrata no país completou 120 anos, Santos destacou o engajamento popular que culminou na assinatura da Lei Áurea. Mas ressaltou a histórica falta de políticas para assegurar a igualdade racial no Brasil. “Foi uma das mais belas lutas ocorridas no país. Faltou, porém, medidas posteriores de cidadania para a população negra. O negro deixou a senzala para morar na favela”, lamentou o ministro, com dureza.
O estudo encomendado pela Seppir mostra que a introdução dos negros nos locais onde estão até hoje foi traçada pelos diferentes ciclos econômicos que marcaram a Colônia e o Império. Revela, por exemplo, que a cultura levou os escravos à Zona da Mata nordestina e ao Recôncavo Baiano.
Já no Maranhão, Piauí e Ceará, a lavoura de algodão e as companhias de comércio foram as responsáveis por garantir a chegada e exploração dos negros. Os ciclos de mineração e café em Minas Gerais e São Paulo, por sua vez, muito dependentes da mão-de-obra escrava, explicam a enorme quantidade de negros que tanto influenciaram a história dos dois estados. (RM)
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