sábado, 3 de abril de 2010

Áreas de Riscos de Deslizamentos - Não Construir ou Como Construir?

Por Engº Mauro Hernandez Lozano/Engº Celso C. Cretella

Ainda sob o impacto dos recentes e lamentáveis incidentes que atingiram vários pontos de nosso país ao final do ano de 2.009 – e que persistem nestes primeiros meses de 2.010 - vemo-nos, mais uma vez, perante a necessidade de retornar ao tema-título deste artigo, já desenvolvido, por nós e vários colegas, em inúmeras outras oportunidades, infelizmente, porém, sem a contrapartida da repercussão em termos práticos, que o assunto deveria merecer.

Cabe aqui, uma imagem que nos ocorre, no campo da Medicina: Quando nos surge algum sintoma mais preocupante, nosso comportamento, via de regra, é o de conversar com amigos ou parentes, queixar-nos, lamentar, manifestar receio, e – o que é mais grave – postergar a única atitude que deveria ter sido adotada tão logo surgido o problema: recorrer a um especialista naquela matéria específica da Medicina.





Voltando à nossa especialidade: em grande parte das ocorrências no campo da Engenharia Geotécnica, apenas somos convocados perante fatos consumados quando, ao revés, deveria ser exigida a presença e participação do engenheiro geotécnico “a priori”, ou seja, antes de qualquer outra providência, até mesmo da compra de uma área onde se pretenda edificar, pois o conhecimento prévio das condições geológicas e geotécnicas de um terreno, muitas vezes conclui até por recomendar sua não-aquisição.

A própria legislação que trata desta importante área da engenharia civil não deveria prescindir, em sua elaboração, da participação dos especialistas em geotecnia que são habilitados pela Sociedade e especializados neste assunto. Estes são os únicos profissionais realmente capacitados a elaborar as alternativas técnico-econômicas indispensáveis à análise de cada problema específico.

Enfocando particularmente a área pública, começamos por criticar a inexistência, em muitos casos, de um mapeamento geológico de áreas onde se edifica indiscriminadamente, à revelia de procedimentos geotécnicos, que poderiam – se convocado um especialista – ter viabilizado seus aproveitamentos, dentro de asseguradas condições de segurança, estética e economia.

Recente e expressivo exemplo disto é a construção da segunda pista da Rodovia dos Imigrantes, cujo projeto baseou-se na experiência (com péssimos resultados e vultosos custos de infindáveis reparos) da Via Anchieta. Nos já distantes tempos de nossos bancos escolares, nossos mestres em Mecânica dos Solos já ensinavam que “A essência da Serra do Mar é ruir”. Mesmo assim, a estrada foi construída incrustando-se a pista em suas encostas.

A partir daí, só restou o expediente de executar incontáveis e custosas obras de contenção, alteração de traçados, desvios, etc.




Além destes inconvenientes, há que se conviver com a predatória ocupação urbana das perigosas encostas da Serra do Mar, ocupação que só tende a agravar os riscos devido à impermeabilização do solo pela pavimentação de vias e lotes, descargas indisciplinadas de águas pluviais ou servidas, extração irregular de madeira, desvio do curso natural de nascentes etc.

Já a segunda pista da Rodovia dos Imigrantes utilizou a experiência adquirida naquele exemplo tendo optado, em seu projeto, pelo conceito básico de edificar toda a pista descendente em pistas aéreas (viadutos) apoiadas sobre pilares – que chegam a atingir mais de 100 metros de altura – encravadas em rocha sã.

Os morros que se interpunham ao traçado das pistas foram vencidos por túneis, igualmente perfurados em rocha. Com isto, preservou-se o instável solo natural do maciço e eliminou-se a inconveniente ocupação indisciplinada das margens da rodovia.

Poder-se-ia argüir que este conceito resultou em maior custo para a obra.

A contrapor isto, cabe indagar:

− Qual o custo resultante das incontáveis e constantes correções de uma obra inadequada, sob o aspecto da Geotecnia?
− Qual o custo de recuperação (ou quanto já se despendeu) em contenções, drenagens, desvios, reparos, nas rodovias construídas sem os prérequisitos geotécnicos indispensáveis?
− Qual o custo da remoção de escombros, transporte de materiais resultantes de demolição, construção de muros de contenção e de drenagens, tudo devido a deslizamentos em simples obras residenciais ou industriais edificadas sem o concurso de um engenheiro geotécnico?
− Quais os custos indiretos (importantes!) resultantes do incômodo causado aos usuários?
− E apesar de último, o principal; Qual o custo de uma vida?

E a ausência de um engenheiro geotécnico (ou, às vezes, até sua participação priorizada por interesses escusos) tem custado, desgraçadamente, muitas vidas...

É comum que nos deparemos com soluções adotadas sem os devidos questionamentos, decorrentes de uma patologia que, infelizmente, atinge alguns profissionais: a teomania, ou seja, a onipotência, a “mania de ser Deus”. Essa patologia deve ser conscientizada por todos os profissionais e pela Sociedade como um todo.

Áreas de risco têm que ser tratadas, não apenas sob o aspecto científico, mas também filosófico e, por que não dizer, teológico. Tudo – segundo o cientista e psicanalista Dr. Norberto Keppe – deveria ser tratado segundo sua ciência trilógica, de forma trina, conjugando os três aspectos: ação, lógica e intuição. (ver portal www.trilogia.ws )

O que acontece é que nossa sociedade não utiliza adequadamente os conhecimentos lógicos da engenharia geotécnica em suas implantações urbanas e muito menos as questões de percepção, intuição ou bom senso, de origem teológica.




Muitas dessas ocupações indevidas poderiam ter sido evitadas ou então realizadas com a tecnologia adequada, se estes aspectos trilógicos tivessem sido devidamente considerados e respeitados.

Temos que agir de forma a integrar estes três aspectos. Todas nossas ações devem considerar a lógica reconhecida no meio técnico especializado (engenharia geotécnica) balizados por nossa intuição (Divina).

Ressaltamos (e por analogia) que o cérebro é formado por duas metades: uma lógica e outra intuitiva. Se Deus nos criou assim, será que não nos deveria ser evidente que nossas ações deveriam ser produto desta integração?

Perante incidentes consumados, em áreas de risco de deslizamentos, o primeiro impulso de todos nós é na direção de culpar o Poder Público pela ocupação de áreas perigosas.

Cabe aqui, nova citação do criador da ciência trilógica – o Dr. Keppe – quando cita outra de nossas inconscientes patologias: a Projeção, segundo a qual nós projetamos nos outros (os órgãos públicos, ou os “poderosos”) a responsabilidade sobre estes procedimentos de risco, sem nos conscientizarmos de nossos próprios erros. Esse comportamento nos leva, ao limite, até a contração de doenças físicas graves.

A despeito desse aspecto mais filosófico da questão, cabe ao Poder Público, sim, culpa quanto a três aspectos:

− A inexistência de uma política habitacional, um programa sério e viável, elaborado a partir de vários conceitos (inclusive o geotécnico), de modo a inverter o caminho que se percorre atualmente, qual seja, o de agir a partir do fato consumado. Uma política habitacional honesta e competente impediria (ou, no mínimo, reduziria substancialmente) as ocupações perigosas e irresponsáveis.
− Como segundo aspecto, a incompetência e leniência demonstrada pelo Poder Público, através da falta de fiscalização, em que pese o enorme custo da ociosa e corrupta máquina pública, incapaz de, no mínimo, orientar para que se não ocupassem áreas perigosas sem os indispensáveis cuidados e estudos geotécnicos entre outros.
− E a corrupção, que se mistura aos interesses políticos ou de outras naturezas. Esse comportamento corrupto não só permite as ocupações indevidas, como chega a estimulá-las, dotando essas áreas de infra-estrutura que leve à sua perpetuação.




Mas a Sociedade, como um todo, não pode escapar impune, desse processo. E a Sociedade somos todos nós. Somos também responsáveis, pois:

− Continuamos a inundar de lixo nossas ruas e cidades, e culpamos o Poder Público por não remover o nosso lixo.
− Estimulamos – e ganhamos dinheiro – ao construir, ao arrepio da Lei e do bom senso, empreendimentos habitacionais em locais perigosos e sem os devidos cuidados (estudos e projetos de geotecnia).
− Desviamos cursos de água para favorecer nossas “Pousadas” ou casas de praia, e introduzimos, com isto, danos ao meio-ambiente.
− Produzimos criminosos aterros ilegais, construção de “decks” para atracadouro de barcos, influindo, com isto, sobre o regime de correntes marinhas que devem ser preservadas.
− E quando dizemos “ao arrepio da Lei” queremos dizer, “corrompendo o Poder Público”, pois nos esquecemos de que apenas existe o corrupto se existir o corruptor, ou seja, a Sociedade, que somos nós.
− E quando as tragédias ocorrem, somos os primeiros a nos omitir, apontando o dedo acusador para o Poder Público, em comportamento hipócrita e omisso.

Resumindo todo este universo de culpados, resulta a enorme prepotência que impera em todos nós, ou seja, na Sociedade que representamos e da qual participamos ativamente, e na defesa, principalmente, de nossos mesquinhos interesses, enquanto que deveria prevalecer o interesse da comunidade.




O conhecimento científico deveria, em suma, ser desenvolvido, aprimorado e, ao final aplicado para o Bem de todos, indiscriminadamente, sem privilégio de nenhuma ordem e de nenhuma classe. Dispomos de toda a tecnologia necessária e suficiente para prover toda e qualquer área, dos pré-requisitos indispensáveis aos seus aproveitamentos, asseguradas as imprescindíveis condições de segurança.

O caminho para a solução do problema de implantações de urbanização, não é impedir a construção em chamadas áreas de risco de deslizamentos, mas construir com as devidas técnicas e bom senso, de forma segura, técnica e ambientalmente sustentável, ainda que concluamos por uma inviabilidade econômica ou ambiental.

O Engenheiro e Geólogo de engenharia geotécnica são os profissionais habilitados para construir “a principio” em qualquer lugar. Frise-se que até mesmo a legislação atinente a este assunto deveria ser um produto destes profissionais.

Mas, o que na maioria das vezes acontece é que estes profissionais não são envolvidos ou quando o são, muitas vezes, o estão de forma compromissada a interesses escusos, infelizmente. Engo Mauro Hernandez Lozano
Engo Celso Colonna Cretella
Estes profissionais (engenheiros e geólogos) habilitados pela sociedade e especializados, neste assunto podem, por razões técnicas e econômicas, até concluir pela “Não Construção” face à probabilidade de risco envolvido no problema.

Mas um profissional (ou grupo deles), mesmo especializados, não pode partir para uma decisão qualquer sem os devidos estudos geológicos e geotécnicos, através de quem um estudo de análise de alternativas técnico-econômicas de soluções deve ser considerado indispensável.

O que acontece, na maioria das vezes, é valer-se da prepotência para tais decisões, explicadas por experiências, no mínimo questionáveis, resultantes de decisões teomaníacas (mania de ser um Deus).

Trata-se de um comportamento patológico que deve ser conscientizado pelo individuo e pela sociedade.

O que a sociedade e, nós técnicos (organizações), principais responsáveis, não podemos admitir, são as ocupações irregulares.

Colocar a culpa no poder público é uma forma da sociedade se eximir projetando naquele, a sua omissão.




Trata-se aqui de outra patologia a ser conscientizada (projeção) que é o ato de projetar no outro (individuo e/ou organização) os nossos próprios problemas, de modo a não nos conscientizarmos dos verdadeiros fatores.

As áreas de riscos sujeitas a deslizamento devem ser tratadas de forma científica, filosófica e – porque não dizer? – teológica.

Acontece que a sociedade não conseguiu até o momento aceitar seus conhecimentos (apesar de já os possuir, pois são infusos) e, ao tomar consciência desses conhecimentos, passar a aplicá-los de forma adequada ao bem de todos, e indiscriminadamente.

Com estes comentários esperamos ter contribuído para que, antes que se tome a precipitada e simplista decisão de “NÃO CONSTRUIR”, apliquemos os dispositivos que a Geotecnia nos oferece, para saber “COMO CONSTRUIR”.

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