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O desafio da terceirização
João Storarri, diretor de RH da Samcil: a empresa tem 700 profissionais terceirizados, mas as atividades essenciais são exclusivas dos funcionários
O desafio da terceirização
Cada uma a seu modo, as empresas procuram se adaptar às restrições impostas pela legislação brasileira na contratação de terceiros
Um fenômeno cada vez mais visível em todos os setores da economia é o da terceirização da mão-de-obra. Nos últimos dez anos, a cada três novos empregos no país um foi criado por empresas que prestam serviços para outras companhias. De acordo com o IBGE, os empregos nessas organizações vêm crescendo à taxa de 3% a 6% ao ano. Hoje, a terceirização vai muito além de serviços básicos, como conservação, limpeza e vigilância. Abrange também áreas que exigem profissionais mais qualificados, como tecnologia da informação, jurídica, marketing e contabilidade — e até mesmo recursos humanos. Para os executivos de RH, essa realidade impõe um novo desafio: abandonar a gestão de um organograma tradicional e passar a gerenciar uma rede de relacionamentos, liderando pessoas que não têm subordinação direta à empresa de modo a incentivá-las a trabalhar em parceria por um objetivo comum.
Não é uma tarefa simples, por causa das barreiras legais. No Brasil, a Súmula 331, editada pelo Tribunal Superior do Trabalho, em 1994, definiu como ilícita a terceirização de atividades fim da empresa, autorizando a contratação de mão-de-obra de terceiros apenas para as chamadas atividades-meio — ou seja, apenas para as funções que não constituam o negócio principal da empresa. Lá fora, a legislação é mais flexível. “Acabei de voltar da Itália e lá as indústrias terceirizam diferentes ciclos de produção para empresas diversas, de acordo com o conhecimento exigido em cada etapa”, diz Nelson Manrich, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “A Justiça italiana não vê a terceirização como uma forma de a empresa reduzir seu custo com salários nem de fraudar a legislação trabalhista”, diz Manrich. “Aqui, infelizmente, são tantas as dificuldades que muitas empresas acabam evitando a terceirização.”
Para não ter dor de cabeça com a Justiça, a companhia que utiliza profissionais terceirizados deve ter cautela para que a opção não configure vínculo empregatício. No entendimento dos tribunais trabalhistas, isso ocorre quando o controle de horário é feito pela empresa contratante dos serviços e seus funcionários dão ordens diretas aos terceirizados, estabelecendo uma relação de hierarquia. Há também o risco de caracterização de uma relação de emprego quando a instituição concede aos terceirizados os mesmos benefícios do pessoal contratado.
Mesmo com essas restrições, em muitas corporações os terceirizados são cada vez mais numerosos e dividem o mesmo ambiente de trabalho e espaço do cafezinho com os demais profissionais. Como não têm chefes, não são avaliados formalmente nem são treinados para comungar dos valores da companhia, e também não gozam dos mesmos benefícios dos contratados — eles podem formar um corpo estranho dentro da organização. O que fazer para não violar a legislação e, ao mesmo tempo, não criar entre funcionários diretos e terceirizados um abismo capaz de prejudicar o clima e a produtividade da empresa?
O meio-de-campo dos gestores
A mineradora Rio Tinto, com escritório central no Rio de Janeiro, tem 600 funcionários e 200 terceirizados. A interface com os prestadores de serviços é feita por meio de um grupo de gestores, também empregados da empresa que fornece os profissionais. “Os terceirizados têm metas a cumprir e são cobrados e avaliados por isso, mas essa cobrança se dá sempre pelos gestores das suas próprias empresas”, diz Alfredo Cetto, chefe do departamento de RH da Rio Tinto. Já a siderúrgica ArcelorMittal Tubarão, do município de Serra, Espírito Santo, prefere avaliar o serviço prestado, não o funcionário. “Nossos contratos com terceiros não são pautados pela mão-de-obra, mas pelo serviço a ser executado”, diz José Augusto dos Santos Servino, gerente de desenvolvimento e remuneração. “Quantas pessoas ou quanto material serão necessários para realizar o serviço contratado são decisões que cabem à terceirizada. Não interferimos nisso nem fazemos avaliações individuais. Avaliamos o serviço.”
Com 4 400 funcionários diretos, a ArcelorMittal utiliza 4 000 profissionais terceirizados em atividades como transporte, manutenção, alimentação e recepção. A seleção do prestador de serviço é feita com cuidado. De cara, são descartadas as companhias que oferecem preços muito abaixo do mercado. “Um serviço mais caro embute maior qualidade, maior rendimento e menos retrabalho”, diz Servino. Ele afirma que a ArcelorMittal foge de terceirizadas que remuneram mal seus funcionários. “Uma empresa dessas tem alta rotatividade, o que prejudica o desempenho.”
Opinião semelhante tem Adalberto Oliveira, superintendente de recursos humanos da EcoUrbis, empresa responsável pela coleta de resíduos de 6 milhões de habitantes de São Paulo. “A terceirizada precisa ter um plano de benefícios similar ao nosso. Se necessário, discutimos valores do contrato para essa finalidade”, afirma Oliveira.
O risco do treinamento
Um dos aspectos mais sensíveis da terceirização é o treinamento. “O investimento em desenvolvimento e reciclagem dos funcionários terceirizados por parte da empresa contratante do serviço pode ser entendido pela Justiça como uma forma de mascarar um falso empregador”, diz Manrich, da USP. “As empresas brasileiras estão mais maduras, mas a Justiça ainda está atrasada nessa questão.”
Para evitar problemas legais, a Samcil Planos de Saúde não treina diretamente os profissionais terceirizados, mas procura dar-lhes apoio. “Se a prestadora de serviços quiser, emprestamos a sala de treinamento para ela usar”, diz João Storarri, diretor de RH da Samcil, que administra oito hospitais próprios na Grande São Paulo. A Samcil não terceiriza as funções que considera essenciais para a qualidade dos serviços, como o atendimento na recepção dos hospitais. “A recepção lida com o cliente e precisa falar a língua do hospital, recebendo o treinamento que é dado aos nossos funcionários”, diz Storarri. A Samcil tem 3 100 funcionários diretos e 700 terceirizados. Todos podem participar de um programa que dá prêmios em dinheiro aos que apresentam boas sugestões para a empresa.
Na incorporadora Klabin Segall, sediada em São Paulo, o treinamento em questões-chave, como segurança, saúde e sustentabilidade, ocorre antes do início de cada obra e envolve todos os profissionais, incluindo os terceirizados, que participam de uma a duas semanas de cursos e palestras. “No decorrer das obras temos outras ações, como o programa Mestres da Obra, que abrange o uso correto de materiais, ensina conceitos de reciclagem e procura explorar a criatividade do pessoal”, diz Flavio Staudohar, diretor de RH da Klabin Segall.
Na EcoUrbis existe a preocupação de diminuir a distância entre funcionários e terceirizados. As vagas abertas, por exemplo, são divulgadas a todos, indistintamente. “Já tivemos o caso de um vigilante da organização de segurança que se candidatou a vaga em recursos humanos porque tinha formação para isso”, diz Oliveira. É consenso, no entanto, que a contratação de terceirizados deve ser praticada com reservas. “Normalmente, procuramos manter vínculo com uma empresa terceirizada que tenha boa qualidade da mão-de-obra. Afinal, não podemos canibalizá-la”, diz Staudohar. “Mas, se for o caso de um bom pequeno empreiteiro, podemos convidar todo o grupo, inclusive o dono, para integrar o time da nossa empresa.”
PISANDO EM OVOS
Os cuidados que sua empresa deve tomar na hora de terceirizar
Sempre…
... exija da empresa terceirizada prova do cumprimento de suas obrigações trabalhistas, previdenciárias e tributárias. Se ela deixar de pagar salários ou de recolher INSS, por exemplo, a responsabilidade recai sobre a contratante do serviço.
... assine um contrato com regras claras, destacando que o objeto da terceirização é o serviço, e não as pessoas que o executam. Inclua também cláusulas de desempenho, estabelecendo prêmios e punições.
... deixe a cargo da terceirizada o controle da assiduidade e da pontualidade dos profissionais terceirizados. Ela também deve ter autonomia na contratação de pessoal e responder pela avaliação periódica do seu quadro.
Às vezes…
... rediscuta contratos se houver necessidade de equalizar os planos de benefícios de funcionários diretos e terceirizados, para evitar discrepâncias muito grandes.
... ofereça aos prestadores de serviços pequenas lembranças que não configurem salário indireto. Um panetone ou uma garrafa de vinho no Natal, por exemplo, não comprometem sua empresa.
Nunca…
... troque a empresa terceirizada e exija que a nova contrate os funcionários da anterior. Perante o juiz, ficará claro que o vínculo do empregado é com a empresa contratante do serviço.
... permita que seus funcionários dêem ordens aos terceirizados. Para os tribunais, a subordinação faz da empresa contratante a empregadora direta dos terceirizados.
... estenda aos terceiros os mesmos benefícios dos funcionários diretos. Se seus funcionários recebem cesta básica mensal e os terceirizados não, tente negociar com a empresa terceirizada para que ela forneça esse benefício.
João Storarri, diretor de RH da Samcil: a empresa tem 700 profissionais terceirizados, mas as atividades essenciais são exclusivas dos funcionários
O desafio da terceirização
Cada uma a seu modo, as empresas procuram se adaptar às restrições impostas pela legislação brasileira na contratação de terceiros
Um fenômeno cada vez mais visível em todos os setores da economia é o da terceirização da mão-de-obra. Nos últimos dez anos, a cada três novos empregos no país um foi criado por empresas que prestam serviços para outras companhias. De acordo com o IBGE, os empregos nessas organizações vêm crescendo à taxa de 3% a 6% ao ano. Hoje, a terceirização vai muito além de serviços básicos, como conservação, limpeza e vigilância. Abrange também áreas que exigem profissionais mais qualificados, como tecnologia da informação, jurídica, marketing e contabilidade — e até mesmo recursos humanos. Para os executivos de RH, essa realidade impõe um novo desafio: abandonar a gestão de um organograma tradicional e passar a gerenciar uma rede de relacionamentos, liderando pessoas que não têm subordinação direta à empresa de modo a incentivá-las a trabalhar em parceria por um objetivo comum.
Não é uma tarefa simples, por causa das barreiras legais. No Brasil, a Súmula 331, editada pelo Tribunal Superior do Trabalho, em 1994, definiu como ilícita a terceirização de atividades fim da empresa, autorizando a contratação de mão-de-obra de terceiros apenas para as chamadas atividades-meio — ou seja, apenas para as funções que não constituam o negócio principal da empresa. Lá fora, a legislação é mais flexível. “Acabei de voltar da Itália e lá as indústrias terceirizam diferentes ciclos de produção para empresas diversas, de acordo com o conhecimento exigido em cada etapa”, diz Nelson Manrich, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “A Justiça italiana não vê a terceirização como uma forma de a empresa reduzir seu custo com salários nem de fraudar a legislação trabalhista”, diz Manrich. “Aqui, infelizmente, são tantas as dificuldades que muitas empresas acabam evitando a terceirização.”
Para não ter dor de cabeça com a Justiça, a companhia que utiliza profissionais terceirizados deve ter cautela para que a opção não configure vínculo empregatício. No entendimento dos tribunais trabalhistas, isso ocorre quando o controle de horário é feito pela empresa contratante dos serviços e seus funcionários dão ordens diretas aos terceirizados, estabelecendo uma relação de hierarquia. Há também o risco de caracterização de uma relação de emprego quando a instituição concede aos terceirizados os mesmos benefícios do pessoal contratado.
Mesmo com essas restrições, em muitas corporações os terceirizados são cada vez mais numerosos e dividem o mesmo ambiente de trabalho e espaço do cafezinho com os demais profissionais. Como não têm chefes, não são avaliados formalmente nem são treinados para comungar dos valores da companhia, e também não gozam dos mesmos benefícios dos contratados — eles podem formar um corpo estranho dentro da organização. O que fazer para não violar a legislação e, ao mesmo tempo, não criar entre funcionários diretos e terceirizados um abismo capaz de prejudicar o clima e a produtividade da empresa?
O meio-de-campo dos gestores
A mineradora Rio Tinto, com escritório central no Rio de Janeiro, tem 600 funcionários e 200 terceirizados. A interface com os prestadores de serviços é feita por meio de um grupo de gestores, também empregados da empresa que fornece os profissionais. “Os terceirizados têm metas a cumprir e são cobrados e avaliados por isso, mas essa cobrança se dá sempre pelos gestores das suas próprias empresas”, diz Alfredo Cetto, chefe do departamento de RH da Rio Tinto. Já a siderúrgica ArcelorMittal Tubarão, do município de Serra, Espírito Santo, prefere avaliar o serviço prestado, não o funcionário. “Nossos contratos com terceiros não são pautados pela mão-de-obra, mas pelo serviço a ser executado”, diz José Augusto dos Santos Servino, gerente de desenvolvimento e remuneração. “Quantas pessoas ou quanto material serão necessários para realizar o serviço contratado são decisões que cabem à terceirizada. Não interferimos nisso nem fazemos avaliações individuais. Avaliamos o serviço.”
Com 4 400 funcionários diretos, a ArcelorMittal utiliza 4 000 profissionais terceirizados em atividades como transporte, manutenção, alimentação e recepção. A seleção do prestador de serviço é feita com cuidado. De cara, são descartadas as companhias que oferecem preços muito abaixo do mercado. “Um serviço mais caro embute maior qualidade, maior rendimento e menos retrabalho”, diz Servino. Ele afirma que a ArcelorMittal foge de terceirizadas que remuneram mal seus funcionários. “Uma empresa dessas tem alta rotatividade, o que prejudica o desempenho.”
Opinião semelhante tem Adalberto Oliveira, superintendente de recursos humanos da EcoUrbis, empresa responsável pela coleta de resíduos de 6 milhões de habitantes de São Paulo. “A terceirizada precisa ter um plano de benefícios similar ao nosso. Se necessário, discutimos valores do contrato para essa finalidade”, afirma Oliveira.
O risco do treinamento
Um dos aspectos mais sensíveis da terceirização é o treinamento. “O investimento em desenvolvimento e reciclagem dos funcionários terceirizados por parte da empresa contratante do serviço pode ser entendido pela Justiça como uma forma de mascarar um falso empregador”, diz Manrich, da USP. “As empresas brasileiras estão mais maduras, mas a Justiça ainda está atrasada nessa questão.”
Para evitar problemas legais, a Samcil Planos de Saúde não treina diretamente os profissionais terceirizados, mas procura dar-lhes apoio. “Se a prestadora de serviços quiser, emprestamos a sala de treinamento para ela usar”, diz João Storarri, diretor de RH da Samcil, que administra oito hospitais próprios na Grande São Paulo. A Samcil não terceiriza as funções que considera essenciais para a qualidade dos serviços, como o atendimento na recepção dos hospitais. “A recepção lida com o cliente e precisa falar a língua do hospital, recebendo o treinamento que é dado aos nossos funcionários”, diz Storarri. A Samcil tem 3 100 funcionários diretos e 700 terceirizados. Todos podem participar de um programa que dá prêmios em dinheiro aos que apresentam boas sugestões para a empresa.
Na incorporadora Klabin Segall, sediada em São Paulo, o treinamento em questões-chave, como segurança, saúde e sustentabilidade, ocorre antes do início de cada obra e envolve todos os profissionais, incluindo os terceirizados, que participam de uma a duas semanas de cursos e palestras. “No decorrer das obras temos outras ações, como o programa Mestres da Obra, que abrange o uso correto de materiais, ensina conceitos de reciclagem e procura explorar a criatividade do pessoal”, diz Flavio Staudohar, diretor de RH da Klabin Segall.
Na EcoUrbis existe a preocupação de diminuir a distância entre funcionários e terceirizados. As vagas abertas, por exemplo, são divulgadas a todos, indistintamente. “Já tivemos o caso de um vigilante da organização de segurança que se candidatou a vaga em recursos humanos porque tinha formação para isso”, diz Oliveira. É consenso, no entanto, que a contratação de terceirizados deve ser praticada com reservas. “Normalmente, procuramos manter vínculo com uma empresa terceirizada que tenha boa qualidade da mão-de-obra. Afinal, não podemos canibalizá-la”, diz Staudohar. “Mas, se for o caso de um bom pequeno empreiteiro, podemos convidar todo o grupo, inclusive o dono, para integrar o time da nossa empresa.”
PISANDO EM OVOS
Os cuidados que sua empresa deve tomar na hora de terceirizar
Sempre…
... exija da empresa terceirizada prova do cumprimento de suas obrigações trabalhistas, previdenciárias e tributárias. Se ela deixar de pagar salários ou de recolher INSS, por exemplo, a responsabilidade recai sobre a contratante do serviço.
... assine um contrato com regras claras, destacando que o objeto da terceirização é o serviço, e não as pessoas que o executam. Inclua também cláusulas de desempenho, estabelecendo prêmios e punições.
... deixe a cargo da terceirizada o controle da assiduidade e da pontualidade dos profissionais terceirizados. Ela também deve ter autonomia na contratação de pessoal e responder pela avaliação periódica do seu quadro.
Às vezes…
... rediscuta contratos se houver necessidade de equalizar os planos de benefícios de funcionários diretos e terceirizados, para evitar discrepâncias muito grandes.
... ofereça aos prestadores de serviços pequenas lembranças que não configurem salário indireto. Um panetone ou uma garrafa de vinho no Natal, por exemplo, não comprometem sua empresa.
Nunca…
... troque a empresa terceirizada e exija que a nova contrate os funcionários da anterior. Perante o juiz, ficará claro que o vínculo do empregado é com a empresa contratante do serviço.
... permita que seus funcionários dêem ordens aos terceirizados. Para os tribunais, a subordinação faz da empresa contratante a empregadora direta dos terceirizados.
... estenda aos terceiros os mesmos benefícios dos funcionários diretos. Se seus funcionários recebem cesta básica mensal e os terceirizados não, tente negociar com a empresa terceirizada para que ela forneça esse benefício.
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