25/07/2000 - 02h51
A cada 2 dias, morre um menor "assistido"
ARI CIPOLA e EDUARDO SCOLESE, da Folha de S.Paulo
Um adolescente infrator que participa do programa de liberdade assistida, da Febem, é morto a cada dois dias no Estado de São Paulo. Há quatro anos, morria um jovem a cada quatro dias.
Os dados completos sobre a implantação do programa foram remetidos pela Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor) ao Ministério Público.
No Estado, existem pelo menos 14 mil adolescentes em liberdade assistida, sendo que mais da metade deles está em São Paulo.
Previsto há uma década pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o programa de liberdade assistida foi planejado pelo governo como uma forma socioeducativa de investir na reintegração do adolescente infrator de 12 a 18 anos.
Se o adolescente apresentar comportamento adequado em seus primeiros meses de internação na Febem, a autoridade judiciária pode solicitar o cumprimento dos últimos meses da pena em liberdade assistida.
Pelos dados apresentados, os objetivos do programa não estão sendo alcançados. Entre maio de 96 e abril de 97, morreram, em média, sete jovens em liberdade assistida por mês. De maio de 99 a abril deste ano, foram 15 ao mês, um aumento de 114%.
São várias as causas das mortes, mas o número de crimes cometidos por policiais contra menores em liberdade assistida também aumentou. Há quatro anos, a polícia paulista havia sido responsável pelo assassinato de dez desses infratores.
De maio de 99 a abril deste ano, a polícia tirou a vida de 18 adolescentes em liberdade assistida. Na capital, o aumento do número de infratores mortos pela polícia no período aumentou 225%, segundo os dados da própria Febem.
De acordo com a assessoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o crescimento do número de adolescentes mortos por policiais é uma consequência do aumento da quantidade de menores infratores. De 90 mil pessoas detidas no ano passado, 30 mil eram menores, segundo a PM.
Não funciona
Para especialistas consultados pela Agência Folha, o programa de liberdade assistida não está recuperando o adolescente.
Podem participar do programa jovens que cometeram delitos como o primeiro assalto (desde que o adolescente tenha família), prisão pela primeira vez com arma de fogo e tráfico de drogas.
"A medida não está sendo executada da forma correta. Os cemitérios estão ficando cheios de adolescentes que estavam no programa de liberdade assistida", afirmou a promotora da Infância e da Adolescência de São Paulo, Sueli Buzo Riviera.
"A situação caótica da periferia ajuda os bandidos e não os que querem ter uma vida normal, ir à escola, trabalhar. Os responsáveis pela liberdade assistida são impotentes para recuperar e garantir a vida dos infratores", disse Sueli.
De acordo com especialistas, existe uma série de falhas no projeto. Algumas, inclusive, não são de responsabilidade apenas do governo estadual.
A primeira vem de uma imperfeição do próprio ECA que determina, em seus artigos 118 e 119, que o adolescente colocado no programa tem de ser assistido por monitores especializados, mas não determina o número ideal, máximo ou mínimo.
Os monitores ou educadores foram criados pelo ECA para ser uma espécie de anjo-da-guarda dos infratores. Mas a proporção entre adolescentes e monitores mostra que a missão é quase impossível. Na capital, há 1 monitor para cada 167 adolescentes. No Estado, é 1 para cada 82.
Os monitores fariam a matrícula dos adolescentes infratores, acompanhariam o desempenho escolar, ajudariam a protegê-los contra as ameaças de morte e tentariam inserir o jovem em um curso profissionalizante ou em programas de assistência social.
Como os monitores são poucos, isso é quase impossível de ser realizado. No sistema de liberdade assistida de São Paulo, geralmente os infratores é que procuram um dos 61 postos de atendimento do Estado, a maioria deles em convênio entre a Febem, prefeituras e ONGs (organizações não-governamentais).
Outra falha considerada é a de que, além da ausência de um acompanhamento mais próximo dos infratores em liberdade assistida, há falta de estrutura de atendimento de saúde, profissionalização e assistência social. "Falta uma rede de apoio e, além disso, não há vagas para os infratores em centros de recuperação de drogados e cursos de profissionalização", disse o promotor da Infância e da Adolescência de São Paulo, Wilson Tafner.
O Estado investe mensalmente R$ 60 em cada menor inserido no programa em convênio com ONGs e prefeituras. Esse valor equivale a apenas 3,53% do valor (R$ 1.700) que a Febem gasta por mês com cada um de seus mais de 4.000 internos.
Com os R$ 60, a entidade credenciada pela Febem deve, além de pagar as contas para a manutenção do local (água, luz e telefone), arcar com os salários dos orientadores (pedagogo, assistente social, psicólogo e educador) e colaborar com a sobrevivência das famílias dos menores, oferecendo cestas básicas e atendimento médico.
Com a mesma quantia, em algumas oportunidades, a entidade tem de custear a "fuga" de toda uma família para outros Estados.
"Muitas vezes somos obrigados a comprar passagens de ônibus de última hora para o jovem e seus pais fugirem da cidade. Os filhos se envolvem com as drogas, e os pais são ameaçados de morte", disse o administrador do Centro de Formação Cultural da Obra Social Dom Bosco, o padre Rosalvino Moran Vinayo.
Na opinião da coordenadora do centro, Maria Tereza da Silva, o processo de entrevistas individuais realizadas semanal ou mensalmente não pode garantir a melhoria na educação dos menores.
"Eles podem sentar na frente de um pedagogo e dizer que querem estudar e trabalhar. Mas, quando acaba o período da liberdade assistida (após seis meses ou dois anos), eles saem às ruas para ser exterminados ou passar o dia inteiro roubando", afirmou.
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