O Brasil talvez seja o único país do mundo no qual um cigano chegou a ser Presidente da República (Juscelino Kubitschek, 1956-60).[1] Mesmo assim, todas as Constituições Federais sempre ignoraram a existência de ciganos, e no Brasil não existem políticas anti- ou pró-ciganas, nem leis que tratam especificamente das minorias ciganas. Oficialmente, os Rom, Sinti e Calon nem sequer são considerados minorias étnicas, e como tais com direitos específicos, reconhecidos em diversas convenções internacionais, várias das quais promulgadas também no Brasil.[2]
Após 1988, ocorreram algumas mudanças. A Constituição Federal do Brasil de 1988 atribuiu ao Ministério Público Federal a defesa também dos direitos e interesses indígenas (CF, Art. 232), antes atribuição exclusiva da Fundação Nacional do Índio. Um dos resultados práticos foi a criação, na Procuradoria da República, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos e Interesses das Populações Indígenas/CDDIPI. Alguns anos depois, a Lei Complementar 75, de 20.05.1993, ampliou ainda mais a ação do MPF ao atribuí-lo também a proteção e defesa dos interesses relativos às comunidades indígenas e minorias étnicas (Art. 6, VII, “c”). Diante disto, em abril de 1994, a CDDIPI foi substituida pela Câmara de Coordenação e Revisão dos Direitos das Comunidades Indígenas e Minorias, incluindo-se nestas também as ‘comunidades negras isoladas’ (antigos quilombos) e as minorias ciganas.[3]
O MPF reconheceu logo que, para poder defender os direitos e interesses das minorias étnicas, precisava também da perícia dos antropólogos, pelo que em 1993 abriu concurso, pela primeira vez, para a contratação de dez antropólogos.
Para a defesa das minorias indígenas, o MPF pode dispor de milhares de publicações sobre povos indígenas, escritas por dezenas de antropólogos brasileiros e estrangeiros que já realizaram ou estão realizando pesquisas de campo entre povos indígenas. Vários livros, ensaios e artigos tratam especificamente dos direitos indígenas. O MPF pode contar ainda com a colaboração voluntária de muitos destes antropólogos, como também de umas duas ou três dezenas de organizações não-governamentais de apoio aos povos indígenas, muitas delas ONG’s estrangeiras. Além disto, existe um órgão governamental – a FUNAI / Fundação Nacional do Índio – que tem como incumbência cuidar da defesa dos interesses indígenas, baseando-se na Lei no. 6.001/73, mais conhecida como o Estatuto do Índio..
A defesa dos direitos e interesses das minorias ciganas, no entanto, é bem mais difícil e complexa, porque nas bibliotecas universitários os interessados procurarão em vão uma bibliografia nacional e estrangeira sobre ciganos, ou sobre direitos ciganos. Os antropólogos, historiadores, geógrafos, juristas e outros, quase sempre ignoraram a existência das minorias ciganas no Brasil.
No Brasil não existe uma legislação especificamente cigana. No entanto, na Constituição Federal de 1988 existem alguns artigos que, por extensão, dizem respeito também às minorias ciganas.
Direito à não-discriminação:
“Art.3º . Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
“Art. 5º . Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza , garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade ....
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei. “
Direito à livre locomoção:
“Art. 5º . Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ......
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
Direitos culturais.
“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
# 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório brasileiro.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados inividualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas ................
# 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. “
A Constituição Federal garante aos ciganos nascidos no Brasil os mesmos direitos dos outros cidadãos, pelo menos em teoria. Na prática, muitos destes direitos são constantemente violados, o que se manifesta na existência de estereótipos negativos, preconceitos e várias formas de discriminação das minorias ciganas pela população majoritária nacional. Porém, os ciganos, por constituirem minorias étnicas, também têm direitos especiais, citados em vários documentos internacionais, aprovados e promulgados também pelo Governo Brasileiro. Desnecessário dizer que também estes direitos especiais são constantemente ignorados e violados.
A seguir trataremos apenas dos direitos e das reivindicações das minorias ciganas na Europa Ocidental, porque trata-se de um tema quase totalmente ignorado no Brasil, mesmo entre os assim chamados “ciganólogos”. Em parte porque a bibliografia sobre este assunto foi publicada em revistas e livros que dificilmente os brasileiros têm condições de adquirir ou de encontrar em qualquer biblioteca pública ou universitária.
Este ensaio pode não agradar ao leitor que esperava encontrar informações sobre magia cigana, tarô cigano, e outros assuntos esotéricos supostamente ‘ciganos’, ou irresponsáveis generalizações sobre uma suposta “cultura cigana”, mas esperamos que possa servir de instrumento para futuras reflexões sobre os direitos ciganos no Brasil, e estimular a realização de pesquisas de campo por antropólogos e outros cientistas sociais brasileiros. Esperamos, ainda, que estes documentos ajudem também as organizações não-governamentais ciganas e pró-ciganas a definir e expressar melhor suas reivindicações, conforme o atual pensamento do movimento cigano internacional. http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/ciganos/ciganos03.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário