quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

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Jornal do Brasil, 23/12/2007

TAVARES “PAZ E AMOR” BASTOS
Comunidade é das mais procuradas por causa do Bope, que fez sua sede no local há sete anos

Renato Grandelle
Pela porta de sua casa, na fivela Tavares Bastos, no Catete, Lada Maria da Silva, 67 anos.já perdeu a conta de quantos cadáveres viu descerem o mono. Os tiroteios eram diários e o tráfico se encarregava de envolver os moradores no confronto. Quem oferecia um copo d’água a um policial era jurado de morte. Era, por que, sete anos atrás, a comunidade mudou de dono. Desde a instalação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) em um prédio no alto da fivela, os bandidos sumiram de lá. Dona Leda só tem sorrisos para a fase paz e amor da Tavares, transformada em pólo cinematográfico e menina-dos-olhos do mercado imobiliário informal. Uma casa com dois quartos no “quintal do Bope” não sai por menos de R$ 50 mil.

—Já me ofereceram 40 mil, mas, se eu disser “são 50”, levo na hora — orgulha-se Leda. — Comprei a casa há 30 anos, pelo equivalente a R$ 300. Hoje, nem a porta vale só isso.

Casas até no meio da rua

De acordo com a associação de moradores da comunidade, a população da Tavares Bastos cresceu 10% este ano, chegando a 5.500 pessoas. O boom pode ter sido impulsionado pelo filme Tropa de elite, uma exaltação aos vizinhos do Bope, mas não difere muito do que aconteceu nos anos anteriores. Um estudo da Firjan em 80 favelas das zonas Norte, Sul e Central mostra a Tavares Bastos como a sexta que mais cresceu nos últimos cinco anos — sua área, neste período, expandiu-se 6,7%.

O aumento da população é tão grande que preocupa as autoridades. Ainda no primeiro semestre, a favela avançou sobre uma área de proteção ambiental. A solução encontrada pela prefeitura foi instalar um eco-limite em toda a fronteira norte da Tavares. Os novos inquilinos não se intimidaram com a restrição.

— Já tivemos que impedir uma família de construir sua casa no meio da rua — lembra a presidente da associação de moradores da comunidade, Martha da Conceição Costa. — Também temos inquilinos fazendo casas em cima de outras, sem segurança. A prefeitura embargou, mas não demoliu. Então, o espaço voltou a ser ocupado.

Uma demonstração mais concreta da vitalidade imobiliária da Tavares Bastos é o movimento da loja de material de construção do pedreiro José Luiz Moura, a única em toda a comunidade.

— Nos últimos dois anos, a procura dobrou — espanta-se. — Praticamente construí este morro.

Infra-estrutura é precária

Assim vive a Tavares Bastos — entre o orgulho pela falta de violência e a preocupação com o crescimento desordenado. Mas as vielas pacificas não atraem apenas novos moradores. Este ano, já subiram o mono, em busca de locações, as equipes de uma novela e três filmes.

As gravações renderam empregos temporários e R$ 50 mil para a associação de moradores, verba toda convertida em obras e programas sociais.

O fascínio provocado pela comunidade nos cineastas não chegou aos órgãos governamentais. O cenário ainda é dominado por vazamentos de esgoto — inclusive ao lado da quadra de grama sintética, onde soldados do Bope costumam jogar futebol às quartas-feiras, ruas esburacadas e postes podres.

— O esgoto corre tão forte em algumas áreas que já vimos moradores mais velhos caírem e quebrarem o braço — lembra o eletricista comunitário Renaldo Dias. - Conseguimos ter mais visibilidade lá fora, mas, como a comunidade é pequena e sozinha não elege ninguém, só recebemos investimentos públicos de quatro em quatro anos.

Cidade tem carência de 800 mil imóveis

Além da tranqüilidade, outra razão para o crescimento demasiado da favela Tavares Bastos é o déficit habitacional fluminense. Essa é a opinião de Roberto Kauffmann, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-Rj). Faltam, em todo o Estado, 800 mil moradias, 90% delas para quem ganha menos de cinco salários mínimos.

— Essa é a faixa da população mais carente por habitações dignas e a menos afetada pelo boom imobiliário — condena. — Construir grupamentos residenciais não deve ser encarado como uma política a fundo perdido, e sim como investimento.

Como dezenas de outras comunidades, a Tavares Bastos luta pela sua inclusão em urna nova edição do Favela-Bairro. Mas, para Kauffmann, levar a urbanização morro acima é menos eficiente do que investir nos vazios urbanos, em áreas próximas ao transporte de massa. Segundo o presidente da Sinduscon, equipar estas áreas com habitações dignas — que custassem, ao menos, R$ 50 mil — e estabelecimentos médicos, de lazer e educação seria fundamental para unir segurança e ordem urbana.

Na Tavares, esses dois elementos ainda não andam juntos — o que preocupa até o comandante do Bope, tenente-coronel Alberto Pinheiro Neto.

— Como a favela está crescendo verticalmente, tivemos de procurar a prefeitura e pedir a determinação de um gabarito para a comunidade — revela. — A segurança trouxe a paz, o que gera prosperidade. Agora,

precisamos tomar cuidado para que a falta de infra—estrutura da Tavares Bastos não a torne inabitável.

A tropa de Pinheiro Neto ocupa um prédio que. sete anos atrás, era usado por traficantes para desova de cadáveres e desmonte de carros. Sua transformação em sede da tropa de elite da Polícia Militar só foi possível com a colaboração dos moradores, que denunciaram os esconderijos dos bandidos na comunidade. O exemplo, segundo o comandante, pode ser seguido por outras favelas cariocas.

— Quando outras comunidades subjugadas pelo tráfico aceitarem o Estado, teremos novas Tavares Bastos — garante o militar.

O sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência (Uerj), discorda. Para ele, uma pacificação aos moldes da Tavares Bastos não tem vez dentro da política de confrontos sustentada pela cúpula estadual de segurança pública:

— A presença eminente da polícia reduz a violência. Infelizmente. não é essa a orientação política, nem existe efetivo para bancá-la.



Outra matéria:

O Globo, 29/12/2007

ESTADO FAZ PAPEL DA PREFEITURA

Força-tarefa sobe Chácara do Céu, derruba puxadinho e notifica donos de casas irregulares

Cláudio Motta

Um puxadinho em construção foi derrubado e moradores de 26 casas na Favela Chácara do Céu, no Leblon, foram notificados ontem pela força-tarefa montada pela Secretaria estadual do Ambiente. Os imóveis foram alvo da ação por estarem acima da cota 100 (cem metros acima do nível do mar, onde é proibido construir). Durante a operação, que não teve a participação da prefeitura, os fiscais multaram ainda o condomínio Quintas e Quintais, no Alto Leblon, por causa de uma quadra de tênis dentro do Parque Municipal Penhasco Dois Irmãos — e também acima da cota 100. De acordo com o secretário do Ambiente, Carlos Minc, foi a primeira de uma série de operações. Numa série de reportagens publicadas este mês, O GLOBO mostrou o crescimento acelerado da Favela Chácara do Céu.

As próximas operações serão realizadas em janeiro nos morros da Babilônia (Leme), dos Cabritos (Copacabana), do Cerro-Corá (Cosme Velho) e em Piraquara (no Parque da Pedra Branca, na Zona Oeste).

— Também ficaremos atentos às mansões de Jacarepaguá. Nosso objetivo é montar um plano de médio prazo, para que as operações sejam semanais. Não vamos deixar a Mata Atlântica ser destruída, apesar de sabermos que esse passivo ambiental é muito maior do que as nossas forças — disse Minc.

A operação teve apoio de 20 policiais da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, além de peritos ambientais do Instituto de Criminalista Carlos Éboli. Técnicos do Instituto Estadual de Florestas, funcionários da Coordenação de Integração de Combate aos Crimes Ambientais e operários da Serla, que derrubaram o puxadinho, também atuaram. O grupo usou fotos de satélite, aparelhos de localização via GPS e inclinômetros para detectar encostas com mais de 45 graus de inclinação, onde a construção é proibida. Moradores ficaram apreensivos.

— Essa operação toda é lamentável. Ficamos com pena dos moradores que gastaram seu dinheiro e agora podem ter as casas derrubadas — disse Francisco Figueiredo, um dos integrantes da comissão que representa os moradores.

Moradores terão que plantar mudas de árvores

O puxadinho foi derrubado por estar em construção e vazio. Já as casas cujos moradores foram notificados poderão ser demolidas, caso haja determinação judicial. De acordo com Minc, seus donos assinarão um documento, no qual se comprometerão a não aumentar o tamanho de suas moradias, e um termo de ajustamento de conduta (TAC). Nele, estará previsto que cada um plante 20 mudas de árvores.

— Nosso foco são as ocupações recentes. O fato é que não encontramos qualquer casa da Chácara do Céu dentro do Parque Penhasco Dois Irmãos, mas acima da cota 100. Na comunidade, recebemos a denúncia de que o condomínio do Alto Leblon estaria dentro do parque. Confirmamos o fato e, além de pagar multa, de R$200 a R$50 mil, eles precisarão fazer o replantio da área — afirmou Minc.

O síndico do condomínio, que não quis se identificar, afirmou que a quadra foi construída em 1979, ou seja, antes da criação do parque (1992). Para Minc, o fato de a quadra estar acima da cota 100 já configura irregularidade. O condomínio, segundo o síndico, já vem pagando à prefeitura uma taxa mensal de R$2,5 mil por ocupação temporária. Além disso, os moradores arcaram com os custos do replantio de 1.700 mudas de árvores na encosta do parque.

Para a presidente da Associação de Moradores do Alto Leblon, Evelyn Rosenzweig, a fiscalização é positiva:

— A lei vale para todos. Mas temos informações acerca do crescimento vertical na Chácara do Céu. Isso nos preocupa muito.



Outra matéria:

O Globo, 25/12/2007

FAVELAS

ALI KAMEL

Para mim, estadista é aquele que, por ter a consciência de que seus atos presentes determinam o futuro das sociedades que representam, não se tornam reféns de medidas de curto prazo, cujo fim último é a manutenção da popularidade. Numa linguagem mais simples: fazem aquilo que é o certo, pensando no bem comum e nas gerações que virão, sem ter como meta obsessiva a próxima eleição. São raros.

O caso das favelas é revelador. Uma delas, a Chácara do Céu, avança sobre um parque, uma área de preservação ambiental que o poder público revitalizou a custo de muito dinheiro. Obras ilegais são realizadas aos olhos de todos, caminhões cheios de material de construção são vistos com freqüência entrando pelo portão do parque que, pela lei, as autoridades deveriam se empenhar em manter. A imprensa cumpre o seu papel denunciando a destruição, mas nada, simplesmente nada, acontece. Em pouco tempo, sabemos todos, o morro estará tomado por uma grande "comunidade", que as mesmas autoridades passarão a ver como irremovíveis. A área se degradará, um cartão-postal deixará de existir, e as gerações futuras, tanto os moradores condenados a viver em situação subumana quanto os seus vizinhos do asfalto, pagarão pela incúria das autoridades do presente. Triste sina a nossa.

O parque ao pé do Dois Irmãos é tombado, mas o órgão encarregado da preservação do patrimônio público, ao ver-se cobrado, diz que as favelas fazem parte da paisagem. Inacreditável. Como a favela está apenas começando a invadir aquela área, o Iphan lança mão de uma estranha lógica e, desde já, defende uma paisagem que ainda não existe. Resignação antecipada, se não fosse apenas cinismo.

Já o prefeito César Maia deu lições acertadas para o grupo que assina os seus textos diários distribuídos por e-mail: disse que a expansão de favelas só será combatida com investimentos em moradias populares subsidiadas e investimentos expressivos em transporte de massas, bom e barato. Mas alegou que as duas coisas só podem ser feitas pelo governo federal. Será mesmo? Não terá a prefeitura instrumentos para contribuir? Mas, e o Favela Bairro? Criado por ele há 14 anos com o objetivo declarado de transformar as comunidades carentes em bairros formais, o que nunca aconteceu, o projeto se revelou um fracasso. Pegue-se tudo o que se investiu nele, e talvez descubramos quantas casas populares deixaram de ser construídas em terrenos já servidos por trem e metrô.

No mesmo texto, o prefeito disse que as áreas de proteção do ambiente cultural (Apacs), que seu governo expandiu pela Zona Sul, contribuíram para a contenção das favelas. Segundo ele, a região teria parado de crescer, já que novos prédios e lojas não puderam ser erguidos, uma vez que muitas casas estão preservadas. Como conseqüência, a demanda por mão-de-obra (trabalhadores domésticos, de serviço e empregados) também teria parado de crescer, o que levaria à estagnação das favelas, que só cresceriam por força da taxa de natalidade. Tudo muito bonito, se os fatos não contrariassem a tese. Mesmo que haja menos casas que possam ser demolidas, o número de lançamentos imobiliários (inclusive na orla) continua expressivo, basta andar pelos bairros da região. E como dizer que o comércio e os serviços não crescem? O prefeito se esqueceu do gigantesco Shopping Leblon (para não falar do shopping do Flamengo, que conta com o seu entusiasmo)?

As favelas continuam crescendo, portanto, e este crescimento é alimentado exatamente pelos fatores que o prefeito diz que não existem, mas que, na verdade, são fruto de suas próprias iniciativas.

E por outras políticas públicas equivocadas. Uma delas talvez seja justamente o investimento em programas como o Favela Bairro e esse novo PAC das favelas. Incapazes de dar dignidade aos favelados, que continuam submetidos a condições subumanas de vida, tais programas têm pelo menos um efeito: aumentar a acessibilidade das favelas. E aqui como no resto do mundo, uma área acessível, por definição, é uma área que atrai mais e mais gente, simples assim. Com o tal PAC do governador Sérgio Cabral, será criado um elevador em plena área nobre de Ipanema para melhorar o acesso ao Cantagalo. O que os formuladores dessas políticas públicas imaginam que vai acontecer? A favela continuará favela, com péssimas casas, péssimos serviços, dominada pelo tráfico, mas vai se tornar mais atraente apenas porque o acesso a ela ficará ainda mais fácil. O resultado será um só: as condições de vida continuarão um horror, mas a favela vai crescer, a custa do meio ambiente, da qualidade de vida dos seus moradores e dos seus vizinhos mais próximos. O mesmo acontecerá na Rocinha. Ao rasgar a favela com ruas largas, de alto a baixo, as condições de vida no lugar continuarão as mesmas, mas áreas antes de difícil acesso serão alcançadas com mais conforto. Pode-se imaginar o boom que a favela experimentará.

A favela do Vidigal, vizinha da Chácara do Céu, é um bom exemplo do que descrevo acima. A prefeitura do Rio melhorou os seus acessos em 2000, construindo passarelas e rampas, dentro do Favela Bairro. Facilitado o acesso, o crescimento foi inevitável, e hoje ela caminha rumo à Rocinha. O que não mudou foi a miséria.

Quando as gerações futuras olharem para trás, prefiro não pensar no julgamento que terão dos governantes de hoje.

ALI KAMEL é jornalista. E-mail: ali.kameloglobo.com.br



Outra matéria:

O Globo, 27/12/2007

COLUNA OPINIÃO

RESPOSTA URGENTE

O desastre urbanístico da Chácara do Céu, cevado pela inércia da prefeitura, é a evidência de que o poder público perdeu o controle sobre o processo de favelização. A julgar pelo pouco empenho dos órgãos municipais em dar respostas imediatas e concretas aos agravos contra o meio ambiente, a paisagem e a preservação urbanística da cidade, trata-se de questão sobre a qual terão de se manifestar outras instâncias de poder.

A velocidade com que novas construções impunemente avançam sobre a área de preservação ambiental do Dois Irmãos projeta para um futuro não muito distante uma imagem de cartão-postal rodeado de barracos. Essa expansão há de ter encontrado anteparo numa política urbanística, ambiental e habitacional meramente contemplativa.

Assim como não foi a primeira favela a, em face da omissão, crescer alentada pelas facilidades de se avançar sobre os terrenos do seu entorno, a Chácara do Céu não será certamente a última a contrabandear para a informalidade e a desordem habitacional mais e mais áreas da cidade.

O informalismo decorrente da letargia incluiu outros casos na crônica do descontrole. Na Rocinha, quatro meses depois de a própria prefeitura ter criado gabaritos para conter o crescimento vertical, a favela continua a se expandir, para cima e para os lados. Na Fonte da Saudade, o aviltamento de uma das mais nobres áreas do Rio levou seus moradores a defender o pagamento do IPTU em juízo, de modo a obrigar o município a assumir suas obrigações com a preservação da qualidade de vida dos cidadãos.

Não faltam dispositivos para enfrentar tais desafios. Especialistas asseguram que a prefeitura dispõe de poder de polícia para conter os abusos na Chácara do Céu, que devastam uma área de preservação ambiental. A fixação de gabaritos na Rocinha poderia ser tomada como instrumento efetivo de política urbana.

Faltam vontade política e coragem para impor medidas de contenção dos abusos, ainda que ao preço de contrariar interesses com os quais o poder público possa estar alinhado. Há que se adotar medidas como a remoção de favelas e a relocação de moradores em regiões não degradadas, assim como a implementação de programas habitacionais para famílias de baixa renda e a melhoria do transporte urbano de massa, a fim de viabilizar a ocupação ordenada de terrenos distantes. São ações que não podem ser postergadas.



Outra matéria:

O Globo, 25/12/2007

NEM A PREFEITURA CUIDA

Praças e escola pública são construídas sobre e às margens de rio em favelas

Selma Schmidt

O próprio programa Favela-Bairro, da prefeitura, tem descumprido a legislação ambiental, que fixa em 30 metros a faixa marginal de proteção de cursos d'água com menos de dez de largura. No Morro do Banco, no Itanhangá, uma das favelas vizinhas à Cachoeira Grande, foi construída uma pracinha sobre o Rio Cachoeira. Coladas no mesmo rio, foi implantada uma praça e está sendo erguida uma escola na Favela Mata Machado, no Alto da Boa Vista. O crescimento da comunidade foi constatado em reportagem do GLOBO, que sobrevoou a região semana passada durante inspeção do Ibama.

- Além de estar se omitindo ao não conter o crescimento em áreas de proteção, a prefeitura, se está construindo nas faixas marginais, está desrespeitando a legislação - comentou a promotora Rosani da Cunha Gomes, da Equipe de Meio Ambiente do Ministério Público, que, no ano passado, entrou com uma ação na Justiça, pedindo que o município seja obrigado a frear a expansão de casas erguidas em áreas de preservação ambiental em 13 favelas do Alto da Boa Vista, demolindo os imóveis.

Cesar: Favela-Bairro só reassenta 5% de famílias

Segundo o prefeito Cesar Maia, toda a Mata Machado está em faixa marginal de proteção. Ele argumentou que a comunidade é antiga e que o Favela-Bairro reassenta no máximo 5% das famílias.

- Há uma tese de uma professora da UFF contando a historia dessa comunidade, que ocupou os espaços cedidos pelo dono de uma empresa - acrescentou Cesar.

O analista ambiental do Ibama Luiz Fernando Lopes da Silva, que esteve na Mata Machado na sexta-feira passada, constatou que boa parte das casas, está nas margens do rio. A praça e a escola, no entanto, são construções recentes.

- As margens de rios são de preservação permanente. No lugar, deveria haver mata ciliar - explicou Luiz Fernando.

O Rio Cachoeira, que nasce no Vale das Almas, no Parque Nacional da Tijuca, recebe o Caveira e o Archer. Antes de cortar a Favela Mata Machado, ele cruza outra comunidade: a Tijuaçu. Lá, a situação é semelhante: casas foram construídas nas margens do curso d'água.

Ao longo do Rio Cachoeira, a primeira queda d'água passa dentro de outra favela do Alto, a da Fazenda, e bem perto de casas. O presidente da Associação de Moradores da Fazenda, Erisvaldo do Vale Lima, alegou que a comunidade é antiga e remanescente de quilombolas. Ele garantiu que não está havendo expansão:

- As famílias estão apenas melhorando as suas casas. Estamos respeitando os eco-limites colocados pela prefeitura.

A exuberante Cachoeira Grande - a maior queda d'água do Rio Cachoeira - passa perto do Morro do Banco. Como conseqüência da favelização, a água que chega à cachoeira está poluída e cheia de lixo.

Presidente da Associação de Moradores do Morro do Banco, Anderson Colombo assegurou que a comunidade está respeitando os eco-limites e gabaritos (de dois e três andares) fixados pela prefeitura.

- Não há casas perto da cachoeira.

No entanto, há construções grudadas no rio. O Morro do Banco tem 2.900 casas. Segundo Colombo, a expansão da comunidade se deu quando foram anunciadas obras do Favela-Bairro, em 1997, tendo se estabilizado. Com o crescimento, o trânsito pelas ladeiras do morro é caótico.

Saiba mais sobre outras irregularidades

Desde o dia 13, O GLOBO tem mostrado a expansão de favelas no Rio. Moradores do Alto Leblon e da Fonte da Saudade denunciaram o movimento intenso de caminhões, carregados de material de construção, para alimentar a ampliação de barracos, dentro do Parque Penhasco Dois Irmãos - administrado pela prefeitura - e em ruas de classe média, como a Sacopã e a Vitória Régia. Fotos aéreas, feitas pela Associação de Moradores do Alto Gávea, constataram que, na Chácara do Céu, que rasga a encosta do Morro Dois Irmãos, há casas com quatro andares. Já fotografias tiradas por integrantes da associação da Fonte da Saudade mostram a ocupação de áreas dentro dos parques José Guilherme Merquior e Fonte da Saudade.

Outra reportagem do GLOBO revelou que o Parque Nacional da Tijuca está sendo ameaçado pelo crescimento de favelas. O superintendente regional do Ibama, Rogério Rocco, sobrevoou a região e identificou três áreas - em Jacarepaguá, Água Santa e Méier - onde construções irregulares avançam sobre a floresta.

Chácara do Céu: morador defende presença da prefeitura

Membro da comissão de moradores da Chácara do Céu, onde vive há 30 anos, Paulo Cesar Ferreira defende a presença do poder público municipal para controlar a expansão vertical da comunidade. Paulo Cesar assegurou que não está havendo crescimento horizontal da favela:

- A maior parte da comunidade não tem como crescer horizontalmente, porque o muro que delimita o parque (Penhasco Dois Irmãos) impede. Na parte em que pode ocorrer esse crescimento horizontal, os próprios moradores impedem isso, até para evitar futuros acidentes. Mas não temos, sem o apoio de um órgão da prefeitura, como evitar que as pessoas construam em cima de suas casas.

Segundo o site da Secretaria de Urbanismo, o Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso) do Vidigal deveria atender também à Chácara do Céu. Paulo Cesar disse que isso não acontece:

- Quando a secretária de Meio Ambiente, Rosa Fernandes, esteve na comunidade, no meio do ano, pedimos um Pouso para a Chácara do Céu - contou.

De acordo com Paulo Cesar, a Chácara do Céu existe desde a década de 40 e conta com redes de água e esgoto, além de pavimentação. Ele diz que, quando o parque foi criado (1998), a comunidade já usava o local como servidão. O líder comunitário lamenta ainda que a prefeitura tenha abandonado quatro casas, construídas durante a administração Luiz Paulo Conde para reassentar famílias que estão dentro do parque:

- Abandonadas, essas casas acabaram invadidas.

Um curral na via expressa

Animais são criados às margens da Linha Vermelha

Ediane Merola

Um curral cheio de cabras, cavalos e porcos, montado ao lado de um depósito de contêineres, chama a atenção dos motoristas que passam pela Linha Vermelha, sentido Centro, na altura do Caju. Mais de 20 animais são criados no lugar, que fica muito próximo à pista. Freqüentemente, eles saem da cercado, feito com ripas de madeira, e correm para pastar na margem da via. As cabras, por serem menores, conseguem ultrapassar a cerca de proteção e chegam até o asfalto, botando em risco os motoristas que passam no local.

Segundo integrantes do Módulo Operacional das Vias Especiais (Move), do Batalhão de Choque, que fazem o monitoramento da Linha Vermelha, regularmente policiais são chamados para retirar os animais da via expressa. Alguns metros antes do curral, há um outro cercadinho de madeira, onde são criados dois jumentos. Os bichos ficam a menos de dez metros da pista.

Conforme O GLOBO mostrou na edição de sábado, moradores da favela construída atrás da Vila do Pinheiro, no Complexo da Maré, a cerca de 500 metros do curral, também criam vários animais, que circulam livremente. A ocupação irregular, formada por mais de 60 barracos de papelão, plástico e muito compensado, cresce rapidamente ao lado da via expressa, com as mesmas características do início da construção da Maré, na década de 40. No local, crianças andam descalças ao lado dos animais sobre lixo espalhado pelo chão.



Outra matéria:

O Globo, 28/12/2007

COLUNA OPINIÃO

VIA DO MERCADO

Melhora o panorama de oferta de casas populares

Em suas projeções para o período 2008-2011, o BNDES prevê que a construção de residências responderá por 44% dos investimentos previstos para o período no Brasil. Em recursos, esses investimentos na habitação devem corresponder a R$535 bilhões.

É uma previsão alentadora para um país que, nos últimos anos, viu suas cidades se deteriorarem pela ocupação desordenada, com inchaço das periferias e favelização crescente em áreas tidas antes como nobres.

Tal processo de degradação foi prejudicial para todos, e, mesmo para os mais pobres, não significou de forma alguma alternativa de habitação barata. Grande parte dos moradores de favelas no Rio paga aluguel, cujo valor chega a ser exorbitante pelas condições precárias do imóvel.

As autoridades municipais, quase sempre responsáveis pelo ordenamento urbano, se queixam da falta de mecanismos e de apoio para coibir esse tipo de ocupação ruinosa. O estado costuma estar presente em tais comunidades carentes com escolas, postos de saúde e oferta de serviços básicos, mas geralmente é omisso no que se refere à Justiça. A quem o morador de uma favela recorre quando está envolvido em uma disputa ou tem seus direitos atingidos? A um juizado de pequenas causas ou qualquer outra representação do poder público? Não é o que se vê na prática: nesses casos, é muito comum o "juiz" ser o "dono" da "boca-de-fumo", um marginal que, sob o poder das armas de um exército de traficantes, impõe seu domínio.

Por trás dessa degradação urbana há sem dúvida um fator econômico, que começa a ser anulado pela expansão acelerada de imóveis residenciais voltados também para a população de baixa renda. Levantamento junto a empresas do mercado imobiliário mostra que, somente em imóveis para a classe C, a oferta aumentou de 11 mil unidades em 2006 para 60 mil em 2007. E a expectativa é que em 2008 essa oferta dobre.

Tamanha reação acompanha a tendência de formalização de empregos e aumento de renda no Brasil, contribuindo para realimentar um ciclo virtuoso. Resta ao poder público investir mais na infra-estrutura das novas áreas residenciais.



Outra matéria:

O Globo, 28/12/2007

A SAÍDA É POLÍTICA

THAMY POGREBINSCHI

Ao lançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Morro do Cantagalo, o presidente Lula afirmou que "todo mundo que não tem o título de sua terra vai tê-lo, para que tenha certeza de que o terreno é seu e não virá nenhum prefeito ou governador mandar a polícia tirá-los de lá". Lula se referia a um fantasma que por muito tempo assombrou o Rio de Janeiro: a remoção das favelas.

No entanto, por mais que a remoção tenha constituído a regra do tratamento urbanístico que as favelas cariocas receberam desde a promulgação do Código de Obras, em 1937, até meados da década de 1970, o principal fantasma que ronda hoje a população das favelas é outro: a exclusão social.

Para afastar tais fantasmas, o remédio é o mesmo: a regularização do direito de propriedade dos moradores das favelas. Sem a concessão dos títulos de propriedade àqueles que já têm a posse de um bem imóvel, nenhuma política de urbanização surtirá efeito, e a propagada integração da favela ao asfalto permanecerá ilusão. Mas, por que a distribuição dos títulos de propriedade é importante?

Socialmente, a falta de propriedade se confunde com a ausência de um direito sobre ela, o que implica reconhecer, no caso da moradia, um fator determinante de exclusão social e da condição de pobreza e miséria.

Economicamente, a ausência do direito de propriedade se revela um fator limitador da renda e da riqueza dos cidadãos. A posse sem título restringe as possibilidades de transação da propriedade e obstaculiza, por exemplo, o acesso ao crédito. Ademais, a ausência de título impede que o cidadão exerça devidamente seu papel de credor e devedor de prestações estatais, seja porque sua propriedade deixa de receber serviços públicos, seja porque ela deixa de ser objeto de tributação.

Juridicamente, a restrita distribuição do direito de propriedade dificulta o exercício pleno da cidadania, restringindo particularmente o acesso a outros direitos, sobretudo aos chamados direitos sociais e econômicos. Além disso, o provimento de títulos àqueles que têm posse certamente reduziria os conflitos jurídicos e a litigância no campo fundiário.

A mediação desses efeitos depende da esfera política. Uma regularização fundiária abrangente depende de normas a serem ainda emanadas pelo Poder Legislativo. A consecução dessas, por sua vez, depende de várias instâncias do Poder Executivo, que, por sua vez, é também o principal responsável por implementar políticas públicas que almejem uma eventual solução do problema. E, mesmo nos casos nos quais as propriedades a serem regularizadas se encontrem fora do domínio estatal, isto é, em terrenos particulares, a mediação do Estado se faz necessária através do Poder Judiciário.

A posse sem título faz da propriedade um problema jurídico, cujos meios de solução são eminentemente políticos. Resta reconhecer a centralidade desse problema e conjugar esforços no sentido de resolvê-lo.

THAMY POGREBINSCHI é professora da Uerj e da FGV-Rio

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