quinta-feira, 6 de março de 2008

Febem

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15/12/2004 - 11h17
Internos da Febem fazem vestibular e chegam a faculdade

CAMILA MARQUES
da Folha Online

A Febem (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor de São Paulo) anunciou na terça-feira (14) a demissão de Rosely Carvalho, diretora da unidade de internação 2 do Tatuapé, na zona leste da capital, e de quatro coordenadores de sua equipe, após a acusação de agressão contra os internos.

A entidade, que já sofreu várias críticas justamente pelos maus tratos àqueles que deveria educar, também é capaz de registrar fatos positivos. São adolescentes que superam, de um jeito ou de outro, todas as dificuldades desse meio em que sobreviver faz parte do dia-a-dia.

Neste mês de dezembro, 13 deles receberam a notícia que passaram no vestibular. Um fato comemorado à exaustão por todos. Após anos de estudos em um ambiente hostil, encontrar o nome na lista de aprovados junto a outros que vivem além dos muros da fundação, merece mesmo ser comemorado.

Dos milhares de alunos que concluíram o ensino médio este ano no Estado e tentaram uma vaga nos bancos universitários, 21 eram da Febem.

C. Guatelli/Folha Imagem

Internos da Febem durante aula no Tatuapé

Eles fazem parte de um universo de 111 menores que terminaram os estudos dentro de alguma unidade da fundação e poderiam ter prestado um vestibular. Porém, segundo destaca a diretora da escola da Febem Tatuapé, Ana Lúcia Garcia Nunes, essa procura por um curso superior é uma semente plantada que só agora começa a render frutos. "Não é só um trabalho de educação, mas de recuperar a auto-estima desses meninos, que chega aqui completamente destruída. Aos poucos, eles percebem o que são capazes de fazer", diz.

No ano passado, 15 garotos da entidade prestaram vestibular. Desses, sete foram aprovados, a maioria para o curso de direito. Apesar de antes desse período outros jovens terem participado de concursos, foi só em 2003 que os dados começaram a ser organizados e tabelados pela Febem.

A Febem Tatuapé, a maior do Estado, possui 1.716 internos. O complexo é formado por 18 unidades, em que os adolescentes se dividem de acordo com o crime que cometeram. Na unidade 1, por exemplo, ficam os considerados de nível grave. E é justamente dela que saíram os dois jovens aprovados do Tatuapé, para web designer e educação física.

Os outros internos, da unidades de Marília, Bauru, Iaras, Vila Maria e Raposo Tavares, foram aprovados para web designer, administração de empresas (2), ciências biológicas, direito (2), engenharia, veterinária, sistemas da informação, técnica em mecânica e técnica industrial.

Esforço

P.Santos/Folha Imagem

Internos no laboratório de informática

Os dois aprovados da Febem Tatuapé se prepararam para o vestibular durante todo o ano, sempre contando com a ajuda dos professores fora do horário normal de aulas. "Eles me traziam livros de gramática, de química, resumos. Principalmente cópias de simulados de outros vestibulares", conta um dos internos, de 19 anos, que está na Febem desde outubro de 2002 e foi aprovado para o curso de web designer.

"O dia do vestibular foi um horror. Chegar a faculdade, ver gente pra caramba competindo com você. Mas deu medo mesmo na hora da prova. A perna de um tremia, o outro roía a unha, um batia a caneta na mesa. Deu medo. De não passar. Quando chegou o resultado, foi difícil acreditar", afirma.

Apesar do contato com o computador antes de ser internado, ele se interessou mais pela área por conta de cursos de computação e internet que fez dentro da Febem. Um deles, aliás, vai lhe garantir um estágio de seis meses como monitor assim que sair da instituição, no próximo mês. "Vou trabalhar de dia, estudar à noite e, nos fins de semana, ajudar na recreação de crianças nas escolas públicas [exigência para a manutenção de uma bolsa de estudos]. Será uma vida 100% nova", conta ele.

A rotina será parecida com o outro interno, de 18 anos, desde maio de 2003 na Febem e aprovado no vestibular de educação física. "Antes de vir para cá, já era ligado ao esporte. Surfava, jogava bola. E aqui, pude sair da [unidade]1 para a Casa do Atleta [unidade de nível médio, que abriga os alunos com aptidão para a prática esportiva] porque me acharam bom [no futebol]", diz.

Vitória

C. Velleda/Folha Imagem

Internos jogam futebol em quadra no Tatuapé

Para ambos, controlar a expectativa é o mais difícil a partir de agora. "Sabemos que fazemos parte de uma minoria. Como é difícil chegar à faculdade. Não estou com medo, mas sim com expectativa de ir pra lá [faculdade], começar uma vida nova. Vindo de onde a gente vem, é um sonho que nem foi sonhado", diz o interno de 19 anos.

"Quando entra na Febem, a pessoa logo pensa que viraram as costas para ela. É como se fosse o fim. É pior do que esquecerem de você, porque é como se o mundo estivesse contra. E transformar essa situação em outra realidade é uma coisa muito boa", continua. "Quero dedicar a realidade de hoje ao meu pai, que também está privado de liberdade. Deixar bem claro para ele que eu vou mudar nossa história".

"Eu me sinto uma mãe realizada", define a mãe do interno de 19 anos. "Quando ele foi para lá, eu quis morrer. Achava que tinha perdido um filho. Não que fosse perdê-lo mesmo, mas tem muita gente que sai de lá e não se recupera", diz. A mãe lembra que, quando recebeu a notícia da aprovação do filho no vestibular, até perdeu a fala. "Estava indo almoçar e não conseguia nem andar, de tanta emoção. Do outro lado, me contaram que ele ficou emocionado".

O outro interno conta que, antes de entrar para a Febem, nunca tinha imaginado cursar o ensino superior. "Nem passava pela minha cabeça. Nunca imaginei ter um futuro com uma profissão, ainda mais depois de entrar aqui [na Febem]", afirma o rapaz. "Não tenho nenhum amigo ou conhecido que tenha chegado à faculdade".

Bolsa

Os 13 adolescentes que passaram no vestibular terão bolsas de estudos pelo programa Escola da Família, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

O programa é uma parceira com mais 300 faculdades. Por ele, o governo paga 50% da bolsa de estudos de um aluno e a faculdade os outros 50%. Em troca, o jovem que fizer parte do Escola da Família trabalha, nos fins de semana, em um colégio público próximo de sua residência, ajudando na organização de atividades e recreação infantil.

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