quinta-feira, 20 de maio de 2010

O senhor se considera afrodescendente?

cartas de buenos aires
O senhor se considera afrodescendente?
No
mês em que se comemoram os 200 anos da Revolução de Maio, não quero que
uma notícia passe escondida entre os festejos: este ano, pela primeira
vez desde 1887, um censo nacional se ocupará de recolher informações
sobre a população afrodescendente na Argentina.
Parece
brincadeira, mas enquanto estatísticas extra-oficiais apontam que quase
dois milhões de argentinos possuem raízes africanas, oficialmente não
se sabe quantos negros há no país e boa parte da população continua
acreditando que não há nenhum.
Nem sempre foi assim.
De
acordo com o censo de 1778, a população argentina de origem africana
chegava a 30% (em Buenos Aires a relação chegou a ser de cinco negros
para um branco).
A proporção se manteve no censo de 1810, porém
caiu para 25% em 1838. Em 1887 apareceu reduzida a míseros 2%! Depois
dessa data, não há mais dados oficiais.
O que aconteceu?
Os
historiadores tentam explicar o “desaparecimento” dos afro argentinos
em função de sua participação em todas as guerras do século XIX. Eles
foram “carne de canhão”, como se diz aqui, durante as invasões inglesas
de 1806-1807; cruzaram os Andes integrando o Exército Libertador de San
Martin e participaram de diversas guerras internas.
Por fim,
foram dizimados durante a Guerra do Paraguai. Os que resistiram teriam
morrido durante a epidemia de febre amarela que assolou Buenos Aires em
1871. Ou migrado para o Uruguai.
Meu namorado me contou que
durante sua infância, nas comemorações da Pátria, as professoras
pintavam de preto o rosto de algumas crianças para representar os
negros que, “um dia”, haviam existido no país. Hoje isso não precisa
mais ser feito.
Basta sair para a rua. E ver. Mas não é tão
simples assim. Para o antropólogo Pablo Círio, assim como os censos são
um recorte cultural e ideológico, nossa mirada também. “Uma pessoa não
olha naturalmente, olha condicionado pela educação, por fatores
históricos, por interesses, por silêncios. O argentino não esta
preparado para ver os negros”, afirmou recentemente ao jornal Página 12.
Ele
diz que muita gente aqui, quando vê um negro, pensa que é brasileiro ou
uruguaio. Nunca imagina que seja um “afroportenho”, descendente de
escravos.
Pelas ruas, também se vê hoje muitos “outros negros”,
vindos do Equador, Republica Dominicana e Haiti. E, mais recentemente,
um número crescente de africanos, especialmente do Senegal, Mali e
Nigéria, reforçada nos últimos anos após o endurecimento das políticas
migratórias dos países europeus.
Uma boa e saudável aproximação
com outras culturas e raças é a arte. E Buenos Aires anda com uma
nutrida agenda afro. Chamadas de candombe aos domingos; festas bacanas
como a Afrolunes, grupos de percussão como os Negros de Miercoles;
aulas de instrumentos de nomes estranhos como Djembe, Doun Doun e Sang
Bang; dança de orixás, classes de batucada brasileira e ritmos
afrocubanos. Ufa!
A movida toda, bem como textos de primeira
qualidade sobre questões de raça, música e arte podem ser encontrados
na excelente revista Quilombo ou no Instituto Nacional contra
Discriminação, a Xenofobia e o Racismo (http://www.revistaquilombo.com.ar/ e http://www.inadi.gov.ar/).
Para
completar, o Museu Casa Carlos Gardel está com uma exposição chamada “A
História Negra do Tango”, que resgata a relação que teve esta população
com o ritmo mais famoso do país. Entre os mais conhecidos interpretes
locais de origem africana estão Guillermo Barbieri e José “el negro”
Ricardo, que foram guitarristas de Carlos Gardel.
Termino, claro,
com uma história de Jorge Luis Borges. Dizem que lá pela década de 20,
um dia ele chegou em casa e contou a sua mãe que havia estado com
“compadritos” e que estes o tinham convidado para comer. A mãe, então,
responde: espero que não tenha sido assado, essa porcaria que comem os
escravos.

Gisele Teixeira é
jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente,
mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o
blog Aquí me qued (http://giseleteixeira.wordpress.com), com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha.
Siga o Blog do Noblat no twitter
Ouça a Estação Jazz e Tal, a rádio do blog

Marcio Alexandre M. Gualberto

Quem é de Axé diz que é!
No Censo de 2010 declare seu amor ao seu Orixá
Diga que é do Santo, diga que é do Axé
Pois quem é de Umbanda, quem é de Candomblé
Não pode ter vergonha, tem que dizer que é!!!

-------------------------
Contatos: 21 9905 5856
MSN: marciodexango@hotmail.com

Nenhum comentário: