quarta-feira, 28 de julho de 2010

Brasil e a realidade do aparthad no acesso a justiça

25/07/2010 10h16 - Atualizado em 25/07/2010 11h43
Guardas-civis denunciam pressão para retirar mendigos do Centro de SP
Programa da Prefeitura prevê retirada de pessoas em situação de rua.
Guardas temem punição por não cumprir ordem da SMSU.

Marcelo Mora Do G1 SP

Cópia de levantamento feito para o Programa de Recuperação e Controle do Espaço
Público, de novembro de 2009, da Secretaria Municipal de Segurança Urbana; data
está errada (Foto: Reprodução/G1)
Um programa da Prefeitura de São Paulo que prevê a recuperação do Centro e, para
isso, a retirada de moradores de rua do local tem causado atrito com
guardas-civis metropolitanos, encarregados da função. Eles relatam que não são
acompanhados por agentes da Secretaria Municipal da Assistência Social nem da
Secretaria Municipal da Saúde e que, por isso, não têm retirado nas madrugadas
os mendigos de pontos históricos da cidade, como a Praça da Sé e as ruas no
entorno, como as ruas Direita e 15 de Novembro, e a Praça João Mendes.
Sem realizar o trabalho, eles denunciam estar sendo pressionados, com a ameaça,
inclusive, de punições. O G1 teve acesso a cópias de um documento e de e-mails
trocados entre o comando da Guarda Civil Metropolitana, a Corregedoria Geral da
Guarda e a Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), que demonstram a
intenção de punir os guardas-civis por “transgressões disciplinares”.
A ordem para a retirada dos moradores de rua é uma das medidas do Programa de
Recuperação e Controle do Espaço Público, uma ordem interna (006/2009) expedida
pela SMSU em 9 de novembro de 2009. Diante da recusa dos guardas-civis em
cumpri-la, a SMSU, por meio de sua Divisão Técnica de Acompanhamento e Avaliação
(DTAA), elaborou na noite de 14 de julho e na madrugada de 15 de julho um
levantamento dos pontos onde havia mendigos e que se encontravam próximos a
equipes da Guarda Civil Metropolitana.
O G1 enviou, por mensagem eletrônica, na tarde de quarta (21), uma série de
questionamentos à assessoria de imprensa da SMSU para obter maiores
esclarecimentos sobre o programa e sobre as denúncias feitas pelos guardas. A
resposta da secretaria, também por meio de mensagem eletrônica, limitou-se a
esclarecer que "a corporação (GCM) atua como apoio à rede de proteção e tem,
entre suas atribuições legais, a função de contribuir para evitar que pessoas
fiquem em situação de risco, em locais impróprios para sua saúde e integridade
física, orientando-os e encaminhando-os para atendimento especializado".
Além disso, informou que os “efetivos da GCM são periodicamente submetidos a
treinamento visando orientar a abordagem e o apoio aos agentes da Secretaria
Municipal de Assistência Social, da Secretaria da Saúde e conselheiros
tutelares”. A secretaria ressaltou ainda que o guarda-civil “age sempre na
proteção e não na repressão, observando os preceitos do respeito aos direitos
humanos”.
O Ministério Público de São Paulo, por meio de sua assessoria de imprensa,
informou, por sua vez, que a remoção e o atendimento prestado aos moradores de
rua da região central e de outras da capital por parte da Prefeitura já são
alvos de dois inquéritos, que estão em fase de coleta de informações.
O documento ao qual o G1 teve acesso traz informações detalhadas, como os nomes
das ruas e praças, com as respectivas referências, e com fotos anexadas dos
moradores de rua e o horário onde as “irregularidades” foram observadas. No
levantamento, consta o item “Fatores que interferem na sensação de segurança”.
Os fatores são: “Pessoas em situação de rua (criança)”, “Pessoas em situação de
rua (aparentemente adolescente)”, “Pessoas em situação de rua”, “Vendedores
ambulantes” (veja reprodução abaixo).
Levamentamento aponta os fatoresque interferem na sensação de segurança;
"pessoas em situação de rua" e "vendedores ambulantes" (Foto: Reprodução/G1)
De acordo com o levantamento, os inspetores do DTAA constataram que na Praça da
Sé (esquinas da Rua Direita e Barão de Paranapiacaba), às 20h27, havia duas
pessoas em situação de rua; às 0h21, já eram oito; e às 4h26, foram registradas
nove pessoas em situação de rua e dois vendedores ambulantes (confira na
reprodução abaixo). Foram feitas várias fotos nos três horários distintos.
Levantamento do dia 15 de julho constatou a presença de pessoas em situação de
rua na Rua Direita e Rua Barão de Paranapiacaba (Foto: Reprodução/G1)
Ao todo, foram vistoriados 19 pontos diferentes do Centro da cidade, sempre em
três horários distintos. Em alguns deles, havia base comunitária da GCM, como a
que fica no Marco Zero da Praça da Sé, ou carros da corporação ou da Polícia
Militar. O documento conclui (tópico 3) que “não foi observada a presença de
GCM’s (guardas-civis metropolitanos) abordando/orientando pessoas em situações
de rua” (confira na reprodução abaixo).
Levantamento feito pelo DTAA da SMSU aponta que guardas-civis não foram vistos
abordando as "pessoas em situação de rua" na madrugada do dia 15 de Julho na
região da Sé (Foto: Reprodução/G1)
Junto com o levantamento feito pelo DTAA, foi anexada a escala dos guardas-civis
que estavam de plantão naquela data, com os respectivos horários e locais de
abrangência onde deveriam atuar. O documento, com todas essas informações e as
fotos (veja exemplo abaixo), foi encaminhado por mensagem eletrônica ao
corregedor-geral da Guarda Civil Metropolitana, José Augusto Rodrigues Alves
Suto, às 8h54 do dia 15 de julho.
Fotos de moradores de rua, com a data, o horário e o local, foram anexadas ao
levantamento feito pela DTAA (Foto: Reprodução/G1)
Segundo a assessoria de imprensa da SMSU, o corregedor da GCM está de férias
desde o dia 12 de julho e só deverá retornar às suas funções no próximo dia 27.
O próprio corregedor então repassou o estudo por e-mail, às 9h44, ao secretário
Edsom Ortega (Segurança Urbana) e a Inspetores Chefes de Agrupamento (ICAs).
No mesmo dia, às 10h53, um dos inspetores encaminhou, também por e-mail, a
avaliação do DTAA a um Inspetor Chefe Regional (IRC), com uma série de
questionamentos e considerações sobre a atuação dos guardas-civis. De acordo com
o ICA, “a avaliação mostra diversos problemas que merecem ação dos GCMs
escalados”. Em seguida, ele pede para seja informado, caso a caso:
1 – Quem era o inspetor, graduado ou GCM responsável pelo policiamento na praça;
2 – Quem eram os GCMs responsáveis por cada setor com irregularidade;
3 – Quais as providências foram adotadas (nº de abordagens, de encaminhamentos
de solicitações a Cetel, de solicitações a SMADS etc.)
4 – Quais as dificuldades encontradas e quais as providências adotadas;
5 – Constatou-se transgressões disciplinares? Quais providências foram adotadas”
Este último questionamento refere-se, segundo os guardas-civis ouvidos pelo G1,
à atuação deles no cumprimento das ordens de retirada dos moradores. Por não
cumpri-las, os guardas-civis podem ser punidos com suspensões. Com base na
escala do plantão, é possível saber qual era responsável por determinada área
naquela data (confira reprodução abaixo).
Escala dos guardas-civis de plantão na noite de 14 e madrugada de 15 de julho
foi anexada ao levantamento feito pela DTAA (Foto: Reprodução/G1)
Alguns guardas-civis, sendo que ao menos dois estavam de plantão justamente na
madrugada do dia 15 de julho, quando o levantamento da DTAA foi feito,
conversaram, sob a condição de não terem seus nomes revelados, com o G1 sobre o
assunto. Segundo eles, não há condições para realizar tal tarefa. Muitos dos
moradores de rua têm doenças contagiosas e faltam albergues com vagas para eles
serem levados, dizem.
“Por meio das câmeras instaladas nas praças, o pessoal observa onde tem morador
de rua deitado e nos pede para retirá-lo de lá. Mas a gente aborda a pessoa e
ele se recusa a sair. Vamos retirá-lo à força? Para levar para onde? Essas
pessoas não têm para onde ir, não tem para onde levar.”, argumenta um
guarda-civil.
Em alguns casos, eles são orientados a chamar o serviço denominado Centro de
Atenção Psicossocial (CAPs), também da Prefeitura, e criado para acolher
pacientes com transtornos mentais. “Você liga para o Caps uma, duas, três vezes
e ninguém atende”, reclama um deles.
Um outro guarda-civil conta que chegou a levar, com uma Kombi da corporação,
quatro pessoas que estavam na rua até um albergue de madrugada. “Chegamos lá e
ficamos tocando a campainha. O responsável pelo abrigo demorou um tempão para
atender e disse que não havia vagas. Fomos para outro albergue e aconteceu a
mesma coisa. O zelador do lugar demorou para abrir a porta e também disse que
estava lotado. Tivemos de levá-los de volta para o mesmo lugar. Ao chegar lá,
eles constataram que os plásticos que usavam para tentar se aquecer foram
levados embora. Revoltados, eles nos ofenderam, xingaram”, relata.
Segundo os guardas-civis, até o momento não houve punições porque as informações
coletadas pela DTAA "ainda estão sendo analisadas" pelos inspetores chefes
regionais.
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) afirma que tem atuado de maneira
estratégica oferecendo assistência à população de rua. Segundo a SMS, são 27
equipes da Estratégia Saúde da Família Especial (ESF de Rua) atendendo
especificamente moradores em situação de rua, albergados, encortiçados e outros
aglomerados populacionais de alta vulnerabilidade no centro expandido da
capital. Para os trabalhos na região central, há equipes específicas, segundo a
secretaria, que atuam na Ação Integrada Centro Legal. “Seus agentes, com apoio
dos agentes da Assistência Social, atuam de segunda a segunda, das 9h às 21h,
abordando e convencendo as pessoas com algum agravo à saúde a serem encaminhadas
para um serviço médico. Há uma atenção especial aos usuários de drogas”, informa
a nota. “O trabalho realizado pelos agentes da Saúde e de Assistência Social é
feito com base no bom relacionamento com a população de rua, que é construído ao
longo do tempo a partir da criação de laços de confiança. Qualquer atitude que
comprometa o laço de confiança entre os agentes e a população abordada pode
colocar um trabalho de convencimento de longo prazo em risco”, diz o texto.
A assessoria da Secretaria Municipal da Assistência Social também nega que não
haja apoio para ações dos GCMs. Segundo a pasta, tanto agentes da secretaria
quanto agentes da Secretaria Municipal da Saúde participam desde o início do
programa, em 2009, em parceria com a Guarda Civil. Eles saem em dupla para atuar
nas abordagens.
De acordo com a secretaria, não são verdadeiras as denúncias dos guardas de que
durante a madrugada não há o auxílio devido.
A Secretaria Municipal de Assistência Social informou, inclusive, que foi feito
neste sábado (24) o primeiro mutirão da cidadania do Centro. De acordo com a
pasta, cerca de 40 profissionais ficaram à disposição da população de rua para
colocá-los em contato com os serviços oferecidos pela rede socioassistencial,
como por exemplo, programas de transferência de renda, concessão de benefícios
eventuais, orientação e encaminhamentos à rede de serviços governamentais,
municipais e estaduais, entre outros.


A Agentes da Cidadania pede passagem:
www.agentesdacidadania.org.br

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