A tragédia dos comuns
João Francisco Neto
Em 1968, um pesquisador americano da Universidade da Califórnia, Garrett Hardin (1915-2003), publicou um artigo sob o título de “A Tragédia dos Comuns”. O texto faz uma criteriosa análise dos problemas que surgem sempre que usamos um bem comum. Na verdade, é um estudo sobre traços do comportamento humano, cujo resumo é o seguinte: a maioria das pessoas, sempre que puder beneficiar-se de um bem comum será incentivada a fazer o mínimo de esforço para preservá-lo, ao mesmo tempo em que será tentado a extrair o máximo de vantagem desse bem.
No texto do artigo, o exemplo utilizado é o das pastagens, pois era comum em diversos países europeus (e especialmente na Inglaterra), que as terras fossem exploradas de forma coletiva por um grupo de pessoas. Assim, nas mesmas terras todos plantavam, e também criavam gado, utilizando-se das pastagens comuns. O termo “comum”, do título original do artigo, provém da expressão inglesa “commons”, que era utilizada para designar as pastagens, as florestas e os campos compartilhados livremente por uma comunidade rural. Porém, esse sistema dava margem ao surgimento da super-exploração: frequentemente um pastor descobria que, se ele aumentasse o seu rebanho, somente ele teria mais lucro, ao passo que o custo disso seria suportado por todos. A tragédia sobreviria assim que todos passassem a agir da mesma forma. Quando todos os pastores aumentassem os seus rebanhos desproporcionalmente, a terra logo se esgotaria e, em pouco tempo, todos perderiam. Daí o sentido da tragédia.
Há um outro exemplo clássico e real, sempre incluído nos livros de Economia Política: no início da colonização americana, por volta do ano de 1621, desembarcou na região de Massachusetts um grupo de imigrantes peregrinos vindos da Europa, que formaram uma colônia chamada de Plymouth. De acordo com o contrato, as propriedades e as terras seriam administradas e cultivadas de forma comum por todos os colonos. Porém, em pouco tempo, ainda no final do segundo ano da chegada, a colônia afundou em miséria e penúria, fome e frio, pois sua produção não era suficiente nem para alimentar as famílias ali estabelecidas. Logo se concluiu que o sistema de exploração comum não funcionava, pois cada colono esperava que o outro trabalhasse mais que ele próprio. O sistema comunal foi então abolido, e cada um dos colonos passou a cuidar de suas próprias terras. A partir daí a colônia cresceu e prosperou, confirmando aquilo que o filósofo grego Aristóteles já havia concluído há muito tempo: quanto mais donos tiver a coisa, menor o cuidado. Em tudo.
Esse comportamento predatório se revela em várias outras oportunidades. Por exemplo, nos condomínios em que o consumo de água não é medido individualmente, a conta costuma ser bem mais alta do que quando se instala medidores que indicam o consumo de cada família. Questões ambientais também sofrem o mesmo impacto. Se a pesca é liberada, todos procurar retirar o máximo de peixe das águas, ainda que isso, ao final, vá prejudicar a todos.
Infelizmente, isso faz parte da natureza humana: a idéia de “se dar bem”, de levar vantagem em tudo, de obter sempre o máximo de lucro; tudo, logicamente, sem pensar nos outros. E como mudar isso? Como sugeriu Gustavo Cerbasi (Folha de S. Paulo, 21/6/2010), no mundo atual, dominado pelo consumo e pelos valores materiais, uma maneira de se evitar a formação de jovens gananciosos e egoístas seria que as escolas, desde cedo, transmitissem às crianças os valores da ética e da cidadania, ao lado das vantagens de uma vida coletiva e solidária. Não tenham dúvida: esses ensinamentos seriam bem mais importantes do que muita coisa inútil que hoje enche os cadernos, a cabeça e a paciência de nossos jovens e crianças.
João Francisco Neto
Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP
jfrancis@usp.br
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