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Revista ISTO É Dinheiro, 27/8/2008
A ERA DAS SUPERCONTRATAÇÕES
As grandes empresas enfrentam um desafio inédito: o de recrutar milhares de pessoas de uma só vez e encontrar talentos num mercado de trabalho bastante aquecido. Nesta fase de megacontratações, o governo já projeta a criação de dois milhões de empregos com carteira assinada, mas a falta de qualificação ainda deixa muitas vagas em aberto
POR HUGO CILO
TODA MANHÃ, O presidente da MRV Engenharia, Rubens Menin, acorda em uma cidade diferente. Cumpre a rotina de visitar seus 204 canteiros de obras pelo País e cumprimentar engenheiros e operários. A cada visita, no entanto, encontra novos rostos. Isso porque a empresa triplicou em 12 meses o número de empregados - saltou de quatro mil pessoas, em julho de 2007, para 12.340, em julho deste ano. E a previsão é superar 18,6 mil até dezembro deste ano. "Estamos convidando gente que estava na informalidade e pagando bem. Queremos dobrar a produção e ampliar em cerca de 80% as contratações, além daquilo que já planejamos", afirma Menin, que prevê que o mercado da construção civil residencial quadruplicará de tamanho nos próximos cinco anos. O dia-a-dia de Menin e o crescimento da MRV refletem um novo fenômeno na economia brasileira, o das supercontratações. Os recrutamentos em massa já se espalharam por toda a economia, do agronegócio à aviação. Tanto é que nem o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, acreditou quando viu os números de empregos criados em julho, com carteira assinada. Nas planilhas do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego, o Caged, ele descobriu que no mês passado, marcado tradicionalmente pelo desaquecimento da economia, foram gerados 203 mil novos postos de trabalho. O número é 60% maior do que o mesmo período do ano passado. Lupi olhou de novo para a planilha, esfregou os olhos para conferir os dados e sorriu ao perceber que no ano de 2008 já foi criado 1,5 milhão de empregos. "Tenho certeza de que bateremos a marca de dois milhões de pessoas com carteira assinada em 2008", disse o ministro à repórter Adriana Nicacio, da DINHEIRO, em Brasília. Na opinião de Lupi, essa é uma demonstração de que a economia está rodando num ritmo forte, com crescimento de renda e aumento do poder de compra.
Com as grandes contratações, a massa de rendimentos no Brasil vem crescendo 7% acima da inflação, o que realimenta o crescimento econômico e estimula a tomada de crédito pelas pessoas físicas e empresas.
A expansão da massa salarial é o mesmo motivo que inspira o Wal- Mart a investir e contratar. A rede varejista pretende recrutar dez mil funcionários no País nos próximos 12 meses. Isso mesmo: quase mil por mês. Tudo para atender às 90 inaugurações programadas em 2009. "Precisaremos de dez mil pessoas, mas temos de ter mais umas 20 mil na manga. Isso porque a rotatividade no varejo ainda é extremamente alta, na casa de 30% ao ano", diz o vice-presidente de Capital Humano do Wal-Mart Brasil, Marcos Próspero. Segundo ele, a empresa ainda não tem encontrado dificuldades em buscar mão-de-obra no mercado, mas a falta de pessoas com "espírito de liderança" é o que mais o preocupa. "Queremos provar aos nossos funcionários e às nossas lideranças que o varejo é uma grande oportunidade de carreira, não apenas um emprego quebra-galho." Outra empresa que não esconde o otimismo na hora de contratar é a varejista francesa da construção, Leroy Merlin. De acordo com o diretor- geral Alain Ryckeboer, a rede irá inaugurar três grandes lojas em Goiânia, Belo Horizonte e Porto Alegre até o início e 2009. As novas unidades irão gerar cerca de 1.350 empregos diretos e indiretos.
A nova era de supercontratações inclui as empresas de telecomunicações, que também se beneficiam com o aumento do poder de compra dos clientes. A operadora de celular TIM é prova disso e inaugurou, em 2005, um pólo tecnológico em Santo André, na região do ABC paulista, onde tem promovido contratações em diversos segmentos. Hoje, são mais de 2,2 mil empregos diretos, sendo 1,5 mil atendentes de call center e 700 profissionais da área de TI e redes. "Trouxemos para a empresa serviços antes terceirizados, como o teleatendimento. Fizemos contratações em massa e temos espaço para novas admissões", garante Mario Sérgio Moreira, diretor de tecnologia da TIM. Outro exemplo é a Tivit, que pertence ao grupo Votorantim. A empresa da área de TI, que faturou R$ 750 milhões no ano passado e vem crescendo, em média, 50% nos últimos quatro anos, abriu 1,8 mil vagas para suas unidades de São José dos Campos e São Paulo. Para 2008, a expectativa é crescer acima da média do mercado, atualmente entre 12% e 15%, de acordo com o diretor de gestão Marcello Zappia. "São contratações alinhadas com nossa estratégia de crescimento", explica Zappia.
Os números impressionam, mas parecem até pequenos diante dos planos da Petrobras. A estatal contratou 14 mil funcionários nos últimos três anos e selecionará mais 12 mil pessoas no próximo triênio, dentro de uma meta de admissão de quase 100 mil trabalhadores. "Existem oportunidades aos montes em todas as áreas da Petrobras", afirma o gerente Lairton Corrêa. E, se no mundo do petróleo a coisa vai muito bem, melhor ainda na indústria do etanol. De acordo com a Unica, União da Indústria Canavieira, que reúne os usineiros paulistas, o setor sucroalcooleiro abriu 200 mil vagas no campo nos últimos cinco anos, cerca de 40 mil deles só em 2008. "No ano que vem, outras 40 mil oportunidades de trabalho serão geradas na atividade de álcool e açúcar", projeta o diretor técnico da entidade, Antonio de Pádua Rodrigues.
Retomada dos projetos de infra-estrutura cria dezenas de milhares de vagas nas empreiteiras, mas as empresas se deparam com a escassez de engenheiros qualificados, em função das últimas duas décadas de marasmo no setor.
A maré positiva já contagia até um setor que viveu um marasmo nas últimas duas décadas: o da construção pesada, turbinada pela retomada dos investimentos em infra- estrutura. Um exemplo sintomático é o da Odebrecht, cujo faturamento se multiplicou por seis desde 2002 e obrigou a empresa a criar seis unidades distintas para facilitar a gestão das grandes obras. Nos próximos meses, a companhia mobilizará uma tropa de mais de nove mil pessoas para a construção da hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia. Além de selecionar, transportar e manter um exército de empregados numa região distante dos grandes centros, a iniciativa exige da companhia táticas típicas de guerra, segundo o vice-presidente de engenharia e construção, Paulo Lacerda de Melo. "A estratégia é complexa. Para reduzir custos e aumentar o grau de comprometimento, mais de 70% da mão-de-obra será local. Os demais 30%, a maioria para funções de alto grau de especialização, migrarão de outros Estados", diz ele. A empresa mantinha cerca de 12 mil trabalhadores, em 2000. Hoje, são 28 mil. "O PAC bem que poderia ser Programa de Aceleração das Contratações", brinca o executivo, ao se referir ao impulso dado pelo PAC à criação de vagas no País.
Outra construtora que tem nadado de braçada é a Triunfo Participações, responsável pela construção de três grandes usinas hidrelétricas no centro do País. A empresa precisou abrir suas portas para cerca de 3,2 mil funcionários de uma só vez. Com um investimento de R$ 600 milhões, a Triunfo está construindo a hidrelétrica de Salto, no rio Verde, e a de Foz do Rio Claro, ambas em Goiás. "Como houve o aparecimento simultâneo de grandes obras no País, existe uma demanda maior que a oferta", atesta Gustavo Mussmith, superintendente da construtora. Os números da empresa comprovam a tese. No começo de 2007, a empreiteira tinha cerca de mil funcionários. Hoje, são 3,2 mil empregados diretos e pelo menos outros seis mil indiretos. "Nossa folha bruta para contratações nessas três obras é de R$ 5 milhões por mês", explica Mussmith. O engenheiro Fernando Queiroz, presidente da construtora Via Engenharia, compartilha da opinião de Mussmith. Ele afirma que a empresa está aproveitando o bom momento do mercado para investir em pessoal. Desde o início do ano, a empresa já contratou dois mil operários e prevê contratação de outros mil até dezembro. O pulo do gato, segundo Queiroz, é evitar o rodízio desses profissionais, que não estão sobrando no mercado, mas trocam de serviço por qualquer centavo a mais no rendimento. Por isso, Queiroz percorre suas obras sempre que pode, na tentativa de estimular e reter seus trabalhadores.
Na carona do crescimento econômico estão as montadoras. O mercado que já supera três milhões de veículos/ano devolveu às linhas de montagem a emblemática marca de 100 mil trabalhadores na região do ABC paulista, base de origem do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. O número ainda está distante do pico de 156 mil metalúrgicos dos anos 80, mas bem acima dos 75 mil trabalhadores no início dos anos 90. "O grande responsável pelo crescimento foi o fato de podermos voltar a ter planejamento, fruto da estabilidade econômica", avalia o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sergio Nobre. Desta vez, sindicato e montadoras falam a mesma língua: a do emprego. A Volkswagen Caminhões, por exemplo, admitiu mil metalúrgicos nos últimos 12 meses. "No ano passado, nossa produção era de 185 caminhões/dia. Encerraremos 2008 com produção diária de 280 unidades. Para acompanhar essa evolução e fortalecer o terceiro turno, incorporaremos ao quadro de quqtro mil colaboradores mais de 1.300 funcionários, 200 deles da área de engenharia", diz o presidente da Volkswagen Caminhões, Roberto Cortes. A concorrente Mercedes- Benz, amparada por um investimento de R$ 1,5 bilhão anunciado recentemente para os próximos anos, também reforça a equipe. "Contratar muita gente em curto período de tempo é sempre desafiador. A empresa admitiu 1.200 pessoas nos últimos 18 meses e estudará novas contratações, caso sejam necessárias", diz o diretor de administração de pessoal da montadora, Marcos Alves. A Mercedes-Benz mantém atualmente 14 mil empregados no País.
A exemplo do setor automotivo, as contratações no setor aeronáutico também decolaram. E para melhorar a qualificação dos profissionais, a Embraer firmou parcerias com algumas universidades, como o ITA e as federais de Minas Gerais e São Carlos, para desenvolver programas de formação de engenheiros. Em 2004, a Embraer mantinha 14.658 funcionários. Hoje são quase 24 mil. Entre janeiro e abril, foram três mil novas admissões, em função das novas encomendas internacionais. "Lançamos uma violenta força-tarefa em busca de profissionais. Recrutamos gente de todas as partes do País. Com um agressivo programa de aprimoramento e fidelização, garantimos uma rotatividade muito baixa e não perdemos bons profissionais", explica a diretora de recursos humanos da Embraer, Eunice Rios.
Mercado aquecido dá mais poder aos trabalhadores e amplia a rotatividade da mão-de-obra
Ao mesmo tempo que as empresas intensificam as supercontratações, surgem grandes desafios. De acordo com o consultor de recursos humanos da Catho Online, Renato Waderski, num processo de contratação em massa, as empresas precisam ficar atentas ao perfil do candidato e não "contratar por contratar".
Paralelamente, surge a necessidade de colocar em prática políticas de retenção de talentos, para não colocar a perder os recursos gastos em treinamento. Coisa típica de um mercado de trabalho aquecido, que faz girar a roda da economia. "A massa de salários hoje cresce 7% acima da inflação e é isso que está realimentando o crescimento brasileiro", explica o economista e ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros.
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