terça-feira, 28 de julho de 2009

Argentina: Adolescentes “ni-ni”

Argentina: Adolescentes “ni-ni”
Sex, 24 de Abril de 2009 11:16 Administrador
Por Marcela Valente, da IPS


Buenos Aires, 24/04/2009 – Com apenas 17 anos, Cíntia é mãe de três filhos e está tentando retomar os estudos que abandonou várias vezes por causa engravidar e pelas doenças das crianças. Mas o diretor é céptico. Acredita que quando começar o frio a jovem voltará a desertar. Cíntia* faz parte de um batalhão de adolescentes da Argentina que não estudam nem trabalham. Tampouco procuram emprego. Os sociólogos as chamam de “ni-ni”. São cerca de 7 São cerca de 756 mil jovens entre 15 e 24 anos que estão inativos, dos quais 73% são mulheres.



“Os homens desta faixa etária deixam a escola e costuma ser carne da delinqüência. Mas as meninas ficam em casa, por isso, apesar de maioria, estão invisíveis”, explicou à IPS o sociólogo Guillermo Pérez, coautor da pesquisa “A questão social dos jovens’, realizada através da Universidade Torcuato Di Tella. Na Argentina há 6,4 milhões de jovens entre 15 e 24 anos. Desse total, mais de 2,7 milhões são vulneráveis por sua condição sócio-econômica ou pela situação familiar. Neste grupo estão os jovens ni-ni e o grosso do setor é formado por meninas que quase não se deixam ver.

Para Pérez, a maioria destas jovens provém “de lares monoparentais, de chefia feminina”. Quando a mãe abandona as tarefas domésticas para se dedicar ao mercado de trabalho, as jovens devem deixar a escola e assumir a organização da casa e o cuidado dos irmãos menores. Mas também há questões pessoais que precipitam o abandono dos estudos. O fator que mais se repete é a gravidez. Nesse contexto, a deserção escolar, que no caso dos homens os empurra para a busca de um emprego precário, no das mulheres as restringe ao âmbito doméstico e as condena a um limbo de inatividade e resignação.

Pérez afirma que as políticas públicas para jovens, que procuram fornecer apoio na forma de bolsas ou capacitação, não chegam a este setor especifico. “Aqui falta prevenir a gravidez e evitar a deserção escolar”, destacou. Uma vez que deixam a escola é difícil atraí-las novamente. “Não tem muita vontade”, disse. Em conversa com a IPS, Lourdes Dorronsoro, trabalhadora social da organização não-governamental Cimientos, confirmou que as adolescentes abandonam a escola após terem o primeiro filho, ou porque devem cuidar dos irmãos menores quando os pais conseguem uma “changa” (trabalho temporário).

Cimientos desenvolve programas para a inclusão através de bolsas e apoio escolar. Sua tarefa atinge 33 mil adolescentes de todo o país. Um dos programas onde trabalha Dorronsoro é o de Retenção e Reingresso, que atua com 200 jovens que deixaram os estudos ou que têm mais de 70 faltas. Este programa acontece em quatro escolas da localidade de Berazategui, um dos subúrbios de Buenos Aires. Dos 200 jovens envolvidos, metade é de mulheres, e destas 17 abandonaram em 2007 devido ao nascimento do primeiro filho, informa a assistente. Apenas duas conseguiram voltar à escola este ano após serem mães.

Nas pesquisas de Pérez, feitas junto com Mariel Romero, se manifesta entre as jovens um déficit de desejo. “Não há projeto. Não há esperança. Não há futuro. O presente é tão adverso, com tantas necessidades não satisfeitas, que não há lugar para o desejo ou uma meta a ser alcançada”, diz o informe.

Cíntia conta sua história

Muito desse desânimo se observa por trás do sorriso ingênuo de Cíntia durante a entrevista à IPS. A jovem ficou grávida pela primeira vez aos 13 anos, mas não se deu conta disso até os sétimo mês. “Eu só tinha fome e sono, e minha mãe dizia que estava gorda, que precisava ir a uma nutricionista”, contou rindo. No mês do nascimento de sua menina, o pai, um adolescente de 18 anos, foi embora. “Quis me bater”, recordou, mas não esclareceu se o jovem a deixou, ou se ela ou seus pais o puseram para fora. Ele não voltou a ter contato com a filha, que vai completar quatro anos. “Sei que teve outros dois filhos e agora foi preso por roubo”, contou Cíntia.

De acordo com a investigação, que se baseia em centenas de entrevistas, as jovens “vivem em um matriarcado. São quase todas mulheres abandonadas”. Por sua vez, os homens não incluíram os filhos no desenho da família. “Os filhos ficam como propriedade das mulheres”, conclui o estudo. Apesar de ter 13 anos e um bebê, Cíntia tentou voltar a estudar, mas a menina ficava doente seguidamente, foi preciso interná-la, e a jovem perdeu a regularidade. Mais tarde voltou ter um companheiro, desta vez um homem 20 anos mais velho. Voltou a estudar, mas engravidou novamente. Outra menina nasceu e Cíntia abandonou novamente a escola.

Houve uma terceira gravidez, outro filho e novas tentativas de retomar os estudos. Mas, com se fosse um jogo em que Cíntia apenas volta o pião nas casas. O diretor da escola noturna, que não quis dar seu nome, disse à IPS que as jovens com filhos abandonam uma vez e outra vez. Ele permite que levem os filhos para a sala de aula, que brinquem nos corredores, e nunca as expulsa. Vão embora sozinhas. Com o tempo retornam porque a necessidade pode mais. A expectativa de Cíntia, por exemplo, é terminar os estudos e conseguir trabalho.

Ela se ilude com um emprego na limpeza de alguma das mais conhecidas redes de fast food, um recurso muito à mão para jovens de setores populares. Mas até isso parece uma ambição desmedida. “Sem o diploma e com três filhos é impossível que me chamem. Se tivesse apenas um seria mais fácil”, admitiu. Para a trabalhadora social, “a visão de futuro destas jovens é difícil”, sejam mulheres ou homens. “Dizem que vão à escola para ser alguém, mas nós trabalhamos muito para entenderem que já são alguém e que a escola lhes dá uma ferramenta para construírem um futuro”, afirmou Lourdes Dorronsoro.

Cíntia buscou assistência em diversos órgãos do Estado, mas não teve sorte. Depois de ter sua primeira filha foi com a mãe pedir à ginecologista que lhe colocasse um dispositivo intra-uterino (DIU) para não engravidar de novo. Mas a médica a desaconselhou porque era muito criança, e recomendou pílulas anticoncepcionais, menos seguras. Após a segunda gravidez a jovem voltou à médica e recebeu a mesma resposta. “Receitavam pílulas que são usadas quando se está amamentando, mas não são efetivas”, disse. Apenas depois do terceiro filho a médica concordou em prescrever o DIU, finalmente colocado.

Com seu atual companheiro está desempregado, Cíntia tentou conseguir um subsidio para a família, mas foi negado por ela “ser menor de idade”. Buscou entre os programas para jovens com empreendimentos e não havia mais vagas. Apenas recebe leite gratuito para as crianças e um bônus para trocar por alimentos. Sua filha mais velha vai ao jardim de infância, mas a segunda, com quase dois anos e problemas de saúde, está na lista de espera. Apesar de sua curta idade, a menina está sob tratamento psicológico – conta a mãe – por ter presenciado reiteradas cenas de violência entre adultos da família.
A filha mais velha não sofreu o impacto porque “cada vez que isso ocorria eu a mandava que fosse correndo para a casa da minha mãe”, disse a jovem. Mas a segunda “chora e tem de tomar remédio, não lembro qual, mas acho que é calmante”.

Na pesquisa feita por Pérez, as adolescentes vão às entrevistas com as crianças. Um grupo de psicopedagogas as entretêm para que as mães possam completar os requerimentos da pesquisa. De maneira informal, as profissionais comentam que as crianças “apresentam um importante atraso de maturidade”. Em seu discurso “elas adiam o fracasso para mais adiante”, concluiu Pérez. “Dizem que se sentiriam fracassar se seus filhos ficarem mal. Mas o certo é que por trás de cada uma destas 600 mil jovens há pelo menos 1,5 filho que vai arrastar sua exclusão colaborando para que não se rompa o círculo da pobreza”, acrescentou. IPS/Envolverde

* A entrevistada pediu para não citar seu sobrenome.

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